“Um casaco é um casaco, e vai ser sempre um casaco”
Num ano de datas redondas, dos seus 50 anos aos 30 da sua marca e aos 25 da ModaLisboa, Nuno Gama realiza este sábado o único grande desfile aberto ao público do evento. O futuro do criador e da moda portuguesa à conversa.
Nuno Gama é uma constante da moda portuguesa. Num ano de números redondos dados à reflexão – os seus 50, os 25 da ModaLisboa onde se apresenta ainda e sempre este sábado, os 30 de carreira –, na loja do designer Sérgio Godinho vai cantando que lhe soube a pouco, que lhe soube a tanto. A sua “eterna busca” continua. “Para mim é claro que somos diferentes enquanto portugueses. Agora em termos de regras sociais, de vestibilidade, de guarda-roupa, que diferença é essa? É o que tento perceber a vida inteira.”
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Nuno Gama é uma constante da moda portuguesa. Num ano de números redondos dados à reflexão – os seus 50, os 25 da ModaLisboa onde se apresenta ainda e sempre este sábado, os 30 de carreira –, na loja do designer Sérgio Godinho vai cantando que lhe soube a pouco, que lhe soube a tanto. A sua “eterna busca” continua. “Para mim é claro que somos diferentes enquanto portugueses. Agora em termos de regras sociais, de vestibilidade, de guarda-roupa, que diferença é essa? É o que tento perceber a vida inteira.”
Estávamos a uma semana do desfile de Primavera/Verão deste sábado, daqueles que se enchem de homens musculados e fazem sorrir os espectadores, e falávamos dias depois do baile beneficente com que festejou meio século e a sua colecção de Inverno. A condizer com a banda sonora da loja/atelier/barbearia do designer, tem um brilho nos olhos, está “muito feliz”. Intérprete da portugalidade versão masculina, de fato colorido ou t-shirt engalanada com os seus/nossos símbolos, é uma constante no sector da moda em Portugal, seja pela longevidade, seja pela garantia de que tenta sempre criar impacto.
Nuno Gama gosta de conversar. Tem clientes de todas as idades e nacionalidades na sua loja do Príncipe Real lisboeta, emprega seis pessoas e emociona-se de forma genuína quando lhes agradece o empenho. Tanto cita Camões ou Fernando Pessoa, inspirações regulares das suas colecções, quanto, brincando, Lili Caneças. Não hesita em responder ao PÚBLICO sobre se faz roupa ou moda que “um casaco é um casaco, e vai ser sempre um casaco” – parece Gertrude Stein, mas é pragmatismo. Para o criador, é o que lhe acrescenta de pensamento, pesquisa e encenação de desfile que faz o resto, que continua a ser muito focado no seu sonho: “Conseguir internacionalizar o charme português, transpô-lo para cada peça que faça, para que as pessoas deixassem de preferir o italian style e a preferir o gosto português.”
Em Março, trocou o desfile habitual na ModaLisboa pela projecção de um filme no Centro Cultural de Belém. Passa em revista vida e carreira, desde as referências como a Arrábida ao incêndio que em 1998. “Foi uma grande aprendizagem, mas foi um corte gigante na minha vida profissional.” Destruiu-lhe mais do que uma colecção – o arquivo, tudo o que já tinha construído.
Uma história oral de 25 anos de moda (Lisboa) em Portugal
À época, a cultura de moda era emergente em Portugal. Agora, a moda de autor cresceu, mas o mercado real é limitado e no meio há clivagens, como a crescente divisão entre os dois eventos de apresentação de criadores, a ModaLisboa e o Portugal Fashion, com o segundo a canalizar verbas comunitárias para desfiles e showrooms no estrangeiro, um dos desejos de sempre da moda portuguesa. E no futuro? “As pessoas estão todas de costas viradas e só tenho apoio se fizer as coisas como algumas pessoas querem”, lamenta Nuno Gama. “Eu melhor do que ninguém é que sei e tenho de construir a minha história, que é única.” Defende: “É preciso criar uma linha bem estruturada para que Portugal crie uma identidade enquanto moda.”
“O património do design e da criação portuguesa está consolidado, temos de fazer disto um negócio para o país”, critica o designer na sua loja, recorrendo aos 30 anos de carreira para “exigir mudança”. “Já lá devíamos ter chegado. Ao fim destes anos todos e tanto milhão que vi ser gasto, não oiço reconhecimento internacional da moda portuguesa. Deveríamos perceber tudo o que tem sido gasto e que resultados tem. É importante para nós enquanto país, importante para a moda e para os que vêm a seguir.”
Nuno Gama é um homem de estímulos. Já desenhou sapatos, fardas, deseja ainda ter um perfume ou cosmética. Numa altura em que a roupa de homem vive em alta criativa e de vendas, quer tanto ver “coragem, dignidade e respeito” no diálogo no meio para chegar ao nível de sucesso do calçado português ou do têxtil-lar, como um novo casaco que persegue há cinco anos. Um casaco é um casaco, mas desde uma ida abrasadora ao Brasil trabalha num casaco sonhado, que tenha a elegância de uma peça de alfaiataria, mas “que na construção seja ultraleve, ultraligeiro”, um desafio de telas e estrutura “fascinante”.
Sábado há mais um desfile, e o futuro está em aberto. “Sou extremamente ambicioso, no logótipo a cruz Nuno Gama está sobre o 'O' que simboliza o mundo”, assume. Tem o sonho americano da moda de autor portuguesa, que é um investidor que o liberte das múltiplas funções que acumula, problema que partilha com muitos outros colegas. “É um dos sonhos da minha vida, poder ser criativo e deixar de ser também o gestor, o empreendedor, o director de marketing…”