Uma portuguesa em Macau

Macau é a morada de um trampolim de oportunidades, onde as pessoas são valorizadas e portadoras de valor acrescido a nível profissional

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Macau nunca me foi distante. Sempre que soava em ópera cantonesa este nome pensava sempre numa continuação de Portugal. Um Portugal que comia mais arroz do que o normal, um Portugal que tinha os olhos mais rasgados, um Portugal deslocado da península ibérica. Uma parte do meu país que estava longe, mas que um dos seus vértices encontraria ali completude. Passados todos estes anos, preenchi essa suposição com substância de verdade.

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Macau nunca me foi distante. Sempre que soava em ópera cantonesa este nome pensava sempre numa continuação de Portugal. Um Portugal que comia mais arroz do que o normal, um Portugal que tinha os olhos mais rasgados, um Portugal deslocado da península ibérica. Uma parte do meu país que estava longe, mas que um dos seus vértices encontraria ali completude. Passados todos estes anos, preenchi essa suposição com substância de verdade.

O primeiro contacto é sáfaro, ficamos assolados por uma humidade que se entranha e que nos abraça sem pudores acompanhado por uma visita de calor que nunca percebe a hora que se deve retirar, e fica ali...na nossa presença, até que nos habituamos à sua sombra inesgotável. O ar tem textura espessa, quase que o conseguimos apanhar com os dedos, não totalmente invisível. Estes foram os primeiros sentimentos que me visitaram abruptamente e que me sussurram ao ouvido “Bem-vinda a Macau”.

As ruas estimulam os sentidos, vontades, fazem desabrochar sentimentos incompatíveis. Tudo é diferente, os cheiros, costumes, modus vivendi, mas nem tudo. O português espreita-nos de vários ângulos, a começar pelo nome das ruas, as indicações nos autocarros, monumentos, jardins, igrejas. É um espreitar que nos conforta a alma e que nos diz silenciosamente que, embora muito longe de casa, há reminiscências que nos aproximam, está sentado nas nossas pestanas, não ficou no aeroporto de Lisboa.

O azul, uma das cores-luz primárias, aqui nem sempre tem lugar no céu, a não ser no Venetian. O céu assume uma cor que dança entre o bege e o cinzento, não sei precisar muito bem, logo os reflexos nos edifícios são a sua continuidade, não espelham um azul celeste. O sol sabemos que está lá em cima porque tem tido ali até agora a sua morada, mas, não existe apenas um sol. Aqui o sol não brilha, não nos presenteia as bochechas com a sua energia e jovialidade. Está lá em cima, mas dá-nos uma luz enevoada, como se estivesse vestido com uma membrana opaca transmitindo uma felicidade baça.

As pessoas sorriem-nos com o olhar, as ruas estão sempre ocupadas por transeuntes que não resistem em fotografar toda a arte urbana que nos cumprimenta. Selfie-sticks, telemóveis, câmaras fotográficas sempre em posição de disparo, ávidas para poder obter a melhor fotografia. Telemóveis nas mãos, língua diferente, indumentárias diversas. Imagens itinerantes que gravei no rolo de câmara da minha íris.

Os pasteis de nata saltam das montras, um fenómeno que me deixou tão surpresa.... Estavam por todo o lado, parte da nossa arte está lá e é degustada de forma entusiasmante. Uma miríade de paisagens e sentimentos que se articulam de forma harmoniosa. Uma sinestesia ambulante que nos empurra ao cheiro das frutas, gps norteador, ao sabor dos noodles e dumplings que fazem a delícia de qualquer palato, as waffles com manteiga de amendoim e leite condensado que vemos em todas as esquinas, às bolachas que saltam disparadas pelas mãos dos macaenses das lojas, à agua de cocô que nos refresca as ideias, desaguando num jantar típico num dos melhores restaurantes de Macau, Cais 22. Deambulamos assim pelas ruas até nos perderemos nos seus becos mais inusitados onde somos presenteados por mercados extraordinários, jardins que nos fazem viajar no tempo e, restaurantes que nos fazem trincar e estrear sabores. Tudo isto é um encontro, um encontro com o nosso homónimo. Flexões de meditação, o tornear do músculo do conhecimento emocional. Com a escuridão da noite normalmente as formas dissipam-se e retiram-se para o descanso, acabam por se esbater os contornos. Não é o que acontece aqui. É precisamente nesse momento que as formas ganham corpo e se vestem exuberantemente para mostrar ao mundo toda a sua energia e fulgor. Um espreguiçar de voluptuosidade e glamour. Todo um skyline que se desenha sem sequer se levantar o pincel, é contínua a luz no qual a cidade mergulha, como se de repente alguém ligasse o interruptor. Imaginei logo a EDP aqui, foi a primeira coisa que me assolou os pensamentos de portuguesa...Um ex-libris de luz que faria Edison sentir-se ainda mais orgulhoso da sua descoberta. A luz emanada dos casinos rasga os céus e cria um espetáculo visual difícil de superar, como se estivesse pintada com purpurinas e brilhantes. Era o que a minha mente me dizia sempre que ia a um rooftop que me fazia as delícias do olhar, Sky 21.

Macau é a morada de um trampolim de oportunidades, onde as pessoas são valorizadas e portadoras de valor acrescido a nível profissional. Onde este crescimento não é uma miragem e as qualidades das pessoas são matizadas. Um país que coloca fermento nos nossos sonhos, dando-lhe forma. Esbatem-se as dioptrias culturais, tornamo-nos mais tolerantes, esbatemos diferenças. O empirismo ganha pernas, percorre os caminhos mais íngremes dos nossos sentimentos e sobe até ao último andar onde se veste de uma visão panorâmica. Sentimos com o desconhecido, mudamos o hálito interior do restelo, recebemos o elixir da diferença, nunca voltamos iguais. Desenvolvemos a literacia sentimental e o que vemos refletido não é a realidade, mas sim o que somos.