Agora falta saber como manipular a autofagia
Investigadora portuguesa fala sobre a investigação premiada com o Nobel da Medicina.
Raquel Lima já usa nas suas investigações o conhecimento adquirido e divulgado pelo cientista japonês Yoshinori Ohsumi. A investigadora no Instituto de Inovação e Investigação em Saúde (I3S), no Porto, estuda a perigosa relação entre a autofagia e o cancro. Ao PÚBLICO explica que o que tenta fazer no seu laboratório é evitar que a reciclagem celular permita a sobrevivência das células cancerosas. Ou seja, quer incentivar o momento em que as células se comem a si mesmas até ao limite, até ao ponto em que se matam. E isto é bom quando falamos de células más.
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Raquel Lima já usa nas suas investigações o conhecimento adquirido e divulgado pelo cientista japonês Yoshinori Ohsumi. A investigadora no Instituto de Inovação e Investigação em Saúde (I3S), no Porto, estuda a perigosa relação entre a autofagia e o cancro. Ao PÚBLICO explica que o que tenta fazer no seu laboratório é evitar que a reciclagem celular permita a sobrevivência das células cancerosas. Ou seja, quer incentivar o momento em que as células se comem a si mesmas até ao limite, até ao ponto em que se matam. E isto é bom quando falamos de células más.
Qual é a importância da descoberta dos mecanismos de autofagia das células?
Os estudos do cientista Yoshinori Ohsumi permitiram a descoberta de genes essenciais para a autofagia. Este é um mecanismo que ocorre normalmente em todas as células, em que estas degradam os seus próprios componentes (levando à sua reciclagem), permitindo-lhes assim sobreviver em situações mais adversas (como falta de nutrientes e de oxigénio e infecção). Sabe-se que alterações na autofagia estão associadas ao desenvolvimento de diferentes doenças, como doenças neurodegenerativas (Alzheimer e Parkinson) e cancro. A elucidação das causas que levam a alterações na autofagia, bem como de que modo é que estas podem levar à doença, têm sido assuntos muito estudados nos últimos anos, com vista a desenvolver e melhorar as estratégias de tratamento.
O que ainda falta saber sobre a autofagia?
Embora a autofagia tenha sido classicamente vista como um mecanismo de sobrevivência celular, há cada vez mais estudos que a associam a processos de morte da célula. Sabe-se ainda que é um processo altamente regulado (com envolvimento de várias moléculas de vias de sinalização diferentes) e que pode ser induzido por diferentes estímulos, o que aumenta a sua complexidade. É preciso perceber melhor os mecanismos de regulação e em que contexto ocorrem para desenvolver abordagens que permitam a sua modulação.
Se conseguirmos de alguma forma (de que forma?) intervir na autofagia, ajudando as células neste processo de reciclagem, teremos uma resposta para algumas doenças? Quais?
São várias as doenças em que se observaram alterações na autofagia, como cancro, doenças metabólicas, doenças neurodegenerativas, cardiomiopatias, miopatias e doença de Crohn. Sabendo de que modo as alterações na autofagia (nomeadamente o seu aumento ou diminuição) se associam a uma determinada doença, e compreendendo de que modo a autofagia é regulada, será possível desenvolver novas estratégias e fármacos que permitam melhorar o tratamento destas doenças.
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Que modelos animais e outros (como a levedura) são usados para o estudo da autofagia?
Além dos estudos usando leveduras como modelo, como os de Yoshinori Ohsumi, a investigação sobre autofagia tem utilizado outros modelos como linhas celulares, vermes (C. elegans), mosca da fruta (Drosophila) e ratinhos.
Na sua investigação o que está a tentar perceber na relação da autofagia com o cancro?
Sabendo que a autofagia está envolvida no desenvolvimento do cancro e que poderá contribuir para a sua resistência à terapia, os intervenientes no processo de autofagia poderão ser considerados potenciais alvos terapêuticos. Nos últimos anos, temos estado envolvidos no estudo do efeito de novas pequenas moléculas, que modulam a autofagia em linhas celulares de vários tipos de cancro humano, tentado potenciar a morte destas células.Temos estudado o efeito destas moléculas em linhas celulares de cancro do pulmão, da mama e do melanoma. E verificámos que, através da indução de autofagia, as moléculas levam à diminuição das células tumorais.