O PÁRA é para quem escuta, lê e conta. E não tem idade
Há um palco onde se contam histórias, para crianças e adultos. Uma escola de narração. E há exposições, música, ilustração. O PÁRA - Espaço Literário e Cultural, de Teresa Cunha e Clara Haddad, junta vários projectos no mesmo espaço e quer “cativar” todos os públicos
De tanto ouvir a avó barafustar contra correrias inúteis — sem tempo de ver, ouvir, saborear —, Teresa Cunha descobriu o princípio da felicidade: “Parar mais, o segredo está aí.” No número 50 da Rua António Patrício, no Porto, os relógios apressados pelo mundo contemporâneo não entram. O PÁRA - Espaço Literário e Cultural quer ter o poder de uma placa de trânsito. Obrigatório parar. Ler, escutar, contar. Neste sábado, às 18 horas, Teresa e Clara Haddad transformam a “união de facto” vivida há já onze anos num “matrimónio” com direito a festa e novidades: a livraria infanto-juvenil Salta Folhinhas, a Escola de Narração Itinerante e a associação cultural Fábrica de Histórias uniram-se. E do espaço para crianças nasceu um lugar para todos. Com muitos livros e narração de histórias, cursos, música, ilustração, exposições. E a garantia de “coração cheio”, sublinha Teresa: “Quando as pessoas se deixam cativar, sente-se uma proximidade enorme entre quem conta e quem ouve a história. De repente, temos a sensação estranha de que somos uma família.”
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De tanto ouvir a avó barafustar contra correrias inúteis — sem tempo de ver, ouvir, saborear —, Teresa Cunha descobriu o princípio da felicidade: “Parar mais, o segredo está aí.” No número 50 da Rua António Patrício, no Porto, os relógios apressados pelo mundo contemporâneo não entram. O PÁRA - Espaço Literário e Cultural quer ter o poder de uma placa de trânsito. Obrigatório parar. Ler, escutar, contar. Neste sábado, às 18 horas, Teresa e Clara Haddad transformam a “união de facto” vivida há já onze anos num “matrimónio” com direito a festa e novidades: a livraria infanto-juvenil Salta Folhinhas, a Escola de Narração Itinerante e a associação cultural Fábrica de Histórias uniram-se. E do espaço para crianças nasceu um lugar para todos. Com muitos livros e narração de histórias, cursos, música, ilustração, exposições. E a garantia de “coração cheio”, sublinha Teresa: “Quando as pessoas se deixam cativar, sente-se uma proximidade enorme entre quem conta e quem ouve a história. De repente, temos a sensação estranha de que somos uma família.”
A narrativa começou com um oceano de distância. Teresa Cunha soube desde menina que “o melhor da vida é ler e brincar”. Quis ser professora, mas foi engenheira electrotécnica por imposição familiar. Trabalhou uma década numa fábrica antes de decidir ser mãe a tempo inteiro. Quando o mais novo dos três filhos tinha dez anos quis regressar ao trabalho. E, a causar espanto entre amigos e conhecidos, arriscou abrir, em Setembro de 2004, a Salta Folhinhas, uma livraria infanto-juvenil. A primeira do Porto. Do outro lado do mapa, no Brasil, Clara Haddad apaixonava-se irremediavelmente pela palavra. Cresceu a ouvir histórias contadas pela avó libanesa radicada no país tropical. Na escola, com a professora Amélia, fez dos livros companhia constante. Cursou Educação Física, Artes Cénicas. Não sabia ainda que existia uma profissão chamada “contador de histórias”. Um dia — era já trabalhadora no ritmo frenético de São Paulo, a fazer produção, televisão, teatro —, conheceu Portugal. E na ribeira do Porto descobriu o seu lugar no mundo: “Disse às pessoas que estavam comigo: no próximo ano venho morar para aqui.”
Disse e cumpriu. Em 2005, Clara aterrou no Porto. Enquanto esperava o visto de trabalho, foi fazer voluntariado no Hospital Pedro Hispano (onde acabou por ficar por quatro anos) e lá a cadeia começou a formar-se. Um amigo de Teresa falou-lhe da Salta Folhinhas, incentivou-a a ir visitar o espaço. “Eu vim. E aí começou a nossa união de facto”, graceja Clara Haddad durante um intervalo nas preparações do PÁRA, a horas da inauguração. Teresa Cunha já fazia momentos de leitura na sua livraria, mas ao ver a brasileira contar histórias um novo mundo se abriu à sua frente: “Soube logo que era aquilo.”
É uma “função social” a assumida por um contador de histórias. “Falamos de culturas, de partilha, afectos, saber. E quando vamos ao fundo da história não importa se é um conto peruano, brasileiro ou português. Percebemos que somos todos iguais”, diz Clara, para quem “contar e ouvir histórias é transformador e aproxima as pessoas”. Para “valorizar” o narrador de histórias — que “não é um voluntário, é um profissional” —, inaugurou em 2007 um projecto pioneiro em Portugal: uma escola de narração itinerante. “Ainda há quem ache que para contar histórias chega ter jeito. Não chega”, completa Teresa.
Um "crowdfunding" que dá descontos
Com a ajuda de uma campanha de “crowdfunding” — que continua a decorrer e dá aos apoiantes um “cartão de amigo” com várias vantagens, como descontos em livros e cursos —, o PÁRA abre as portas com novos sonhos. Além de ser um espaço para crianças, é agora destino para adultos. Com livros infantis, mas também um cantinho de biblioteca, só de consulta, dedicado à narração. Com material como marionetas e kamishibais (teatro japonês de papel) para narradores. No PÁRA há um palco para contar histórias aos mais pequenos, mas também aos maiores. A partir de Novembro, na segunda sexta-feira de cada mês, há uma noite de contos. E clubes de leitura, oficinas para bebés, a presença de pelo menos um escritor ou ilustrador por mês, exposições temporárias (a ilustradora brasileira Talita Nozomi inaugura o espaço), momentos musicais (este sábado será a vez de Iury Matias).
Não há separação de audiências quando se fala da importância dos livros, de ouvir histórias. As duas amigas acreditam que em cada adulto há uma criança — é só é preciso “alimentá-la” para não perder a magia. “Enquanto tivermos esse olhar encantado pelo mundo as coisas não são cinzentas. São coloridas e tudo tem solução”, diz Clara Haddad. Na hora de subir ao palco, a diferença existe. Ter os mais pequenos à frente é “muito mais difícil”. Palavra de Teresa Cunha, que assiste a todas as narrações feitas na livraria: “Eles não são politicamente correctos, são mais verdadeiros. Mas quando os cativamos deixam-se encantar. Os adultos devem seguir o exemplo: parar de ser tão pragmáticos.”
No PÁRA, há carta branca para as crianças “mexerem nos livros”, ainda que isso tenha um custo, conta Teresa como quem desvenda a filosofia do espaço. “Quando se faz isso cria-se um distanciamento, como se o livro fosse uma coisa sagrada na qual não se deve mexer. E é justamente ao contrário”, completa Clara. A proximidade é um passo dado para a afeição pelos livros se desenhar. É uma construção constante. Com algumas fórmulas que podem auxiliar, sugerem as proprietárias. Contem histórias às crianças — e não deixem de o fazer só porque elas já sabem ler. Não tenham medo dos temas — os pequenos podem perfeitamente ouvir falar de morte. Não imponham leituras: “Ir a uma livraria com eles e deixá-los escolher é uma boa estratégia”. E atenção: esqueçam o moral da história ou a ficha de leitura improvisada. As crianças não percebem — nem têm de perceber — como os adultos. O importante é serem felizes de livro na mão.