Casa de Serralves vai ser a morada definitiva dos Mirós
Confirma-se que o destino da colecção Miró passa por Serralves, mas a surpresa é que passa ainda mais do que se previa. As obras não integrarão o Museu de Arte Contemporânea, mas ficarão na Casa onde agora estão expostas, para a qual Siza já aceitou desenhar um projecto de adaptação.
A especulação em torno do sítio que iria acolher em permanência a colecção Miró terminou esta sexta-feira ao final do dia, quando o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, anunciou que as obras do pintor catalão vão ficar em permanência na Casa de Serralves - onde pouco antes fora inaugurada a exposição Joan Miró: Materialidade e Metamorfose - e que o arquitecto Álvaro Siza aceitara já o convite para adequar às suas novas funções a bela casa cor-de-rosa de arquitectura modernista.
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A especulação em torno do sítio que iria acolher em permanência a colecção Miró terminou esta sexta-feira ao final do dia, quando o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, anunciou que as obras do pintor catalão vão ficar em permanência na Casa de Serralves - onde pouco antes fora inaugurada a exposição Joan Miró: Materialidade e Metamorfose - e que o arquitecto Álvaro Siza aceitara já o convite para adequar às suas novas funções a bela casa cor-de-rosa de arquitectura modernista.
“Foi um trabalho de boas vontades e uma decisão ajuizada”, disse Moreira, defendendo que “num tempo em que muita gente vive com sacrifícios, os recursos devem ser geridos com parcimónia, e esta solução é muito mais barata do que construir um novo museu”. Embora o modelo institucional ainda tenha de ser trabalhado, reconheceu o autarca, está já decidido que as obras ficarão formalmente à guarda da autarquia, que a Casa de Serralves funcionará como um pólo do município, mas não será um museu municipal, que a câmara custeará as obras de adequação da Casa, e que as futuras receitas de bilheteira reverterão integralmente para Serralves.
Mas o figurino final desta parceria não poderá provavelmente ser traçado sem que primeiro seja feita, explicou Rui Moreira ao PÚBLICO, “uma pequena alteração legislativa no que respeita aos apoios dos municípios às fundações”.
A solução não deixa de surpreender, já que parecia haver sinais de que Serralves não veria com bons olhos a hipótese de acolher a colecção, mas o autarca diz que essas reservas diziam apenas respeito a uma eventual integração dos Mirós no Museu de Arte Contemporânea. “Instalar este pólo aqui na Casa de Serralves, faz todo o sentido”, argumenta, até porque temos a sorte de a Casa ser, também ela, de arquitectura modernista, e por isso os quadros ficam aqui tão bem”.
Moreira falou informalmente com a imprensa já depois dos discursos da anfitriã da cerimónia, Ana Pinho, presidente da administração de Serralves, e de António Costa, Mariano Rajoy e Marcelo Rebelo de Sousa. Já o presidente do Governo autónomo da Catalunha, que foi dos primeiros a chegar a Serralves, acompanhado por Rui Moreira, passou razoavelmente despercebido na cerimónia, mas acabou a fazer uma conferência de imprensa paralela para os muitos jornalistas espanhóis presentes, provavelmente mais interessados em o ouvir sobre o seu recente anúncio de que convocará um referendo sobre a independência da Catalunha em 2017 do que em saber o que pensa desta colecção de Mirós.
Crítica: Na casa dos sonhos de Miró
Se Moreira demorou algum tempo a quebrar o tabu sobre o local onde ficaria a colecção Miró, quando a solução, reconhece, já tinha sido tomada há algum tempo com o conhecimento do Governo, foi porque não podia antecipar-se a António Costa, que se deslocou ao Porto justamente para anunciar formalmente que o Governo confiaria os Mirós à cidade. E foi o primeiro-ministro quem arrancou as grandes salvas de palmas da sessão, primeiro quando disse que, “nesta época em que tantas vezes temos dúvidas sobre a hierarquia dos valores, a história recente desta colecção ajuda a pô-los na sua adequada hierarquia” e considerou “muito importante” a decisão de não vender a colecção. E voltou a ser aplaudido quando confirmou que as 85 obras ficariam no Porto, como o seu ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, já anunciara. “Estas obras de Miró valorizarão decerto o Porto, mas o Porto, uma cidade aberta ao mundo, cosmopolita e viva, também valorizará esta colecção”, disse.
Rajoy fez o discurso expectável, focando-se na ligação, que estima ser hoje “mais forte do que nunca”, entre os dois povos ibéricos, “uma vizinhança tão rica e modelar, que é um poderoso exemplo para o mundo”. A sessão terminou com Marcelo Rebelo de Sousa, que não hesitou em “saudar a decisão do Governo, que soube compreender a situação existente e acolher a solução que melhor se ajustava ao interesse nacional”. O Presidente da República reiterou ainda a amizade entre Portugal e Espanha e lembrou que receberia já em Novembro, “aqui mesmo, na leal e mui nobre cidade do Porto”, o monarca espanhol, Filipe VI.
Numa conferência de imprensa dada ao final da manhã na Casa de Serralves, a poucas horas da formalíssima inauguração de uma das mais mediáticas exposições alguma vez inauguradas em Portugal, a directora artística do Museu de Serralves, Suzanne Cotter, reconhecera a dimensão política desta mostra e a sua importância simbólica a diversos níveis, da “questão da herança artística” ao “papel da arte na sociedade”, mas pedira que ela fosse também vista pelo que antes de mais é: “uma exposição que nos convida a descobrir o trabalho e o talento de Joan Miró”, que considerou um dos artistas mais importantes do século XX”.
Com oradores e jornalistas rodeados de dezenas de obras do pintor catalão, Cotter elogiou o modo como Siza conseguira pôr a arquitectura da Casa a dialogar com as obras de Miró. “Uma conversa muito feliz”, resumiu a directora, com um entusiasmo que talvez devesse ter feito suspeitar que aquela não iria ser uma conversa para acabar em breve.
Antes de guiar os jornalistas numa visita pelas quase 80 peças que escolheu para esta exposição, o seu comissário, Robert Lubar Messeri, um dos grandes especialistas mundiais em Miró, explicou que já conhecia a colecção do BPN, uma vez que fora convidado pela Christie’s para fazer uma palestra sobre ela a preceder o programado leilão das obras em Londres. “Lembro-me muito claramente de ter começado a ver as obras e de ter pensado para mim próprio: ‘Mas porquê?!, por que é que Portugal quer deixar escapar uma colecção como esta?’”. E quando uns dias depois soube que o leilão fora cancelado, diz ter ficado “encantado”.