Nasceu bebé com três pais graças a nova técnica

Rapaz tem material genético de uma segunda mulher para evitar uma doença das mitocôndrias, as “baterias” das células. Intervenção feita por equipa dos EUA no México, onde há um vazio legal.

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John Zhang, o chefe da equipa norte-americana, com o bebé ao colo DR

No México, nasceu o primeiro bebé resultante de uma nova técnica de fertilização in vitro (FIV) que tem material genético da mãe, do pai e de uma mulher dadora. A notícia foi avançada nesta terça-feira pela revista britânica New Scientist e é um marco importante na aplicação da engenharia genética contra a infertilidade causada por doenças genéticas.

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No México, nasceu o primeiro bebé resultante de uma nova técnica de fertilização in vitro (FIV) que tem material genético da mãe, do pai e de uma mulher dadora. A notícia foi avançada nesta terça-feira pela revista britânica New Scientist e é um marco importante na aplicação da engenharia genética contra a infertilidade causada por doenças genéticas.

O recurso a esta técnica foi usado por causa de uma doença que afecta as mitocôndrias – organelos que estão no citoplasma das células e produzem grande parte da energia das células, apelidados de “baterias” das células.

Em geral, uma célula pode ter centenas a milhares de mitocôndrias, consoante a função. Na fecundação do ovócito pelo espermatozóide, que dá origem a uma nova vida, as mitocôndrias do futuro bebé estão no citoplasma do ovócito. Elas são sempre herdadas da mãe.

As mitocôndrias têm a sua própria molécula de ADN (o cromossoma mitocondrial), com 37 genes importantes e podem dividir-se dentro das células. Por isso, quando uma célula se divide tem sempre consigo uma quantidade razoável de mitocôndrias. Mas estas divisões podem dar origem a mutações no ADN mitocondrial que provocam doenças. Se no grupo de mitocôndrias de um ovócito fecundado uma percentagem substancial delas tiver uma mutação genética, então o futuro bebé poderá adoecer e morrer.

É por isso que se discute a aplicação de técnicas FIV alternativas para evitar as doenças mitocondriais. Isso implica que haja uma “mãe” dadora de mitocôndrias saudáveis para o futuro bebé (já falaremos de como isto é feito). Ou seja, este futuro bebé terá material genético de três pessoas.

Aqui, é importante ter em conta a proporção do ADN. A maioria do ADN de cada humano está nos cromossomas do núcleo das células – quase 23.000 genes. O ADN mitocondrial representa menos de 1% do ADN de qualquer pessoa. Por isso, uma dadora de mitocôndrias dá uma pequeníssima percentagem de ADN a uma criança de três pais. Mas é o ADN que recebeu da mãe e do pai, no núcleo das células, que representa o grande bolo de ADN da criança.

Para já, o uso de material genético de três pessoas para a reprodução só tem enquadramento legal no Reino Unido, em vigor desde Outubro de 2015. Mas uma destas técnicas foi agora aplicada por uma equipa norte-americana no México, país onde “não há legislação”, segundo John Zhang, o chefe da equipa do Centro de Fertilidade New Hope (de Nova Iorque) que aplicou a técnica, citado pela New Scientist.

Nascido em Abril, o bebé que agora é notícia é um rapaz a caminho dos seis meses de vida. Os pais são jordanos. A mãe tem mutações genéticas da síndrome de Leigh (doença que afecta o desenvolvimento do sistema nervoso e é fatal). Cerca de um quarto das suas mitocôndrias têm mutações para aquela doença. Apesar de a mulher ser saudável, o casal tem tido muita dificuldade em ter filhos, adianta a New Scientist, que conta a história desta família.

Há 20 anos que o casal está a tentar ter um bebé. A mãe já teve quatro abortos espontâneos e os dois bebés que nasceram acabaram por morrer com síndrome de Leigh. Por isso, recorreram agora a uma dadora de ovócitos para aplicar a nova técnica de FIV. Para já, tudo parece estar bem com o bebé. Os exames médicos mostraram que menos de 1% das suas mitocôndrias têm a mutação.

Mas é preciso continuar a acompanhar o bebé. Os cientistas não sabem se as mitocôndrias com a mutação se multiplicam mais ou menos do que as outras mitocôndrias saudáveis. No passado, uma intervenção usada nos Estados Unidos com um fim semelhante acabou por ser proibida por causa do nascimento de crianças com problemas.

Três técnicas diferentes

Em Setembro de 2014, a BBC online  recuperava essa história por causa da legislação britânica. No artigo, falaram com Alana Saarinen, uma rapariga norte-americana que tinha material genético de três pessoas. Dizia-se então que era uma das 30 a 50 pessoas em todo o mundo nessa situação.

“Muitas pessoas dizem que tenho características faciais da minha mãe, e os meus olhos parecem-se com os do meu pai”, dizia Alana Saarinen à BBC. “Também tenho ADN de uma segunda senhora. Mas não a consideraria um familiar, tenho apenas algumas das suas mitocôndrias.”

A mãe da norte-americana, Sharon Saarinen, não conseguia ter filhos. Por isso, uma clínica norte-americana transferiu citoplasma com mitocôndrias saudáveis de uma dadora para um ovócito de Sharon Saarinen. Depois, injectou-se um espermatozóide do pai de Alana Saarinen, que fertilizou o ovócito. Como o ovócito carregava as mitocôndrias de uma segunda mulher, Alana nasceu com uma quantidade extra de ADN de uma terceira pessoa.

Segundo a sua mãe, Alana Saarinen era uma rapariga saudável. Mas alguns dos bebés que nasceram graças a essa técnica, iniciada no fim da década de 1990, vieram a ter doenças. Por isso, a Food and Drug Administration, a agência dos EUA responsável pela regulação de medicamentos, alimentos e tratamentos médicos, proibiu-a por precaução em 2002.

A técnica usada agora pela equipa médica que tratou a família jordana é diferente. A equipa retirou o núcleo de um ovócito de uma dadora com mitocôndrias saudáveis, substituindo-o pelo núcleo de um ovócito da mãe do bebé. Depois, fertilizou o ovócito com o espermatozóide do pai e implantou-o no útero da jordana. Foram criados cinco embriões com esta técnica, um vingou.

O casal optou por ir ao México submeter-se a esta técnica e não ao Reino Unido, onde este tipo de tratamento de infertilidade já é legal, por uma questão religiosa, explica ainda a New Scientist. No Reino Unido, a técnica aprovada é um pouco diferente da que o casal foi alvo. Usa-se um espermatozóide para fertilizar o ovócito da dadora com as mitocôndrias saudáveis. Depois, antes de o ovócito fertilizado começar a dividir-se, retira-se o núcleo fertilizado do ovócito da dadora e substitui-se pelo núcleo do ovócito fertilizado da “mãe” com o espermatozóide do pai. Como são muçulmanos, o casal não queria recorrer a este método porque se destruía um dos embriões – o núcleo fertilizado da dadora que foi para o lixo.

Nos Estados Unidos, nenhuma das técnicas de FIV está aprovada. Mesmo no Reino Unido, a legalização da técnica foi alvo de um debate, com muitas pessoas contra a intervenção por motivos éticos. Algumas temem que este tipo de técnicas cause doenças nos bebés, outras que abra a porta a uma era de humanos geneticamente modificados por razões mais frívolas do que doenças genéticas.  

Mas John Zhang é peremptório na decisão de ter ido para o México realizar a intervenção: “É ético salvar vidas.”