Poderes local e central entraram em choque por causa do petróleo no Algarve
O governo, diz a Amal, tenta “cativar” os autarcas para fecharem os olhos à pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, mas não consegue. Em vez das energia fóssil, propõe-se uma alteração legislativa para as renováveis
A Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) lançou nesta terça-feira um apelo ao Governo para que seja criada uma Lei de Bases para o incremento das energias renováveis, mandado abaixo os contratos assinados com as petrolíferas. A proposta foi feita no decorrer de um debate, ocorrido na “Universidade de Verão” promovida pela Associação de Desenvolvimento Local In Loco. Neste encontro, os autarcas da região, em uníssono, voltaram a rejeitar a exploração de hidrocarbonetos, mas os deputados eleitos pelo distrito de Faro, à excepção do Bloco de Esquerda, deram o processo como irreversível, exigindo apenas que sejam feitos estudos de impacto ambiental.
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A Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) lançou nesta terça-feira um apelo ao Governo para que seja criada uma Lei de Bases para o incremento das energias renováveis, mandado abaixo os contratos assinados com as petrolíferas. A proposta foi feita no decorrer de um debate, ocorrido na “Universidade de Verão” promovida pela Associação de Desenvolvimento Local In Loco. Neste encontro, os autarcas da região, em uníssono, voltaram a rejeitar a exploração de hidrocarbonetos, mas os deputados eleitos pelo distrito de Faro, à excepção do Bloco de Esquerda, deram o processo como irreversível, exigindo apenas que sejam feitos estudos de impacto ambiental.
Através de uma “iniciativa cidadã”, a In Loco promoveu a debate para que seja alterado o decreto lei nº 109/94, o diploma que regula o acesso à prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo. Mas uma das activistas da PALP, Elvira Martins, rejeitou a proposta: “Toda a discussão é útil, mas o que se pretende não é a alteração do diploma, é a revogação de uma lei que não serve o interesse público”. Decorrido ano e meio de manifestações contra a exploração de hidrocarbonetos, diz sentir “alguma mágoa por se estar aqui a discutir a alteração de uma lei que só serve interesses privados”. Em alternativa, sugeriu uma proposta legislativa para o efectivo incremento da energia solar e eólica para que, progressivamente, fosse abandonada a energia fóssil.
Antes, já o presidente da câmara de Aljezur, José Amarelinho, classificara o diploma como uma “lei absurda, que não faz qualquer sentido”. O autarca socialista, recordando os resultados alcançados na Conferência de Paris, afirmou: “Se há um compromisso válido e vinculativo para todos os Estados-membros é pelo caminho das renováveis que temos de seguir”. Das conclusões desta cimeira , ficou a promessa de uma redução de 40%, até 2030, dos gases com efeito de estufa. Sobre o diploma em discussão, declarou: “Acho que deve ser revogado e, nesta matéria estou a favor do Bloco de Esquerda”. Por seu lado, o deputado João Vasconcelos, do BE, opinou: “O decreto-lei 109/94 não tem ponta por onde se lhe pegue, tem de ser revogado”.
A meio do debate, no painel dos autarcas, o presidente do município de Faro, Rogério Bacalhau, PSD, fez a pergunta que a assistência esperava ouvir: “Queremos ou não exploração de petróleo?” A plateia, como seria expectável, respondeu com um não sonoro, aplaudindo. Laurinda Seabra, da Associação de Surf e Actividades Marítimas do Algarve, acrescentou que está em marcha uma campanha para a recolha de assinaturas - já com quase 80 mil subscritores - para que esta questão seja levada à discussão no Parlamento Europeu. “Queremos chegar às 100 mil assinaturas”, adiantou.
Na troca de opiniões entre os deputados e a assistência, Paulo Sá, do PCP, preferiu defender a necessidade de serem efectuados estudos de impacto ambiental em todas as fases do processo, envolvendo nas decisões a população, depois de um “amplo” debate sobre todos os aspectos relacionados com esta indústria. “Não temos qualquer objecção à pesquisa para que o país conheça os seus recursos energéticos”, sublinhou. Quanto às denúncias das associações empresariais, que apontam para um cenário “ruinoso” para o turismo no caso de haver exploração petrolífera, disse: “São afirmações que carecem de estudos científicos que as suportem”.
Por sua vez, Fernando Anastácio, socialista, admitiu ter “alguma dificuldade [dentro do grupo parlamentar] em explicar a posição do Algarve estar contra a exploração de petróleo. ‘Então, vocês não querem conhecer os vossos recursos’, perguntam”. A resposta, vista de outro ângulo, foi dada pelo deputado social-democrata, Cristóvão Norte: “O parecer, pedido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República, permite separar as fases da pesquisa e prospecção da exploração”. Nesse sentido, manifestou-se tranquilo quando à exploração desde que fossem acautelados ou minimizados os impactos ambientais. Mas a deputada centrista Teresa Caeiro contrapôs: “Não vamos ser ingénuos: quem investe na pesquisa tem a perspectiva de um dia vir a fazer a exploração”.
Por seu turno, o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, PS, lembrou que os estudos de impacto ambiental podem esconder a verdadeira realidade das coisas. “Estudos há muitos, e já tive oportunidade de perceber que os estudos concluem a vontade de quem os paga”. Por isso, o autarca apelou à mobilização da opinião para manter a “pressão sobre o Governo” na luta contra as petrolíferas: “Estamos numa posição de desigualdade”, enfatizou. A tese foi subscrita pelo presidente da câmara de Tavira, Jorge Botelho, também presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve – Amal, que acrescentou: “O Governo tem-nos procurado cativar para a exploração do petróleo, mas manifestamente não consegue – interpusemos duas providências cautelar”.
Ao nível académico, João Camargo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, disse que o decreto lei que permitiu a assinatura de contratos, por negociação directa, está fora da realidade. “Na altura já era uma lei desajustada, hoje é uma lei criminosa”, criticou, alinhando com as posições defendidas pela PALP: “O interesse público não está salvaguardado”.
A investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Júlia Seixas, em declarações ao PÚBLICO, alertou para outra questão: “Um dia de prospecção, num furo, custa 60 milhões”. Assim, a eventual revogação da lei faz com que se corra o risco de o Estado vir a ser confrontado com muitos milhões de pedidos de indemnização. Um assunto sobre o qual os deputados evitaram falar .