Eis, por fim, o regresso de Alek Rein

Seis anos depois, o sucessor do EP Gemini anuncia-se. Mirror Lane, onde a fantasia se funde com a realidade, onde a folk e o rock são a mesma aventura sónica. É editado e apresentado ao vivo esta sexta-feira. Valeu a pena a espera.

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Vera Marmelo

Não vale a pena complicar. Assim sendo, simplifiquemos. Alek Rein e o irmão viviam com os pais no estado norte-americano do Montana. Este último, mudo, gostava de mostrar discos e livros a Alek, enquanto Alek lhe ia tocando canções à guitarra. Até que um dia o irmão despareceu misteriosamente. Desesperado, Alek vasculhou o quarto em busca de pistas. Estas apontavam para um lugar: o Triple Divide Peak, elevação que se ergue a mais de dois mil metros de altura e da qual descem cursos de água que conduzem a três oceanos, o Atlântico, o Árctico e o Pacífico.

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Não vale a pena complicar. Assim sendo, simplifiquemos. Alek Rein e o irmão viviam com os pais no estado norte-americano do Montana. Este último, mudo, gostava de mostrar discos e livros a Alek, enquanto Alek lhe ia tocando canções à guitarra. Até que um dia o irmão despareceu misteriosamente. Desesperado, Alek vasculhou o quarto em busca de pistas. Estas apontavam para um lugar: o Triple Divide Peak, elevação que se ergue a mais de dois mil metros de altura e da qual descem cursos de água que conduzem a três oceanos, o Atlântico, o Árctico e o Pacífico.

Alek Rein há-de descobrir uma gruta na montanha, há-de embrenhar-se nela e descobrir uma galeria de espelhos infinita, portal para todos os universos possíveis – uma versão, menos avassaladora, do famoso Aleph de Jorge Luís Borges. Um dos portais funciona como o 7º andar e meio de Queres ser John Malkovich? Alek atira-se por ele dentro e há-de ficar preso na cabeça de alguém. Quem nos contou esta história chama-se Alexandre Rendeiro. Alek Rein é ele. Ou melhor, não é. Mas toca as canções dele. “As canções são uma viagem entre universos, são sobre a comunicação das canções dele até mim e de como as interpreto. Ele é o criador e eu sou o intérprete”. Simples, não é?

Alexandre contou-nos esta história enquanto suspirávamos de alívio. Em 2010 chegara-nos do nada um EP, Gemini, assinado Alek Rein, em que guitarras acústicas surgiam entrelaçadas entre electricidade cuidada muito gentilmente, servidas por uma voz feita paisagem de sonho. Um universo de folk (por vezes), rock onírico que nos punha a planar sobre as coisas do mundo – e quem era aquela doce Lidia que merecia tamanha doçura na canção com o mesmo título? Os anos passaram e, enquanto o víamos nos mais diversos palcos, com ou sem músicos a acompanhá-lo, a mostrar as canções de Gemini e as novas que iam nascendo, não havia maneira de pormos os ouvidos no álbum que cumprisse a promessa deixada na estreia.

Não havia, até agora. Perguntamos porquê tanto tempo, recordamos que já houve um disco gravado que nunca chegou a conhecer a luz do dia. Alexandre refere “contratempos” dos quais prefere não falar - “é um bocado soap-opera” – e encerra assim a questão. Interessa, então, que Mirror Lane, álbum de estreia de Alek Rein, chega por fim esta sexta-feira, dia em que será apresentado na Galeria Zé dos Bois (a responsável pela sua edição), em Lisboa, com primeira parte assegurada por Filipe Sambado, que produziu o álbum agora revelado (22h, 6€).

