Kim Kardashian foi imprudente na Internet. E nós também somos?
O assalto à socialite Kim Kardashian num hotel de Paris gerou alguma controvérsia sobre a forma como nos expomos na Internet. O ecossistema comunicacional em que vivemos, já não sendo propriamente novo, continua a ser um laboratório de impactos incertos.
É a polícia francesa quem o diz. A partilha de fotos de jóias nas redes sociais, com a localização, foi uma imprudência da celebridade americana Kim Kardashian, contribuindo para que fosse um alvo fácil e apetecível para os homens armados que a amarraram e assaltaram, na segunda-feira, num hotel de Paris. O assunto correu mundo e agora discute-se se a responsabilização atribuída pela polícia é justa, ao mesmo tempo que se debate se os riscos de exposição não serão transversais a todos nós.
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É a polícia francesa quem o diz. A partilha de fotos de jóias nas redes sociais, com a localização, foi uma imprudência da celebridade americana Kim Kardashian, contribuindo para que fosse um alvo fácil e apetecível para os homens armados que a amarraram e assaltaram, na segunda-feira, num hotel de Paris. O assunto correu mundo e agora discute-se se a responsabilização atribuída pela polícia é justa, ao mesmo tempo que se debate se os riscos de exposição não serão transversais a todos nós.
Para alguns, a polícia limitou-se a especular, não se podendo afirmar que deter contas no Facebook, Twitter, Snapchat ou Instagram faça de alguém um alvo potencial de crime, comparando a crítica a Kim Kardashian aos que proclamam que os casos de violação ocorrem por causa do vestuário feminino. Para outros, existe uma correlação óbvia entre a maneira como muitos de nós se expõem na Internet e incidentes do género, sendo essas ocorrências ampliadas quando se trata de celebridades cujo modelo de negócio depende em parte dessa exibição, ou seja de parecerem acessíveis e disponíveis, como se tivéssemos acesso à sua vida em tempo real.
O ocorrido não é novo, se tomarmos como certo que foi essa a tipologia do assalto. Até o mundo do cinema já havia focado o assunto em The Bling Ring (2013) de Sofia Coppola. O filme, baseado em factos reais, acompanhava o quotidiano de um grupo de adolescentes ricos que assaltou casas de famosos de Hollywood. Os jovens testemunhavam diariamente pela Internet os seus gestos, roupas, jóias e mansões, acabando, algumas, por ser assaltadas. O filme tinha um contexto preciso.
O materialismo, o escapismo, a obsessão pelas marcas e o culto das celebridades. Já não se tratava apenas de miúdos com uma vida material cómoda a cortarem com uma vida aborrecida em frente à TV, como sempre houve, mas de pensar em pisar o risco e fazê-lo efectivamente. Um mundo de justaposição de espaços reais e virtuais. Um novo mapa que nos obrigava a reflectir sobre a natureza da realidade em que vivemos e a transformação da percepção das relações sociais, do tempo e espaço.
Oferecer a intimidade
As celebridades parecem estar mais expostas a este tipo de ocorrências. Chamam mais a atenção do que o comum dos mortais. Mas não é apenas isso. O seu modelo de negócio, hoje, joga-se em parte na sua presença nas redes sociais. Nos anos 1980 Madonna compreendeu que a condição de celebridade estava a mudar. A geração MTV já não queria saber de astros inatingíveis. Era preciso destapar segredos e o corpo. Mas hoje também já não chega. Os corpos desnudados também se vulgarizaram. O que excita a curiosidade, transmitindo a sensação de intimidade, é o contexto. O tempo, o espaço, a casa, os lugares, os objectos, o que rodeia os corpos.
Não espanta que quando as celebridades são alvo de ataques, como no caso de Kim Kardashian, a nossa relação com o assunto seja dúplice. São figuras que tanto causam fascínio como rejeição. Nos últimos dias, as redes sociais inundaram-se de comentários, a maior parte deles criticando o comportamento da socialite. O sector da hotelaria em Paris antecipa até uma recessão. A direita francesa pediu mais polícias e segurança. E até outras celebridades como Karl Lagerfeld, o director criativo da Chanel, a acusou de ostentar riqueza na Internet sendo um alvo apetecível. Por último, também há quem acredite que tudo terá sido uma encenação para parecer vítima, fazendo recair ainda mais as atenções sobre si própria.
Com periodicidade existem acontecimentos que nos fazem pensar sobre os comportamentos na Internet ou os mecanismos de segurança da rede. Sobre as condutas, a única solução é não partilhar nada na Internet, mas mesmo nada, que seja passível de se virar contra nós. Esse é capaz de ser o princípio mais eficaz. O que é diferente de infalível num mundo digitalizado onde armazenamos a nossa vida em computadores e onde somos instados a participar nas redes sociais oferecendo a intimidade.
Por outro lado não existe nenhuma entidade que possa garantir total fiabilidade na guarda dos nossos segredos. Essa certeza nunca existirá. Nem a Casa Branca tem estado imune. Ninguém está a salvo. Um bom pedaço da nossa existência anda por aí à solta, no território digital, sejamos cidadãos comuns ou celebridades. A única solução é ter bom senso, definir o grau de exposição, ter consciência dos movimentos, compreender onde nos situamos, estar vigilante com fragilidades sem deixar de desfrutar das potencialidades da Internet, e assumir que navegamos em espaço público – ou semi-público, porque a maior parte dos espaços onde nos movemos, como as redes sociais, são de empresas.
Podemos sempre dizer que personalidades como Kim Kardashian poderiam ser mais recatadas e prudentes. E pouca gente discordará disso. Mas mesmo assim isso não as coloca totalmente a salvo. Nem sempre é através da sua iniciativa que sabemos dos seus passos. Tornámo-nos "Big Brothers" uns dos outros. Não é difícil saber a localização, o que fazemos, o que os outros fazem, com quem e em que contexto, quando fotografamos e registamos tudo em tempo real, principalmente se forem celebridades. Vivemos num ecossistema comunicacional que já não sendo propriamente novo, continua a ser um laboratório de impactos incertos. Vai ainda levar algum tempo a adaptarmo-nos a ele de forma plena.