João e o mestre
O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é uma reunião de excertos de filmes de Oliveira, entre a admiração e a análise.
Tire-se o chapéu à energia de João Botelho, que vai fazendo inúmeros documentários, curtos ou longos, entre as ficções de maior fôlego, e tire-se o chapéu à forma como assume, neste filme, uma dimensão radicalmente pessoal, mesmo confessional. O “Eu” do título não está lá por acaso (talvez até aluda, numa piscadela de olho cinéfila, a um célebre artigo de Eisenstein, Dickens, Griffith e Nós), O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é uma homenagem, na primeira pessoa, a Manoel de Oliveira e aos seus filmes, tanto quanto uma “leitura” deles, e tanto quanto a crónica de uma relação pessoal, de amizade (a imagem da mão de Oliveira sobre o ombro de Botelho) mas sem nunca perder a reverência (e a reserva) com que um discípulo olha para o seu mestre. E Botelho, que convidou Oliveira para um pequeno papel na sua primeira longa-metragem (Conversa Acabada, em 1980), é por certo um dos realizadores portugueses que mais legitimamente podem reivindicar uma filiação oliveiriana, bem patente em vários dos seus filmes (sobretudo os iniciais, mas não exclusivamente), quer em termos de organização visual quer em questões relacionadas com a abordagem do texto e da literatura.
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Tire-se o chapéu à energia de João Botelho, que vai fazendo inúmeros documentários, curtos ou longos, entre as ficções de maior fôlego, e tire-se o chapéu à forma como assume, neste filme, uma dimensão radicalmente pessoal, mesmo confessional. O “Eu” do título não está lá por acaso (talvez até aluda, numa piscadela de olho cinéfila, a um célebre artigo de Eisenstein, Dickens, Griffith e Nós), O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é uma homenagem, na primeira pessoa, a Manoel de Oliveira e aos seus filmes, tanto quanto uma “leitura” deles, e tanto quanto a crónica de uma relação pessoal, de amizade (a imagem da mão de Oliveira sobre o ombro de Botelho) mas sem nunca perder a reverência (e a reserva) com que um discípulo olha para o seu mestre. E Botelho, que convidou Oliveira para um pequeno papel na sua primeira longa-metragem (Conversa Acabada, em 1980), é por certo um dos realizadores portugueses que mais legitimamente podem reivindicar uma filiação oliveiriana, bem patente em vários dos seus filmes (sobretudo os iniciais, mas não exclusivamente), quer em termos de organização visual quer em questões relacionadas com a abordagem do texto e da literatura.
O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é essencialmente um filme de montagem, uma reunião de excertos de incontáveis filmes de Oliveira, associados por motivos visuais de forma bastante livre e pertinente, enquanto a voz off do próprio Botelho comenta e, sobretudo, conduz as operações, sempre numa mescla – no seu melhor, indestrinçável – entre a admiração e a análise. É ao mesmo tempo simples (porque as imagens de Oliveira são fortes e luminosas mesmo arrancadas ao contexto original) e complexo (porque se vão revelando articulações, persistências, rimas). E nessa simplicidade – é, digamos, um filme “fácil de ver”, sem nada de pejorativo na expressão – como nessa complexidade chega ao seu destino: ser igualmente pertinente enquanto “introdução”, quase pedagógica, ao cinema de Oliveira, e enquanto possibilidade de permitir mais uma reflexão a espectadores veteranos e bem conhecedores da obra do autor de Amor de Perdição.
O elemento mais discutível será o pequeno “filme no filme” que o realizador inclui no final, uma “imaginação” de uma ideia de filme que Oliveira tinha e não chegou a fazer mas contou a Botelho. Mas, nessa emulação ou simulacro (do “estilo Oliveira”, do cinema mudo e a preto e branco), nesse momento de “oliveirianismo” apócrifo, Botelho joga um jogo que Oliveira certamente apreciaria – ou não tivesse sido ele o cineasta que, na Belle Toujours, inventou uma continuação apócrifa para a Belle de Jour de Buñuel.