Andrzej Wajda (1926-2016), o realizador que desafiou a Polónia comunista
O cineasta tinha 90 anos. Desafiou abertamente o regime polaco com O Homem de Ferro.
Andrzej Wajda, que recebeu em 2000 um Óscar honorário pelo conjunto da sua obra, morreu no domingo à noite, aos 90 anos, em Varsóvia.
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Andrzej Wajda, que recebeu em 2000 um Óscar honorário pelo conjunto da sua obra, morreu no domingo à noite, aos 90 anos, em Varsóvia.
O cineasta polaco morreu menos de um mês depois da primeira apresentação mundial do seu derradeiro filme, conhecido internacionalmente por Afterimage, que foi mostrado em estreia absoluta no último Festival de Cinema de Toronto, em Setembro passado. É uma biografia do artista plástico Wladyslav Strzeminski, conhecido também pela sua oposição ao regime comunista, e é o candidato polaco ao Óscar de melhor filme em língua estrangeira a ser atribuído em 2017.
O realizador polaco estava hospitalizado há vários dias, em coma induzido, segundo a AFP. Fonte próxima da família indicou que a causa da morte foi uma insuficiência pulmonar.
Decano do cinema daquele país, o cineasta é autor de filmes como Uma Geração (1955), Morrer como Um Homem (1957), O Homem de Ferro (1981) – com o qual desafiou o regime comunista da Polónia, alinhando com o movimento sindicalista de Lech Walesa, o Solidariedade, e que lhe valeu a Palma de Ouro, em Cannes –, O Caso Danton (1983) ou Katyn (2007).
Filho de uma professora primária e de um oficial do exército, viu o pai ser assassinado pelos soviéticos em 1940 e juntou-se à resistência polaca para combater o comunismo. Esse percurso haveria de marcar a sua carreira cinematográfica.
Wajda, que ficou conhecido com um incansável contador da história do seu país, quis, numa primeira fase, seguir o exemplo do pai e entrar numa escola militar, mas não conseguiu. Durante a ocupação nazi, começou a estudar Pintura, prosseguindo os estudos na Academia de Belas-Artes de Cracóvia após o final da guerra. O apelo do cinema foi mais forte e entrou para a escola de Cinema de Lodz, um centro nevrálgico da cinematografia polaca. As suas primeiras longa-metragens, especialmente a trilogia composta por Uma Geração, Morrer como Um Homem e Cinzas e Diamantes, narrando aspectos da luta contra a ocupação nazi, constituiu, juntamente com os filmes de Andrzej Munk, entre outros, um passo fundamental para o reconhecimento internacional da “escola polaca”, ao mesmo tempo que marcou o “renascimento” da cinematografia do país depois da destruição deixada pela II Guerra.
Um momento crucial de reconhecimento internacional chegou com O Homem de Mármore (1977), uma crítica à Polónia comunista que Wajda chegou a apresentar em Cannes. O filme retrata a história de uma jovem estudante de Cinema de Cracóvia, Agnieszka – esta procura fazer um documentário sobre Mateusz Birku, um pedreiro que se tornou um herói operário e a quem chegou a ser construída uma estátua de mármore. Só que, entretanto, sem que se saiba bem porquê, Birkut caiu em desgraça e desapareceu do mapa durante anos. A jovem realizadora acaba por refazer o seu percurso até chegar ao filho deste, Maciej Tomczyk, nos estaleiros de Gdansk, onde se vivem momentos de agitação. É Maciej que lhe conta que o pai está morto há anos.
O Homem de Ferro nasceria poucos anos depois e é neste filme que fica claro que Mateusz Birkut foi uma das vítimas do massacre de Dezembro de 1970 em Gdansk, em que pelo menos 42 pessoas foram mortas pelas forças do regime polaco quando protestavam contra o aumento de preços dos produtos alimentares. Wajda voltou a Gdansk em 1980 e em 1981 já estava a lançar este filme em que acompanha a história de Maciej.
Desta feita, o percurso do jovem protagonista é intencionalmente semelhante ao de Lech Walesa, fundador do Solidarnosc, ou Solidariedade, que nasceu em 1980 e foi o primeiro movimento cívico e sindical livre na chamada “Cortina de Ferro”. O próprio Walesa, que foi o primeiro Presidente da Polónia a seguir à queda do comunismo (em 1989), aparece brevemente no filme, tal como Anna Walentinowicz, outra destacada figura do Solidariedade, como um dos convidados na sequência do casamento do protagonista.
“Eu sabia que era necessário filmar o que se estava a passar [em Gdansk]”, contou certa vez o realizador aos microfones da emissora francesa RFI. “Assim que entrei nos estaleiros, um operário veio sentar-se ao meu lado e disse-me: 'Senhor Andrzej, tem de fazer um filme sobre nós. Já fez O Homem de Mármore, agora faça O Homem de Ferro'”, recordou Wajda. “Não tenho por hábito fazer filmes por encomenda, mas se a encomenda é de um operário, sim”, afirmou o realizador polaco.
O regime comunista tentou proibir a sua exibição, mas, depois de uma petição assinada pelos operários de Gdansk, a obra de Wajda chegaria finalmente às salas de cinema polacas, antes de obter o reconhecimento internacional. Além da Palma de Ouro, o filme chegou a ser nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esteve indicado para o prémio por mais três ocasiões, mas foi preciso a Academia norte-americana atribuir-lhe um prémio honorário para levar para casa uma estatueta dourada. Aconteceu em 2000.
Ao longo dos anos 80, e depois de toda a perturbação gerada pelo caso de O Homem de Ferro, Wajda filmou sobretudo em França, nomeadamente obras como o Caso Danton, evocando a Revolução Francesa, e Os Possessos (1988), uma adaptação de Dostoievski. No seu penúltimo filme, Homem de Esperança (2012), voltou a Walesa, para um esboço biográfico que se distinguia pelo facto de contrapor ao “político” corajoso a imagem de um homem cheio de imperfeições na vida pessoal, fugindo ao panegírico e procurando a complexidade da figura do ex-Presidente. com Hugo Torres