A propósito do imposto da Mariana (o marxismo explicado às crianças)
A esquerda sempre criou impostos para os mais abastados, por isso, de onde vem tamanha surpresa e exasperação?
E fica o país atordoado, encolerizado, com a proposta de imposto da Mariana para os mais ricos. Mas sempre a esquerda criou impostos para os mais abastados, por isso, de onde vem tamanha surpresa e exasperação? Isso só Deus sabe.
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E fica o país atordoado, encolerizado, com a proposta de imposto da Mariana para os mais ricos. Mas sempre a esquerda criou impostos para os mais abastados, por isso, de onde vem tamanha surpresa e exasperação? Isso só Deus sabe.
A questão do "capitalismo vs. marxismo" foi sempre, como já defendi em livro antigo ("Corpo e pós-modernidade", 2012), algo referente à metafísica. O capitalismo, liberalismo, coloca o assento na "liberdade", o marxismo na "determinação". Dirão alguns que é injusto taxar o que ganhámos com o nosso esforço, o que ajuntámos com base no nosso mérito. Mas ignoram muitos (esquece o corpo-mente, que sempre se pressentiu livre) que o "esforço", a "determinação", o "mérito", a "escolarização", a "graduação" configuram variáveis determinadas precocemente a nível epigenético.
Quem possui maior literacia teve, provavelmente, pais mais escolarizados e com maiores meios (a própria volição, em grande parte projecção da escolarização, constitui um factor primitivamente determinado). Claro, há excepções, dirão, mas não é verdade que só seja pobre quem quer, que, incessantemente, seja rico quem deseja (e o "querer"/"desejar" é tal-qualmente determinado).
Isto é advogado pelo capitalismo. E como vivemos, apesar de tudo, em estado liberal, acreditamos ser "justo" ganhar consoante as capacidades, ter a posição devida ao mérito (adicionamos-lhe um capote de "liberdade", e bem que é comum dizermos ser "livres" no que conseguimos gerir, deixando para a desculpa do "condicionamento" tudo aquilo em que não tivemos sucesso), porque foi esse o quadrante cognitivo com que crescemos e nos aculturámos. Consideramos "justo" o que, não obstante, é "desigual". Lembra, com obviedade, o "Admirável Mundo Novo" de Huxley: os clones de "baixa condição" eram edificados já de modo a venerar a sua parca vista, e não desejavam "subir". Obviamente, houve quem representasse a mutação...
Os igualmente condicionados "mutantes", "desadaptados", os que, supostamente, possuem maior "consciência de classe" e "inalienação" têm muita força porque se sentem injustiçados, e é possível que deles provenha o ensejo da mudança. Para Marx, até isto estaria "determinado", o surgimento inevitável do socialismo (e, possivelmente, do comunismo), aonde tudo passaria a funcionar com mor igualdade.
Mas há aqui coisas a ter em consideração. Como saber se este socialismo, esta utopia salvífica, compensa, a nível do "menor sofrimento", o "sofrer" dos ricos entretanto ressentidos? Se permanecêssemos no capitalismo, e muitos se conservassem na consciência "meritocrática", a maioria manter-se-ia feliz.
A "infelicidade" adviria de uma nova consciência, dita "proletária". Mas se esta fosse "frustrada", tudo continuaria na mesma, na felicidade do "antigamente" (as próprias estratégias de condicionamento "capitalista" possibilitam perpetuar o "mesmo de sempre"). Por outro lado, ficaríamos sem saber se a "revolução" seria compensada com uma bonita "Eutopia" no futuro, onde o PIF (Produto Interno de Felicidade) seria maior (começaria, decerto, por ser pequeno e cresceria à medida da nova consciência e do novel condicionamento realizado pelo novo Sistema, entretanto tendente, também ele, a perpetuar-se), senão "absoluto", sobretudo se tivesse a oportunidade de florir por mais tempo. Aí, no novo Estado, os sofredores "minoritários" seriam supostamente os "ricos" (os poucos que não tivessem sido deglutidos pelo Socialismo), quiçá os futuros revolucionários, patriarcas do (regresso ao) Capitalismo.
É uma questão de escolha consciente e livre? Para Marx não o era necessariamente, pois ele colocava a proa do futuro no destino (do "processo histórico") dos poucos, futuramente muitos, revolucionários, para os quais o sangue seria justificado pela redenção de um futuro glorioso. O caminho dialéctico seria esgotado pela resultante "comunista", na verdade, novel dogma, que, à semelhança do capitalismo, se pretende o "fim da História" (quando a realidade parece mais cíclica que "escatológica").
Assim sendo, que fazer? Manter tudo na mesma? Ou responder ao novo anseio, criando mais impostos para os ricos? Sim, muitos protestarão, mas, no futuro, sentirão o "bem" da coisa. O pior é que esse futuro pode não chegar a existir, e todos se manterão abespinhados em "eterno retorno" de ignomínia, que é o que tem acontecido constantemente no nosso país. Um dia destes hei-de sussurrar que nenhuma solução pode provir de um "modelo", que a "diferença" individual é precisamente o que justifica a eterna distopia.