Veterinários estão a ser “formados para o desemprego”
No Dia do Animal, o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários critica o IVA a 23% e denuncia elevado número de suicídios na profissão
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários considera que os alunos desta área estão a ser formados para o desemprego e responsabilizou o excesso de universidades que todos os anos formam 300 profissionais. "É cada vez mais difícil ter-se emprego em Portugal nesta profissão. Há um desfasamento completo entre a realidade e as universidades que formam novos profissionais. Temos seis faculdades de veterinária em Portugal, o que é incomportável", disse Jorge Cid em entrevista à Lusa.
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O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários considera que os alunos desta área estão a ser formados para o desemprego e responsabilizou o excesso de universidades que todos os anos formam 300 profissionais. "É cada vez mais difícil ter-se emprego em Portugal nesta profissão. Há um desfasamento completo entre a realidade e as universidades que formam novos profissionais. Temos seis faculdades de veterinária em Portugal, o que é incomportável", disse Jorge Cid em entrevista à Lusa.
A propósito do Dia do Animal, que se assinala esta terça-feira, o bastonário lamentou o desfasamento da formação de profissionais que existe em Portugal e na Europa. "Todos os anos são inscritos 500 alunos nas universidades, das quais saem anualmente 300 formados e cada vez vão sair mais que eu diria que estão a ser formados para o desemprego", disse, classificando de "muito preocupante" a empregabilidade na medicina veterinária. Segundo Jorge Cid, "a única saída para uma quantidade grande de jovens que se formam é ir trabalhar para o estrangeiro, nomeadamente Inglaterra".
Para o bastonário, "devia haver um estudo para saber quantos profissionais fazem falta na área". A esmagadora maioria dos estudantes afirma que quer seguir animais de companhia quando obtiverem a licenciatura. Optam por isso "porque é a situação mais fácil, porque é aquilo que se vê e é o mais fácil de ensinar nas faculdades".
"Hoje em dia há um excesso grande de profissionais para a clínica de animais de companhia, enquanto para a tecnologia alimentar, outra área muito importante da medicina veterinária, há falta". Se, por um lado, "o Ministério da Educação faculta universidades de ensino de medicina veterinária e permite que saia esta quantidade de médicos", por outro, o Ministério da Agricultura fecha todas as saídas profissionais e não admite profissionais".
"O Estado não emprega e a clínica privada está esgotada", lamentou. Para o Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, se soubessem a realidade, os ordenados e a precariedade, muitos não entrariam na profissão. Entre as várias medidas que, na sua opinião, poderiam ajudar esta classe consta o fim do IVA, que elegeu como a "bandeira" do seu mandato.
"Não me bato por números, mas sim por conceitos e princípios" e "não faz sentido nenhum a medicina veterinária ser taxada ao IVA" (23%). Para Jorge Cid, os veterinários praticam saúde pública e nada justifica que seja a única profissão da saúde em que o IVA é taxado e foi isso que transmitiu aos grupos parlamentares e ao Presidente da República.
Suícidios entre veterinários é duas vezes maior
O bastonário revelou ainda que vários veterinários já se suicidaram em Portugal, sendo esta uma profissão que alguns estudos identificam como tendo uma taxa de suicídios superior à população geral e a outras profissões da saúde.
"É uma profissão extremamente stressante", disse, recordando algumas das pressões a que estes profissionais estão sujeitos: "Quem faz inspecção pode sofrer pressões ao nível de alguns agentes económicos" e quem faz clínica, nomeadamente de animais de companhia, "lida muitas vezes com a morte, com um grande desgosto das pessoas". "As pessoas colocam em nós uma carga grande, a qual às vezes temos dificuldade em ultrapassar", acrescentou.
Segundo Jorge Cid, os veterinários são muitas vezes psicólogos. "As pessoas desabafam connosco. Há casos extremos, em que sabemos que aquele animal é a única companhia da pessoa - e há imensos casos - e desenvolve-se ali uma grande carga psicológica" quando o animal sofre uma doença crónica que o vai provavelmente matar.
O bastonário explicou que estes profissionais são muitas vezes chamados a resolver situações, para as quais não têm meios. "Tudo isto causa alguma depressão e que pode eventualmente, dado o alto stress, levar a pessoa a suicidar-se", afirmou.
Outra situação causadora de stress é o conhecimento de casos de maus-tratos, que não poucas vezes acabam nos consultórios. "Há uma panóplia de situações que são extremamente difíceis e a pessoa tem que ter uma grande estrutura física e moral para as aguentar", disse, concluindo que este é ainda "um trabalho mal remunerado". "Se soubessem a realidade, os ordenados e a precariedade, muitas pessoas não entrariam na profissão", concluiu.
Um estudo elaborado por David Bartram, do Grupo de Saúde Mental da Universidade de Southampton School of Medicine (Inglaterra), concluiu que os médicos veterinários têm uma taxa de suicídio quatro vezes superior à população geral e duas vezes superior a outras profissões.
Em Portugal, o veterinário e especialista europeu do comportamento animal Gonçalo Pereira coordenou um estudo, envolvendo cerca de um quarto dos profissionais, sobre a ansiedade, stresse, depressão desgaste profissional e satisfação com a vida que confirma estes valores "preocupantes". "Somos uma classe que não está sequer preparada para identificar os sinais de depressão e de desgaste profissional", disse.
Segundo Gonçalo Pereira, ao nível dos veterinários de animais de companhia, são os especialistas em oncologia e comportamento animal os que têm menos satisfação com a vida, "talvez por serem as áreas mais frustrantes devido ao final de muitos dos casos". "Os níveis de ansiedade, de stresse e de pressão da classe estão muito elevados", adiantou.
"Imensos" municípios sem veterinário municipal
O bastonário denunciou ainda que há imensos municípios em Portugal sem veterinário municipal, o que comporta vários riscos. "Há sete anos que o Ministério da Agricultura não nomeia um veterinário municipal", afirmou Jorge Cid. "À medida que [os médicos veterinários] vão saindo, não vão sendo substituídos, com gravíssimos inconvenientes para a saúde pública".
Jorge Cid explicou que, para colmatar estas falhas, "os municípios vão tentando contratar médicos veterinários que não são oficiais, são médicos veterinários de autarquia, sem haver uma tutela da Direção Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), que é o que deve haver. Outros tentam saídas, como um médico para mais do que um município. Mas com muitos prejuízos".
O bastonário alerta para os riscos da falta destes profissionais: "São eles que fazem inspecções aos estabelecimentos de venda ao público dos produtos de origem animal na região, os talhos, os mercados municipais. São eles que fazem fiscalização e são os responsáveis pelos Centros de Recolha Oficial de Animais (canis municipais)".
Outra função que Jorge Cid apenas reconhece para os veterinários municipais é a avaliação dos maus tratos animais, um crime em Portugal. "Essa avaliação só pode ser feita por um médico veterinário e é bom que assim seja, para não ficar ao critério de outros profissionais."