O político humanista
António Vitorino ressalta a preocupação em encontrar consensos e a capacidade de diálogo de António Guterres.
Quando em 1995 foi eleito primeiro-ministro, António Guterres, tinha atrás de si uma campanha eleitoral que assentou em duas palavras de ordem: “As pessoas não são números” e “A paixão pela educação”. Foram duas frases de propaganda que reflectiam muito mais do que a simples mensagem política imediata. Elas representavam a preocupação com a justiça social que é intrínseca ao perfil de político humanista que caracteriza o agora nomeado secretário-geral da ONU.
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Quando em 1995 foi eleito primeiro-ministro, António Guterres, tinha atrás de si uma campanha eleitoral que assentou em duas palavras de ordem: “As pessoas não são números” e “A paixão pela educação”. Foram duas frases de propaganda que reflectiam muito mais do que a simples mensagem política imediata. Elas representavam a preocupação com a justiça social que é intrínseca ao perfil de político humanista que caracteriza o agora nomeado secretário-geral da ONU.
No fundo, Guterres confirmou, aprendeu e ampliou na sua acção como primeiro-ministro as características que lhe eram peculiares baseadas na sua personalidade dialogante e profundamente empenho em buscar consensos, mas solidificadas e enobrecidas pela sua formação intelectual e ética, lembra António Vitorino ao PÚBLICO. É um católico convicto, partidário da doutrina social da Igreja saída do Concílio Vaticano II, lançada pelo Papa João XXIII e instituída por Paulo VI. É um social-democrata igualmente convicto que acredita ser através de políticas públicas que devem ser orientadas as políticas sociais e que é ao Estado que cabe zelar por essas políticas sociais.
A eleição para secretário-geral da ONU e a forma como geriu a sua candidatura vieram confirmar precisamente o seu perfil humanista e com preocupações de índole social que se foi desenhando, quando “antes do 25 Abril trabalhou com o padre Vítor Melícias nos bairros degradados na zona de Lisboa, na sequência das cheias de 1967”.
Para António Vitorino, olhando para trás, é possível ver como as preocupações humanitárias e sociais de Guterres não eram simples propaganda política. Aquele que foi um dos seus braços direitos na liderança do PS e no início da sua governação, lembra que, além de ter integrado Portugal no euro, os seus governos se caracterizaram por medidas pioneiras e inovadoras que ainda hoje são emblemáticas na sociedade portuguesa e que denotam de forma cristalina o seu perfil político. Lançou o ensino pré-escolar garantido pelo Estado, defendeu e reforçou o Sistema Nacional de Saúde, inaugurou a assistência pública e as políticas para a terceira idade, o combate à pobreza com um programa de erradicação de barracas e a criação do Rendimento Mínimo Garantido, a assunção do combate à toxicodependência enquanto questão se saúde – numa lei ainda considerada inovadora e elogiada internacionalmente. É certo que as suas convicções enquanto católico estiveram na base da negociação com o seu amigo Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD, do referendo à lei da despenalização do aborto (1997), que adiou a medida por uma década.
Do seu perfil político ressalta também a preocupação em encontrar consensos e a capacidade de diálogo, o seu “perfil construtivo”. Característica que há vinte anos foi até por vezes ridicularizada, mas que António Vitorino considera “uma das questões essenciais para que Guterres tenha obtido agora este resultado”. E lembra que, no Conselho da Europa, Guterres “salientou-se por ser uma pessoa que defendia os interesses de Portugal, mas preocupava-se em contribuir para resolver problemas dos outros”, tendo “várias vezes feito propostas que foram a solução de problemas, sem que viesse apregoar publicamente os louros do seu trabalho”.
Estas características cresceram e amadureceram na década em que liderou a ACNUR, sublinha António Vitorino. Mas “sempre com a capacidade de clarificar a sua posição e de afrontar aqueles de quem discordava, sem, porém, entrar em choque”. E o antigo ministro da Presidência e da Defesa com a responsabilidade dos Assuntos Parlamentares dá como exemplo o facto de, à frente da ACNUR, Guterres ter tomado “posições críticas da União Europeia, mas fê-lo sempre sem quebrar as pontes de diálogo”. Um traço que se evidenciou na campanha para secretário-geral, conclui António Vitorino, defendendo: “Ele deixou sempre portas abertas que facilitam o consenso, por isso vários grupos perceberam que têm nele um interlocutor.”