A polaca Izabela e os seus rapazes
Em que ponto é que se começou a banalizar este tipo de discurso, este desconhecimento e medo?
Conheci a Izabela, polaca professora de alemão, quando ambas morámos em Berlim. Ela chegou em Janeiro, para dar aulas a refugiados.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Conheci a Izabela, polaca professora de alemão, quando ambas morámos em Berlim. Ela chegou em Janeiro, para dar aulas a refugiados.
Todos os dias, contou-me, recebia mensagens preocupadas de amigos da Polónia. Diziam-lhe que não era seguro estar numa sala de aula com refugiados. Estes amigos tinham tanto medo que um deles se ofereceu para lhe emprestar dinheiro todos os meses, para que ela pudesse ficar na Polónia.
Estar numa sala de aula nos arredores de Berlim, com um pequeno grupo de refugiados, todos menores sem família, era, para estes amigos, uma situação perigosa.
Isto foi depois de a Polónia adoptar uma retórica cada vez mais anti-refugiados e migrantes, e do novo Governo ter ganho as eleições com uma campanha que assentou também nesta tónica. Foi antes de uma revista polaca ter feito capa com uma imagem de uma mulher branca a ser atacada, a sua roupa arrancada por uma série de mãos de homens, mais escuras, com o título “A violação islâmica da Europa”.
A Izabela tentou que os amigos vissem os seus alunos como pessoas. Começou a contar-lhes histórias.
Falou-lhes do afegão que não sabia se o pai estava vivo ou morto, porque estava numa zona ameaçada pelos taliban. Um dia, veio a notícia: o pai tinha morrido num ataque.
No Facebook, publicou uma ou outra vez imagens alegres dela e dos seus rapazes, como lhes chamava. Um dia quando tocaram juntos; um, com jeito para a música, tinha conseguido uma guitarra. Outra vez, quando ela cozinhou para eles.
Os amigos foram deixando de mandar mensagens, alguns apenas por cansaço. “Perdi muitos amigos”, disse-me ela um dia. Quando falávamos disto perguntávamo-nos: quando é que isto se tornou normal? Em que ponto é que se começou a banalizar este tipo de discurso, este desconhecimento e medo?
Visto da Alemanha, era aterrador. Não é preciso muita imaginação para ver paralelos com discursos de ódio dirigido a outras minorias ao longo da História.