Uma OPA à ONU. Irá resultar?
Se todos os embaixadores disserem de facto o que pensam, a candidatura de Georgieva pode ser chumbada.
A entrada mais do que tardia da comissária da União Europeia Kristalina Georgieva na corrida para o cargo de secretário-geral da ONU é uma manobra de altíssimo risco.
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A entrada mais do que tardia da comissária da União Europeia Kristalina Georgieva na corrida para o cargo de secretário-geral da ONU é uma manobra de altíssimo risco.
Estamos há meses num jogo de poker à escala mundial, mas não é difícil antecipar que esta jogada possa virar-se contra a Bulgária e – por extensão – todos os que apoiam a sua candidatura, em particular a Alemanha.
De uma assentada, a candidatura fere sensibilidades a vários níveis e não tem qualquer base razoável de justificação.
Por partes.
Era preciso um candidato consensual para desempatar e resolver a eleição? Seria aceitável se houvesse um impasse, mas não há. Nas cinco votações já feitas, António Guterres é o único candidato que teve zero votos a “desencorajar” (em Julho, antes de o poker a sério começar) e o único que teve sempre mais de nove votos a “encorajar”. Isso é decisivo porque uma das poucas leis escritas do Conselho de Segurança da ONU é a regra dos dois terços. Nenhuma decisão passa sem os cinco votos dos membros permanentes mais quatro votos dos países não permanentes. Em 15, Guterres nunca teve menos de 11. E, na quinta eleição, esta semana, todos os outros candidatos tiveram menos de nove.
Era preciso uma mulher porque este é "o ano das mulheres" no topo da ONU? Há quatro mulheres na corrida — e já houve seis.
Este é o ano da Europa de Leste, região que nunca teve um secretário-geral? A corrida começou há nove meses com oito candidatos do Leste. E seis continuam.
É por isso que, na ausência de qualquer justificação aceitável para fazer tábua rasa deste longo processo de selecção, a candidatura de Kristalina Georgieva vai gerar um efeito de irritação. Se não tanto entre os P5, com os pés presos à realpolitik, seguramente entre os dez países não permanentes do Conselho de Segurança. Vão a Venezuela e o Uruguai, que agora estão no conselho e há nove meses discutem e votam nos vários candidatos, aceitar que a Bulgária introduza — a semanas do fim — uma segunda candidata, quando há uma búlgara híper qualificada na corrida? E apenas porque as votações têm corrido mal a Irina Bokova? E quando a América Latina tem a argentina Susana Malcorra na corrida?
À escala da Assembleia Geral, onde o voto do Vanuatu vale o mesmo que o da Alemanha, o impacto será com certeza ainda mais forte. Os protestos públicos ainda não se fizeram ouvir. Mas surgirão.
Há uns dias, Gerard van Bohemen, o embaixador da Nova Zelândia junto da ONU — que também é um dos dez membros não permanentes do actual Conselho de Segurança —, disse a um jornal do seu país "não compreender" como é que “um tipo velho e branco vindo de um país da NATO” está a ter tantos votos. Não houve qualquer agitação (o que seria, a propósito, se um diplomata português tivesse dito semelhante frase sobre uma mulher — por exemplo, a candidata da Nova Zelândia Helen Clark?). Mas a porta da franqueza ficou aberta. Se todos os embaixadores disserem de facto o que pensam e votarem de forma consequente, a candidatura de Georgieva pode ser chumbada.