Cenas dos próximos capítulos: o risco do “Nexit”
A Europa está em stand by ou em modo pause. Todas as grandes decisões têm de esperar pela nova paisagem franco-alemã.
1. É por demais sabido que a vida política europeia será marcada no próximo ano pelas eleições presidenciais francesas e pelas eleições legislativas alemãs. De momento, as instituições europeias e até a acção de muitos governos nacionais – incluindo o britânico – vivem sob o signo da paralisia. A Europa está em stand by ou em modo pause. Todas as grandes decisões têm de esperar pela nova paisagem franco-alemã. Em bom rigor, e tomando a sabedoria do Eclesiastes, “nada de novo debaixo do sol”. A vida política europeia sempre esteve muito condicionada – mas hoje está ainda mais – pelo calendário eleitoral dos seus Estados. E não apenas dos Estados mais poderosos e influentes. Basta pensar na relevância que ganharam as eleições gregas de Janeiro de 2015 para perceber que os calendários nacionais podem deixar o centro político de Bruxelas em suspenso.
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1. É por demais sabido que a vida política europeia será marcada no próximo ano pelas eleições presidenciais francesas e pelas eleições legislativas alemãs. De momento, as instituições europeias e até a acção de muitos governos nacionais – incluindo o britânico – vivem sob o signo da paralisia. A Europa está em stand by ou em modo pause. Todas as grandes decisões têm de esperar pela nova paisagem franco-alemã. Em bom rigor, e tomando a sabedoria do Eclesiastes, “nada de novo debaixo do sol”. A vida política europeia sempre esteve muito condicionada – mas hoje está ainda mais – pelo calendário eleitoral dos seus Estados. E não apenas dos Estados mais poderosos e influentes. Basta pensar na relevância que ganharam as eleições gregas de Janeiro de 2015 para perceber que os calendários nacionais podem deixar o centro político de Bruxelas em suspenso.
2. Importa, no entanto, registar que bastante antes daqueles dois momentos cruciais na França e na Alemanha, ainda há um conjunto de momentos eleitorais relevantes a decorrer até ao final de 2016, que podem marcar, de modo sério, a agenda europeia. O primeiro será o referendo na Hungria sobre o sistema de quotas para acolhimento de refugiados, que almeja respaldar internamente a posição de Orban e do grupo de Visegrado que ele anima e inspira (Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria). O segundo – porventura mais importante e delicado – vem a ser o referendo italiano sobre a reforma institucional que, dependendo do concreto desenlace e resultado, pode vitimar o Primeiro-Ministro Renzi. E se assim for, abrir mais um período eleitoral em 2017 num dos “grandes”, com probabilidade de proporcionar uma vitória ao populismo do Movimento Cinco Estrelas. O terceiro momento serão decerto as eleições presidenciais austríacas, mais pelo seu valor simbólico do que real, já que o Presidente na Áustria, apesar de directamente eleito, detém poderes essencialmente formais (o regime é formalmente semipresidencial, mas materialmente parlamentar). É de facto manifesto que uma vitória do candidato da direita radical, com toda a sua agenda anti-imigração e anti-refugiados, pode dar mais um impulso à direita populista que prospera por toda a Europa central e setentrional. E finalmente, last but not the least, não se pode esquecer as muito prováveis eleições espanholas ainda antes do termo de 2016. Eleições essas que podem ditar um impasse político de longa duração ou potenciar a afirmação do populismo radical de esquerda representado pelo Podemos.
Não menos importante será o desfecho das eleições presidenciais norte-americanas. A ocorrer a tão possível quanto indesejável vitória de Trump e confirmando-se a viragem de 180 graus da política externa e da política comercial, a União Europeia será confrontada com um difícil rol de novos desafios. A começar pela estratégia frente à Rússia e pela política de defesa e a terminar na agenda de liberalização do comércio. Um eventual fechamento comercial dos Estados Unidos poderá inaugurar uma era de protecionismo global que obviamente terá implicações económicas de toda a ordem.
3. Dada a visibilidade das eleições francesas e alemãs, praticamente toda a gente tem esquecido as eleições legislativas holandesas de 15 de Março de 2017. E elas serão decerto das mais relevantes na roleta dos actos eleitorais do ano que vem. São poucos os que têm dado atenção ao desempenho nas sondagens do Partido da Liberdade de Geert Wielders ao longo deste ano de 2016. O Partido da Liberdade – convém lembrar – é o grande aliado de Marine Le Pen e da Frente Nacional. Tem um programa eurocéptico e uma agenda anti-imigração, rejubilou com o Brexit e promete fazer um referendo sobre a continuidade dos Países Baixos na União Europeia. A liderança de Wielders é particularmente agressiva e polémica, recheada de afirmações xenófobas e de todo o tipo de provocações. Em Janeiro deste ano, em plena fase aguda de atentados terroristas e crise dos refugiados sírios, o Partido da Liberdade liderava as sondagens com quase 40% dos votos, mais do dobro do segundo partido, o Partido Liberal, do Primeiro-Ministro Mark Rutte. E embora tenha descido ao longo do ano, em Setembro continua à frente dos estudos de opinião empatado com os liberais. Quem tem uma descida clamorosa é o parceiro de coligação de Rutte, o Partido Social Democrata, a que pertence o nosso bem conhecido Jeroen Dijsselbloem e o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. De resto, esta descida inscreve-se numa tendência geral europeia de enfraquecimento dos partidos socialistas.
4. Os Países Baixos são um membro fundador da União e eram outrora conhecidos pelo seu europeísmo, pela sua abertura e pela sua tolerância. Mas quem seguir o actual debate político na Holanda já não reconhecerá essa matriz. Com uma população imigrante de cerca de 12%, em que 85% são imigrantes não europeus, os diques da Holanda cederam à agenda anti-imigração. Em Roterdão, 20% da população é muçulmana (incluindo o Presidente da Câmara) e em Amesterdão ronda os 17%. A tensão civilizacional e o medo do estrangeiro têm sido demagogicamente explorada pela direita radical.
Ora, a Holanda, tal como Portugal, tem uma relação especial com o Reino Unido. Foi essa âncora geopolítica nas ilhas britânicas que lhe permitiu manter-se independente da Alemanha, com quem, aliás, tem uma relação algo parecida com a relação Portugal-Espanha (a nossa independência também se apoiou historicamente na aliança britânica…). A tentação de seguir as passadas inglesas é enorme e a pressão do partido de Wielders para que se faça um referendo não cessa de aumentar. Os holandeses já deram um “não” à União, quando rejeitaram o Tratado Constitucional, e acabam de dar outro, a propósito do acordo com a Ucrânia. É decisivo não desvalorizar o que se passa nas velhas Províncias Unidas: um “Nexit” – Netherlands Exit – seria o golpe fatal na União Europeia.