Área ardida até final de Setembro é a mais extensa da última década

Os incêndios florestais destruiram mais de 161 mil hectares, mais do dobro da média dos últimos dez anos.

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Só 30 fogos, foram responsáveis por dois terços da área ardida este ano. Paulo Pimenta

No final da fase mais crítica dos incêndios florestais, que terminou ontem, a área ardida ultrapassou os 161 mil hectares, o valor mais elevado da última década. O número é mais do dobro da média da área ardida entre 2006-2015, que não chegou aos 71 mil hectares. Mesmo assim, fica longe dos piores anos de sempre, 2003 e 2005, em que arderam respectivamente, 425 mil e 339 mil hectares.

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No final da fase mais crítica dos incêndios florestais, que terminou ontem, a área ardida ultrapassou os 161 mil hectares, o valor mais elevado da última década. O número é mais do dobro da média da área ardida entre 2006-2015, que não chegou aos 71 mil hectares. Mesmo assim, fica longe dos piores anos de sempre, 2003 e 2005, em que arderam respectivamente, 425 mil e 339 mil hectares.

Apesar da dimensão considerável da área ardida, há quem faça um balanço positivo deste ano, considerando que, face às condições meteorológicas registadas, o resultado podia ter sido bem pior. Outros acreditam que alguns incêndios poderiam não ter atingido as dimensões a que chegaram se se tivesse utilizado outra estratégia de combate. Numa coisa, contudo, os especialistas são unânimes: os grandes incêndios vão continuar enquanto a floresta se mantiver abandonada e a ocupar extensas manchas contínuas do território. E nenhum reforço do dispositivo de combate mudará isso.

O balanço da área ardida é feito com base nos dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla EFFIS), que, através de imagens de satélite, contabiliza quase em tempo real a dimensão dos fogos. A análise das imagens do satélite MODIS permite identificar todos os incêndios com uma extensão superior a 40 hectares, podendo, pontualmente, contabilizar os fogos com áreas inferiores.

Dos mais de 250 fogos identificados pelo sistema, há 30 com uma área ardida superior a mil hectares. E só estes explicam a destruição de 107 mil hectares, ou seja, dois terços do total queimado pelos incêndios deste ano. À cabeça deste conjunto, surge o fogo que começou em Rossas, no concelho de Arouca, a 6 de Agosto, que sozinho destruiu mais de 26 mil hectares de floresta.

As últimas estatísticas oficiais, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), só contabilizam a área ardida até 15 de Setembro, data até à qual terão sido queimados 146.633 hectares de espaços florestais. Até essa altura tinham sido registadas perto de 12 mil ignições, um valor abaixo da média dos últimos dez anos, que ultrapassa as 15 mil ocorrências. “O distrito mais afectado, no que concerne à área ardida, foi Aveiro, com 47.088 hectares, cerca de 33% da área total ardida até à data, seguido de Viana do Castelo, com 26.887 hectares (19% do total), e do Porto, com 14.005 hectares (10% do total)”, lê-se no último relatório provisório do ICNF.

António Louro, presidente do Fórum Florestal, uma estrutura que congrega associações de produtores florestais de todo o país, considera que este ano até “correu bem, face aos extremos meteorológicos”. O responsável acredita que na última década houve melhorias no dispositivo de combate aos fogos, mas insiste que tal vale de pouco, se não se intervier na floresta. “Devemos ter dos melhores sistemas de combate do mundo. E de certeza o melhor que podemos pagar. Mas a resolução dos incêndios florestais não está no combate”, realça António Louro.

O presidente do Fórum Florestal sublinha que a paisagem da floresta portuguesa mudou nos últimos 50 anos e que a que se impôs nunca existiu antes. “Hoje há grandes manchas contínuas de floresta, sem qualquer descontinuidade, que antes era feita pelas áreas agrícolas”, afirma o dirigente. Louro defende a criação de “empresas de aldeias” que agrupem proprietários florestais e giram de forma profissional esses imóveis, tornando-os rentáveis. Tal, acredita, irá permitir compartimentar a floresta e a criar zonas tampão que impeçam a progressão do fogo.  “Ainda que comecemos todos a trabalhar bem amanhã vai demorar três ou quatro décadas a voltar a estabelecer o equilíbrio na floresta”, diz António Louro.

Luciano Lourenço, director do Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, concorda que os problemas da floresta levam tempo a resolver. “Os ciclos políticos são de quatro anos. Ninguém olha a médio e longo prazo porque os políticos querem resultados imediatos”, critica o professor universitário. Ao contrário de Louro, Luciano Lourenço acredita que a área ardida este ano podia ser mais baixa, se alguns comandantes tivessem optado por outras estratégias de combate. “Percebe-se que se defendam as habitações. Mas, por vezes, tal não é apenas uma prioridade é uma exclusividade”, aponta o especialista. E acrescenta: “Às vezes, o fogo está suficientemente afastado das casas, o que permite atacá-lo na floresta. Em vez de ficar à espera que chegue às casas evitava-se pôr as habitações em risco”.

Insistindo que a aposta tem que ser na prevenção, o universitário considera prioritário a limpeza dos terrenos à volta das casas e dos aglomerados habitacionais. “É preciso punir quem não cumpre”, sustenta. E lembra que o número de ignições continua elevadíssimo, justificando uma aposta consistente e contínua na educação das pessoas.

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, concorda e lamenta que, apesar de há mais de 40 anos insistir na necessidade de criar currículos escolares que falem das florestas e dos incêndios, tal ainda não seja uma realidade. Jaima Marta Soares faz um balanço positivo dos fogos deste ano face às condições meteorológicas, especialmente as dificuldades causadas pelo vento. “Apesar de tudo as coisas até correram bem até agora”, defende, realçando que não houve vítimas mortais entre os milhares de combatentes que estiveram no terreno.  O presidente da Liga indigna-se com o facto de em muitas festas pelo país ainda se deitarem foguetes em alturas de grande risco e sustenta que é preciso acabar com a impunidade de quem provoca um incêndio, seja de forma dolosa seja de forma negligente. Jaime Marta Soares critica o “abandono completo” da floresta e a inexistência de um cadastro que identifique os proprietários florestais. “Se os pinheiros e os eucaliptos votassem, tudo seria diferente”, ironiza.