Andamos ou andámos?
Às vezes um pequeno acento faz toda a diferença. Experimentem.
Por distracção ou moda, talvez influenciada pelo manusear constante das teclas de telemóveis e similares, anda muita gente a esquecer-se de acentuar palavras: pais e país cada vez mais se confundem, já se vê historia por história e a política raramente surge acentuada, talvez porque, sobrando-lhe assentos – dos outros, como é bom de ver –, dispense o clássico acento agudo. Mas há um acento em particular cuja omissão pode ter a ver com a norma brasileira que por aqui se vai adoptando sem rigor nem critério. No Brasil, quando se diz (e escreve) falamos, cantamos, andamos, gravamos, etc, tudo isso se refere ao passado. E a pronúncia segue de perto a grafia, porque dizem fálâmos, cántâmos, ándâmos, grávâmos. A confusão desta 1.ª pessoa do plural do Pretérito Perfeito com a 1.ª pessoa do plural do Presente do Indicativo é remota porque um brasileiro dirá, preferencialmente, estamos falando, estamos gravando, etc. Já um português fica às aranhas quando lhe baralham tais termos. Imaginem uma mulher a apresentar o ex-namorado ao actual, dizendo: “Nós andamos juntos”. Para um brasileiro isto seria natural. Mas para um português falta ali qualquer coisinha… O andamos, em Portugal, quer dizer que ainda andam; já o andámos remete, de imediato, para um passado indefinido: podem ter andado juntos há meses ou até há anos, mas não andarão juntos agora. A abolição impensada do sinal diacrítico (o acento) cria uma confusão escusada entre passado e presente e troca a clareza pela ambiguidade. Já agora, até o nefasto “acordo ortográfico” de 1990, na sua base IX, diz que se assinala “obrigatoriamente” com acento circunflexo a palavra “pôde (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo)” de modo a distingui-la “da correspondente forma do presente do indicativo (pode).” Isto embora imponha o contrário a “para” e “pára”, mas será demasiado pedir coerência a tal palimpsesto. Por isso já sabem: para evitar dúvidas, usem o acento. Como diz o outro, vão ver que não custa nada.
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Por distracção ou moda, talvez influenciada pelo manusear constante das teclas de telemóveis e similares, anda muita gente a esquecer-se de acentuar palavras: pais e país cada vez mais se confundem, já se vê historia por história e a política raramente surge acentuada, talvez porque, sobrando-lhe assentos – dos outros, como é bom de ver –, dispense o clássico acento agudo. Mas há um acento em particular cuja omissão pode ter a ver com a norma brasileira que por aqui se vai adoptando sem rigor nem critério. No Brasil, quando se diz (e escreve) falamos, cantamos, andamos, gravamos, etc, tudo isso se refere ao passado. E a pronúncia segue de perto a grafia, porque dizem fálâmos, cántâmos, ándâmos, grávâmos. A confusão desta 1.ª pessoa do plural do Pretérito Perfeito com a 1.ª pessoa do plural do Presente do Indicativo é remota porque um brasileiro dirá, preferencialmente, estamos falando, estamos gravando, etc. Já um português fica às aranhas quando lhe baralham tais termos. Imaginem uma mulher a apresentar o ex-namorado ao actual, dizendo: “Nós andamos juntos”. Para um brasileiro isto seria natural. Mas para um português falta ali qualquer coisinha… O andamos, em Portugal, quer dizer que ainda andam; já o andámos remete, de imediato, para um passado indefinido: podem ter andado juntos há meses ou até há anos, mas não andarão juntos agora. A abolição impensada do sinal diacrítico (o acento) cria uma confusão escusada entre passado e presente e troca a clareza pela ambiguidade. Já agora, até o nefasto “acordo ortográfico” de 1990, na sua base IX, diz que se assinala “obrigatoriamente” com acento circunflexo a palavra “pôde (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo)” de modo a distingui-la “da correspondente forma do presente do indicativo (pode).” Isto embora imponha o contrário a “para” e “pára”, mas será demasiado pedir coerência a tal palimpsesto. Por isso já sabem: para evitar dúvidas, usem o acento. Como diz o outro, vão ver que não custa nada.