Promessa cumprida

Gravado com Guilherme Canhão (Lobster, Sunflare, Tigrala, entre outros) no baixo, entretanto substituído por Alexandre Fernandes (Sun Blossoms), e Luís Barros na bateria, Mirror Lane cumpre a promessa. Encorpa-se com electricidade de power-trio, sem perder o prazer pela divagação que as palavras induzem e que as melodias incitam. Explora melodias da Inglaterra do psicadelismo pastoral de finais de 1960 e chocalha essas memórias com o fervor obrigatório a quem, na adolescência, percebeu que existia um mundo melhor a descobrir ao seguir extasiado as tropelias majestosamente hard-rock dos Deep Purple de Made in Japan (não os procurem em Mirror Lane, que Alexandre já viajou muito desde essa primeira epifania).

Mirror Lane mostra uma admirável capacidade de fazer de cada uma das oito canções um universo em si mesmo, cuidadosamente elaborado, mas capaz de nos induzir a sensação de que tudo está a ser gravado, ao mesmo tempo, no exacto momento em que ouvimos – é a conjugação de tudo isto que o torna uma maravilhosa rodela musical de oito canções.

Páteo SBSR - Alek Rein - River of Doom from HIGHOPES Visuals on Vimeo.

“Sempre adorei a mistura entre acústico e eléctrico. Os Led Zeppelin eram reis nisso, e até os nomes das bandas reflectiam essa dualidade. Iron Butterfly, Led Zeppelin, o leve e o pesado, a folk e o rock’n’roll ao mesmo tempo”, analisa. “Tentei transportar isso para o disco. A River of doom é assim, tal como a Spirit of man. E a Vermilion bird of the south e a Tiger skin também o mostram”. Não é a única síntese entre realidades diferentes que encontramos em Mirror Lane.

Heterónimos

No seu âmago, como o testemunha a história que dá arranque a este texto, está uma fantasia, a criação desse heterónimo, Alek Rein, que oferece inspiração a Alexandre Rendeiro. No conjunto das suas canções, conjuga-se a ficção dos mundos imaginados, as metáforas e alegorias comentando a realidade em volta e uma ânsia por realismo, aparentemente nos antípodas da natureza escapista do som.

Alexandre, que em 2010 se dividia entre a música e o trabalho enquanto artista plástico e videasta, fala-nos do curso de filosofia que frequentou desde então. “Precisava de pensar no mundo em que estou a lançar as canções, porque estava com um complexo de torre de marfim, o complexo de criar atomizado do resto da sociedade”. Alexandre Rendeiro lamenta o mundo “esquisito” que habita. Diz que “o sonho de um mundo mais justo e partilhado entre irmãos e irmãs morreu de forma muito trágica, para dar lugar a esta esquizofrenia do cada um por si que conhecemos de todas as cidades da Europa”. 

Mirror Lane é também sobre isso. “Apercebi-me que a poesia e a imaginação são das coisas mais subversivas. ‘Um poema é uma bomba’, como diziam na sua época os simbolistas. A noção de que a distorção da forma como vemos as coisas pode abrir novos mundos, novas maneiras de viver, mostrou-me que este é um bom caminho”.

Mirror Lane é, então, Alexandre Rendeiro a tentar criar a síntese entre “uma parte mais realista e outra mais fantástica”, a procurar tornar as questões que aborda "não só esteticamente inspiradoras, mas que consigam puxar quem ouve do sonho para a realidade”. Anotem que Spirit of man, pérola de psicadelismo rock clássico, é “a canção marxista do disco”: “The spirit of man caged in a tin can”.

Mirror Lane é, e voltemos ao início, Alexandre Rendeiro a interpretar as canções do homem que habita a sua cabeça desde que caiu de um portal numa gruta do Triple Divide Peak, em Montana. Chama-se Alek Rein e está à procura do irmão. Tem esperança que, um dia, ele ouça uma canção de Mirror Lane na rádio e se mostre, onde quer que esteja.

Há muitas camadas no fascinante mundo sónico inventado por Alexandre Rendeiro. Perdão, por Alek Rein. Simplifiquemos, pelo criador de Mirror Lane.

Alek Rein - Magic Fiddle from MPAGDP on Vimeo.