Micro-injecção: os homens passam a infertilidade aos filhos?
Estudo avaliou jovens entre os 18 e 22 anos concebidos com a ajuda da injecção intracitoplasmática e concluiu que os seus espermatozóides são menos e mais lentos.
Qual é a qualidade do sémen dos jovens adultos concebidos há 18-22 anos por uma das mais comuns técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), a micro-injecção intracitoplasmática, que é indicada nos casos de infertilidade de masculina? Esta foi a pergunta do estudo inédito da Universidade Livre de Bruxelas. Os resultados, publicados este mês na revista científica Human Reproduction, revelam que os “filhos” da micro-injecção têm menos espermatozóides e são mais lentos do que os jovens concebidos de forma natural. É a primeira avaliação ao grupo mais antigo de homens nascidos com a ajuda da micro-injecção mas ainda é cedo para conclusões definitivas.
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Qual é a qualidade do sémen dos jovens adultos concebidos há 18-22 anos por uma das mais comuns técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), a micro-injecção intracitoplasmática, que é indicada nos casos de infertilidade de masculina? Esta foi a pergunta do estudo inédito da Universidade Livre de Bruxelas. Os resultados, publicados este mês na revista científica Human Reproduction, revelam que os “filhos” da micro-injecção têm menos espermatozóides e são mais lentos do que os jovens concebidos de forma natural. É a primeira avaliação ao grupo mais antigo de homens nascidos com a ajuda da micro-injecção mas ainda é cedo para conclusões definitivas.
Num grupo estavam 54 “filhos” da injecção intracitoplasmática, que consiste na introdução de um único espermatozóide no ovócito. Num outro (grupo de controlo) encontravam-se 57 rapazes concebidos de forma espontânea. Os homens, entre os 18 e 22 anos, foram alvo de uma avaliação física completa que tinha como objectivo principal comparar a qualidade do sémen destes jovens. Os resultados mostraram que o grupo da micro-injecção tinha quase metade da concentração de espermatozóides. Também revelaram que estes jovens, filhos de homens inférteis, tinham três vezes mais probabilidade de ter concentrações inferiores a 15 milhões de espermatozóides por mililitro de sémen, o valor considerado normal pela Organização Mundial da Saúde.
Em média, o grupo dos “filhos” da micro-injecção tinha uma concentração de 17,7 milhões de espermatozóides, a contagem total fixou-se nos 31,9 milhões e 12,7 milhões tinham motilidade. No grupo de controlo, os números foram superiores com o registo de 37 milhões no que se refere à concentração, 86,8 milhões na contagem total e 38,6 milhões na motilidade.
“Estes resultados não são surpreendentes”, afirma André van Steirteghem, investigador que liderou o Centro de Medicina Reprodutiva da Universidade de Bruxelas, que foi pioneiro nesta técnica, e um dos autores do artigo. No comunicado de imprensa, o investigador explica que os pais com problemas de fertilidade que recorreram a esta técnica foram devidamente informados sobre os riscos mas que isso não os impediu de recorrer à injecção intracitoplasmática. “Como eles próprios diziam: ‘Se isso acontecer, a micro-injecção também pode ser a solução para o meu filho.’”, lembra.
A avaliação feita ao grupo mais antigo de jovens nascidos graças à micro-injecção mostra que houve um “grau de subfertilidade” que passou de pai para filho. Porém, a amostra é pequena e há outros factores que podem influenciar a fertilidade de um homem, sublinham os autores do trabalho. “O estudo mostra que as características do sémen dos pais que recorreram à micro-injecção não definem os valores do sémen dos filhos. Está provado que os factores genéticos têm um papel na infertilidade masculina, mas há muitos outros factores que também interferem. Além disso, uma correlação não é a mesma coisa do que uma relação causal”, refere Van Steirteghem. Aliás, no artigo, os autores referem que os pais com concentrações de espermatozóides abaixo dos 15 milhões não tiveram necessariamente descendentes com os mesmos valores. Para esclarecer melhor esta relação, diz o especialista, é preciso realizar mais estudos com mais “filhos” desta ou de outra técnica de PMA.
“As pessoas devem estar esclarecidas de que aumentamos a probabilidade de haver problemas na geração seguinte. Mas não podemos nem devemos estabelecer relações directas”, comenta Alberto Barros, especialista em genética médica e um dos pioneiros destas técnicas em Portugal. O especialista reforça que a “pequeníssima amostra” usada no estudo não serve para tirar conclusões. E confirma que quando os casais inférteis são informados sobre este tipo de riscos respondem: “Se nós hoje conseguirmos, os nossos filhos também podem conseguir.”
Neste trabalho, os especialistas estudaram um grupo de jovens que foi concebido quando a técnica da micro-injecção servia apenas para resolver os problemas de infertilidade masculina e que está inserido num projecto mais vasto que acompanha a vida de “filhos” de técnicas de PMA. No projecto existiam cerca de 215 famílias que tinham recorrido à micro-injecção e tinham tido um rapaz (mas os participantes não foram contactados directamente, porque 20% dos pais não disse aos filhos qual o método de concepção usado). Actualmente, esta técnica é usada mesmo quando a infertilidade do casal tem outras causas que não estão relacionadas com a qualidade do sémen e isso, admitem os cientistas, pode dificultar mais ainda as conclusões que se possam tirar sobre transmissão da infertilidade masculina de pais para filhos. “Mais do que a técnica usada para resolver o problema de um casal, o que importa saber e estudar é a causa da infertilidade”, conclui Alberto Barros.
A micro-injecção é uma das mais comuns técnicas de PMA, que já terão gerado mais de 2,5 milhões de crianças em todo o mundo. Em Portugal, os dados mais recentes referem-se a 2013, quando nasceram 2091 crianças (2,5% do total de nascimentos) com esta ajuda médica; a maior parte (1322) foi concebida através da fertilização in vitro e da micro-injecção.