Um Dom Quixote chamado Mafalda

A Mafalda deu-me um dos conselhos mais preciosos que algum dia me deram: “Faz as coisas porque tu achas que podem fazer a diferença. Os outros não interessam.”

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Marta Poppe

Eu ainda não tinha chegado a Óbidos quando conheci a Mafalda. Nesse tempo eu ainda vivia numa outra vida que hoje me parece tão longe, numa raia para a qual nunca se olha para trás. Lemos uma notícia no jornal, que falava numa livraria infantil que abrira nos Casais Brancos. Ninguém abre uma livraria num sítio como os Casais Brancos, comentei. Mas pelos vistos uma mulher chamada Mafalda Milhões abrira. Fomos lá, num daqueles Domingos em que o nada para fazer nos manda fazer qualquer coisa. Quando lá chegámos senti-me em casa. Não por ser uma casa feita de livros, mas por ser uma casa feita de Mafalda. Porque uma casa que é feita de Mafalda é uma casa feita de um material de construção raro. Uma argamassa de sonhos, pessoas e de muita, mas muita teimosia. Lembro-me de achar impossível caber tanta coisa num corpo franzino como o dela. Principalmente os olhos, esses com demasiadas histórias para uma pessoa só.

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Eu ainda não tinha chegado a Óbidos quando conheci a Mafalda. Nesse tempo eu ainda vivia numa outra vida que hoje me parece tão longe, numa raia para a qual nunca se olha para trás. Lemos uma notícia no jornal, que falava numa livraria infantil que abrira nos Casais Brancos. Ninguém abre uma livraria num sítio como os Casais Brancos, comentei. Mas pelos vistos uma mulher chamada Mafalda Milhões abrira. Fomos lá, num daqueles Domingos em que o nada para fazer nos manda fazer qualquer coisa. Quando lá chegámos senti-me em casa. Não por ser uma casa feita de livros, mas por ser uma casa feita de Mafalda. Porque uma casa que é feita de Mafalda é uma casa feita de um material de construção raro. Uma argamassa de sonhos, pessoas e de muita, mas muita teimosia. Lembro-me de achar impossível caber tanta coisa num corpo franzino como o dela. Principalmente os olhos, esses com demasiadas histórias para uma pessoa só.

Passou uma mão cheia de anos desde esse Domingo. Pelo meio, eu e a Mafalda fomo-nos conhecendo, daquele conhecer a que se chama amizade. Até porque é fácil sermos amigos de um Dom Quixote. Eles guiam-nos pela mão. Não nos deixam desistir. São criaturas com uma força tramada, estes Dons Quixotes, pela simples razão que acreditam. Simplesmente acreditam. De lá do alto da livraria, a vermos Óbidos cá em baixo, as duas tivemos ideias malucas, concretizámos algumas, partilhámos angústias, desilusões, vitórias. Um dia, com uma caneca de chá na mão e pressentindo a minha vontade de desistir de um lugar, a Mafalda deu-me um dos conselhos mais preciosos que algum dia me deram: “Faz as coisas porque tu achas que podem fazer a diferença. Os outros não interessam.”

Hoje, a livraria “Histórias com Bicho” reabriu, depois de um par de anos de tormentas. Depois de dois Invernos rigorosos, um chuvoso e aquele outro que nos caiu sobre a economia do país, a livraria teve de fechar as portas. Mas hoje abriu-as de novo. Em pleno FOLIO, do qual ela é a curadora do Folio Ilustra. Toda a gente tem um sítio melhor para esta livraria, diz-nos a Mafalda, mas, para mim, ela tem de estar aqui. Que hei-de eu fazer? E eu penso, que é isso, que as coisas que fazem a diferença são aquelas que nos fazem sentido, mesmo quando os outros lhes chamam moinhos de vento, sem conseguirem ver os gigantes que nos assombram. E que não há maneira mais bonita de celebrar os 400 anos de Cervantes do que ouvir este D. Quixote chamado Mafalda a concretizar-se, com o castelo e o mar a verem-se lá em baixo, ao fundo.