Uma extraordinária falta de ética
Ao quebrar o acordo tácito com as suas fontes, José António Saraiva violou a ética do jornalismo.
Primeiro, pomos de parte a extrema soberba e o auto-deslumbramento que faz corar o mais vaidoso dos humanos. A seguir, pomos de parte a chocante devassa da vida privada de pessoas vivas e mortas. Depois, pomos de parte o rol de mexericos irrelevantes. E, finalmente, ignoramos as observações ridículas, como a de Passos Coelho dar apertos de mão que transmitem “confiança” apesar das suas “mãos muito brancas e quase femininas”.
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Primeiro, pomos de parte a extrema soberba e o auto-deslumbramento que faz corar o mais vaidoso dos humanos. A seguir, pomos de parte a chocante devassa da vida privada de pessoas vivas e mortas. Depois, pomos de parte o rol de mexericos irrelevantes. E, finalmente, ignoramos as observações ridículas, como a de Passos Coelho dar apertos de mão que transmitem “confiança” apesar das suas “mãos muito brancas e quase femininas”.
Cumprido o exercício, o que fica para ser debatido? A extraordinária falta de ética jornalística de um homem que foi director do semanário Expresso durante 22 anos.
Na capa do seu novo livro Eu e os Políticos, José António Saraiva anuncia em subtítulo: “O que não pude (ou não quis) escrever até hoje”. De imediato, não se compreende o que terá mudado em relação a “poder” escrever. É verdade que JAS já não é director do Sol, apenas conselheiro editorial. Mas isso não altera em nada a sua relação com a ética da profissão. Restará, então, o “querer”. E disso estamos certos: JAS quis escrever este livro e a sua editora, a Gradiva, quis publicá-lo.
Passos Coelho, como é sabido, sentiu-se “desobrigado” em relação ao compromisso de o apresentar. Terá tomado a decisão ao ler o livro e perceber que JAS se desobrigou em relação ao código deontológico do jornalista.
De uma assentada, JAS viola pelo menos metade dos artigos do código da sua profissão: 1) o jornalista deve escrever sobre “factos comprovados”; 2) “deve combater o sensacionalismo”; 3) deve “proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja”; 4) “deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor”; e 5) “deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público”.
O Livro de Estilo do PÚBLICO sublinha ainda três aspectos relevantes para esta polémica: proteger as fontes; rejeitar o boato e o sensacionalismo, a calúnia e a intromissão na esfera privada dos cidadãos; e usar o bom senso e o bom gosto. Por fim, a nossa “bíblia” defende que os jornalistas tenham com as fontes uma “relação com base na responsabilização, confiança e respeito mútuos”.
Sem moralismos nem vontade de dar voz aos zelotas da privacidade, o que importa nesta polémica é o facto de nenhuma das 42 pessoas com direito a capítulo neste livro ter falado com JAS imaginando que um dia leria as suas conversas de bastidores publicadas e com aspas. As cruas e embaraçosas opiniões de Passos Coelho sobre Dilma Rousseff foram em on? A “confissão” de que o governo português “inventou uma cimeira que não existia” para Rousseff foi em on? Rui Machete contou a JAS, quando era ministro da Justiça, os segredos de uma operação contra as FP25 em on? Manuela Eanes, “quase sempre às escondidas do marido”, “deu várias notícias em primeira mão” a JAS em on? Miguel Portas falou sobre o irmão em on? Os exemplos são inúmeros. Como é óbvio, todas estas pessoas conversaram com JAS sabendo que ele é jornalista. Mas também com uma razoável expectativa de que a conversa era privada e não seria reproduzida. Nem em on nem em off, nem com aspas nem sem elas.