Com a ofensiva terrestre, é a "guerra total" em Alepo

Tropas de Assad e seus aliados pressionam em várias frentes no terreno, onde socorristas não conseguem chegar a escombros e feridos graves são deixados a morrer.

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Depois de cinco dias de bombardeamentos intensos sobre Alepo, o regime de Bashar al-Assad e os seus aliados lançaram uma ofensiva terrestre em várias frentes para reconquistar a parte da cidade controlada pelos rebeldes.

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Depois de cinco dias de bombardeamentos intensos sobre Alepo, o regime de Bashar al-Assad e os seus aliados lançaram uma ofensiva terrestre em várias frentes para reconquistar a parte da cidade controlada pelos rebeldes.

A dureza da ofensiva, com explosivos que os habitantes de Alepo dizem nunca ter ouvido e que destroem até edifícios que não são o seu alvo, e com as tropas terrestres, são o sinal de que o regime está determinado em conseguir controlar todas as grandes cidades sírias – e que a Rússia, sua aliada, decidiu apostar numa hipótese militar desistindo de negociar.

Rebeldes no terreno e forças ligadas ao regime (no terreno combatem também milícias iranianas, libanesas, iraquianas) dão versões contraditórias de avanços e recuos das tropas de Assad. O regime diz estar já cada vez mais próximo da cidadela de Alepo.

A vida na parte ocupada de Alepo está a tornar-se cada vez mais insuportável para cerca de 250 mil pessoas que lá continuam. Não há quase nada para comer, não há água potável, não há meios para tratar doentes.

Como o regime atacou carros de bombeiros, há incêndios descontrolados. Como bombardeou ambulâncias e socorristas, há pessoas sob os escombros e ninguém para as tirar de lá. Além disso, as bombas anti-bunker chegam às caves. Abrem crateras de até cinco metros nas ruas quase desertas de uma cidade onde só quase se vêem escombros.

Grupos locais estimam terem morrido cerca de 200 pessoas nos últimos cinco dias, mas não têm como verificar.

Ammar al-Selmo, responsável do grupo Capacetes Brancos, deu um exemplo do ponto a que chegou: “Ontem, havia um homem ferido com gravidade. Não havia nada que eu pudesse fazer. Tive de o pôr num saco para cadáver enquanto ainda estava vivo, e deixá-lo.”

Há 30 médicos na cidade, centenas de feridos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Cruz Vermelha pediram que seja dada, com urgência, possibilidade de saída de feridos e doentes para conseguirem tratamento.

A um passo das armas nucleares

Um responsável diplomático descreveu as armas usadas como “um passo antes de armas nucleares”. Assad quer controlar Alepo, que foi a maior cidade da Síria e que é a única grande cidade que lhe escapa. Mas para o conseguir vai ter de levar a situação a um extremo. “Uma atrocidade que poderá ficar na História”, declarou o diplomata, sob anonimato, citado pelo Independent. O líder da NATO, Jens Stoltenberg, disse que os ataques sobre Alepo são “moralmente totalmente inaceitáveis e uma violação flagrante do direito internacional".

Já há dias, quando o regime anunciou a preparação de uma ofensiva terrestre, o enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, disse temer que uma batalha por Alepo fosse “uma luta lenta, triturante, rua a rua, durante meses, se não anos”, declarou.

Analistas vêem este ataque como a prova final de que Assad e a Rússia acham que podem ganhar uma vantagem decisiva no terreno sem serem contrariados.

“É a guerra total, porque Moscovo não acredita que Washington possa fazer o que quer que seja na Síria por falta de vontade ou incapacidade”, disse Fabriche Balanche, especialista em Síria do centro de estudos Washington Institute, à agência francesa AFP.

Uma vitória em Alepo “eliminaria toda a alternativa” de poder a Assad, privando a oposição do território que considera a sua capital, e deixando-a relegada a uma "insurreição periférica", disse também à AFP Thomas Pierret, da Universidade de Edimburgo.