Terrorismo: olho por olho e todos ficaremos cegos

Esta forma de desumana indiferença em que uma vida europeia pesa mais na indignação do que cem vidas árabes é também uma forma de fanatismo

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Abdalrhman Ismail/ Reuters

Um morto num atentado num qualquer país ocidental tem mais valor mediático do que 50 mortos num país árabe, desencadeando consequentemente mais lágrimas, dor e revolta. Porque “eles”, os malucos das bombas e fanáticos religiosos, andam sempre a matar-se, a tal ponto que já ninguém liga. Enquanto “nós”, deste lado do mundo, o lado civilizado, apenas nos impressionamos com mortes que pudessem realmente ter acontecido connosco.

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Um morto num atentado num qualquer país ocidental tem mais valor mediático do que 50 mortos num país árabe, desencadeando consequentemente mais lágrimas, dor e revolta. Porque “eles”, os malucos das bombas e fanáticos religiosos, andam sempre a matar-se, a tal ponto que já ninguém liga. Enquanto “nós”, deste lado do mundo, o lado civilizado, apenas nos impressionamos com mortes que pudessem realmente ter acontecido connosco.

Assim, quando há atentados numa metrópole europeia ou americana, somos todos Charlie, ou franceses, ou alemães. Ao passo que, se explodir um restaurante ou uma mesquita com 200 pessoas dentro, na Síria ou no Iraque, não sentimos a mesma empatia, porque o país que nos apresentam na televisão é um acumulado de escombros ao invés de avenidas plenas de automóveis, cafés e pessoas com sacos de compras, exactamente como os locais por onde passamos todos os dias.

Aliás, era essa também a visão dos gregos relativamente aos povos cuja língua e costumes não compreendiam, apelidando-os de bárbaros, comportamento não tão distante assim que adoptamos face aos povos muçulmanos. É um facto que os atentados no Médio Oriente se sucedem a um ritmo vertiginoso, continuando a morrer muito mais pessoas do que no resto do mundo, mas não só ninguém põe a bandeira de nenhum desses países na foto de perfil como, para meios de comuncação social, tais acontecimentos são uma mera nota de rodapé.

De quem devemos ter medo?

Consequentemente, para a generalidade do público, é apenas mais um dia de atentados naqueles países longínquos, de hábitos estranhos sobre os quais pouco sabemos. E como é lá, nos países dos terroristas, nós podemos continuar a viver com a consciência tranquila, sem sofrermos verdadeiramente, como se a Índia não fosse o único local onde as castas existem. Afinal, são “eles” quem tem vindo ao nosso país rebentar bombas, mas a razão pela qual isso acontece é que não parece interessar a ninguém.

Os factos históricos, remotos e mais recentes, as decisões da ONU, os financiamentos dos EUA, que depois se viram não só contra eles como contra o resto do mundo e, acima de tudo, o modo como o resto dos países ou apoia ou, pelo menos, vira a cara, têm de ser tidos em conta. Não têm os nossos governos responsabilidade em todos esses actos e, por consequência, não a temos também nós, por não exigirmos que nos prestem contas, tal como aconteceria numa democracia?

Esta forma de desumana indiferença em que uma vida europeia pesa mais na indignação do que cem vidas árabes, ou, porque não, africanas, é também uma forma de fanatismo. E convém não esquecer que ser um bombista suicida não é a única forma que existe de praticar o terrorismo; há outras menos explosivas e mais sub-reptícias, mas a longo prazo ainda mais destrutivas. Afinal, de quem é que devíamos realmente ter medo?