Enchente em Serralves para ver Mirós
Neto de Miró comovido com "resposta popular" que levou este domingo milhares de pessoas à exposição em Serralves.
Entre os milhares de pessoas que aproveitaram a ensolarada manhã deste domingo no Porto para visitar a exposição Joan Miró: Materialidade e Metamorfose na Casa de Serralves - a fila era tão grande que extravasou para a rua e chegou a ocupar todo o quarteirão -, contava-se um neto do artista, Joan Punyet Miró, que garante que esta é “uma colecção única, com uma personalidade própria, que pode ser levada à Austrália ou às Américas como uma exposição antológica de Joan Miró”.
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Entre os milhares de pessoas que aproveitaram a ensolarada manhã deste domingo no Porto para visitar a exposição Joan Miró: Materialidade e Metamorfose na Casa de Serralves - a fila era tão grande que extravasou para a rua e chegou a ocupar todo o quarteirão -, contava-se um neto do artista, Joan Punyet Miró, que garante que esta é “uma colecção única, com uma personalidade própria, que pode ser levada à Austrália ou às Américas como uma exposição antológica de Joan Miró”.
O neto do artista catalão integra as administrações das fundações Miró em Barcelona e Palma de Maiorca, a que recentemente se veio juntar outra na pequena povoação de Mont-Roig, na Catalunha. Profundo conhecedor da obra do avô, Joan Punyet chegou discretamente a Serralves com a mulher e alguns amigos, aos quais proporcionou uma verdadeira visita guiada pela exposição.
Para o neto de Miró, “foi uma sorte” esta colecção ficar em Serralves, já que, diz, isso permitirá um trabalho conjunto com o Museu Reina Sofía, em Madrid, e com as fundações de Barcelona e Palma de Maiorca, “cumprindo a grande ambição de [Miguel de] Unamuno de unir os povos ibéricos”. E a quem possa achar a declaração um pouco hiperbólica, nota que “a inauguração desta exposição já foi uma espécie de cimeira hispano-lusa, um acontecimento de relevância internacional”.
Confrontado com a multidão que fazia fila para ver a exposição - funcionários do Museu de Serralves dizem que não se lembravam de nada assim desde a exposição de Paula Rego, em 2004 -, o neto de Miró “ficou muito comovido com a resposta popular”, disse ao PÚBLICO a sua mulher, a jornalista Marisol Ramírez. Elogiando o “trabalho fantástico” do comissário Robert Lubar Messeri e o “génio de Siza”, Joan Punyet Miró explicou que nunca tinha visto ao vivo muitas destas peças, e que só as conhecia de fotografias. “Impressionou-me a grande quantidade de obras extraordinárias, quer do ponto de vista artístico, quer no plano dos materiais e das formas”, disse. “Estamos aqui perante 60 anos da criação do meu avô, e todos os períodos importantes estão representados: esta é uma colecção com uma personalidade única, compacta, que muitos museus do mundo invejariam”.
Punyet Miró acha que “é um privilégio para Portugal ter uma relação tão importante com a obra de Miró”, e está satisfeito por esta colecção ir permanecer no Porto. “Claro que é muito interessante que fique aqui, na cidade onde esteve Sonia Delaunay, a fugir da I Guerra Mundial, onde Eiffel desenhou pontes, que tem a Casa de Chá de Siza, uma cidade de grande cultura artística e literária, e também gastronómica”.
Confrontado com o facto de bastantes visitantes parecerem particularmente impressionados com as tapeçarias de Miró representadas na exposição - algumas das 33 que o pintor realizou em 1972 e 1973, conhecidas como sobreteixim (sobretecidos) -, Joan Punyet classifica-as como “anti-pintura” e acha que a sua força tem a ver com o facto de ter sido nelas que o avô espelhou “toda a fúria, raiva e frustração de um homem que via o que ele via naquela época”, lembrando o golpe de Pinochet e a “grande convulsão política” de Espanha no final do franquismo. “Em 1975, não queríamos outra guerra civil, e o meu avô, que se tornara o pintor mais importante do mundo após a morte de Picasso, em 1973, sentia que tinha de ajudar a que houvesse uma transição democrática em Espanha”. Uma “responsabilidade cultural e social” que lhe impunha cautelas diplomáticas, de modo que “toda essa tensão e frustração que sentia eram direccionadas para a sua obra”.
Ganzolas e ar condicionado
Como as manhãs do primeiro domingo de cada mês são gratuitas em Serralves, a exposição de Miró recebeu ainda mais visitantes no domingo do que recebera no sábado, o primeiro dia em que esteve aberta ao público, após a inauguração de sexta-feira, limitada a convidados. E embora a segurança de Serralves fosse assegurando que o número de pessoas dentro da Casa não ultrapassasse as 200, o que obrigou muita gente a esperar mais de uma hora, mesmo assim, para ver a obra seguinte, era muitas vezes preciso esperar que quem ia adiante acabasse de se fazer fotografar diante dela.
Mas quem já tinha visto a exposição, achava que a espera tinha valido a pena. Luc Gagné e Louise Barière, um casal de canadianos do Quebeque em férias no Porto, já tencionavam visitar o Museu de Serralves: “Gostamos muito de arte contemporânea, mas encontrámos uns portugueses no restaurante que nos disseram que não podíamos perder esta exposição”. O que não sabiam é que nesta precisa manhã as entradas eram gratuitas e assustaram-se um bocado com a fila: “Oh-lá-lá, era muita gente! Chegamos às 10h45 e entrámos às 12h30”, diz Louise. Mas não dá o tempo por perdido. “A exposição é magnífica - não sabia que ele também fazia tapeçarias - e a casa é lindíssima, tem um ar muito contemporâneo”.
Nina, uma espanhola que vive em Madrid e conhece bem a colecção de Miró do Museu Reina Sofía, diz que esta é “uma exposição muito completa e que vale a pena ver”. A passar uns dias no Porto, já conhecia Serralves e também ela elogia a beleza da casa cor-de-rosa agora ocupada por este novo inquilino. “Conheci a Casa quando estava vazia e é maravilhosa, um lugar estupendo”.
Tiago e Gonçalo, ambos de 17 anos, ouviram falar da exposição nos noticiários e resolveram vir vê-la com os seus próprios olhos. Tiago já tinha ouvido falar de Miró, mas não conhecia a obra, e o amigo nunca ouvira falar do pintor catalão. Agora que já viram as peças, parecem ter ficado com vontade de repetir: “Acho óptimo isto ter ficado no Porto e podermos vir aqui quando quisermos”, diz Tiago.
Como lisboeta, era inevitável perguntar a Francisco Queiroz, que estava no Porto a apresentar uma peça que encenou a partir de um texto de Joaquim Pessoa, e que achou que “não podia ir embora sem ver a exposição”, o que pensava da decisão de manter a colecção Miró no Porto. “Digamos que as obras merecem este espaço e que o espaço merece estas obras”.
Quando já parecia que o Porto era um alfobre de fãs incondicionais de Miró, Helena Dias quebrou a unanimidade. “A mim, isto realmente não me impressiona nada, dou mais valor ao artista que fez o ar condicionado”. E está convencida, embora não fume, que “basta fumar umas ganzolas e faz-se isto”. Já a Casa de Serralves, que não conhecia, acha-a “fantástica, fabulosa”. E se não aprecia os Mirós, parece-lhe bem que fiquem no Porto: “Valorizam a cidade, e lá por não me dizerem nada a mim, não falta gente a quem digam”.