O que esperar do IMI?
A política fiscal sobre o imobiliário não pode nem deve ser alvo de experimentações.
A polémica instalada em torno do alegado novo imposto sobre o património vem abrir uma brecha na necessária confiança dos portugueses na estabilidade e equidade do nosso sistema fiscal.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A polémica instalada em torno do alegado novo imposto sobre o património vem abrir uma brecha na necessária confiança dos portugueses na estabilidade e equidade do nosso sistema fiscal.
O IMI é um imposto local, calculado em função do valor patrimonial do imóvel. Este resulta da aplicação de uma fórmula em que intervêm vários factores: o valor por m2 de construção, a área construída, o uso a que o imóvel se destina, a localização, o coeficiente de qualidade e conforto e o chamado coeficiente de vetustez, que tem a ver coma idade.
A discussão recente sobre o agravamento do IMI sempre que um imóvel tenha maior valor de mercado, em função de vistas ou exposição solar, ou o seu desagravamento em caso contrário, surgiu nos jornais desfasada de qualquer contexto. O IMI não é calculado pelo valor de mercado, que é volátil e incorpora esses dados, mas pela fórmula do CIMI. Ora nos factores majorativos e minorativos que permitem calcular o coeficiente de qualidade e conforto não se incluem aqueles condicionantes. Este coeficiente, aliás, varia muito menos do que o de localização, que em Lisboa, por exemplo, pode fazer triplicar o valor patrimonial de um imóvel, consoante esteja num bairro periférico ou numa zona central. E no entanto a actualização recente deste coeficiente passou praticamente despercebida e sem qualquer polémica pública. Só o desconhecimento explica, quanto a mim, este aparente desinteresse.
Os anúncios isolados e extemporâneos de alegadas alterações do IMI a que temos assistido são um erro crasso que deputados ou membros do governo não deviam cometer. O único compromisso que existe no programa do governo, transposto para a lei 7-B/2016 de 31 de março, que aprova as Grandes Opções do Plano para 2016 -2019, em matéria de IMI, é o seguinte: “Revisão da tributação municipal do património, ponderando a introdução da progressividade no imposto municipal sobre imóveis.” Ponderar significa estudar, reflectir, pesar os prós e os contras. Onde é que está essa “ponderação”?
Estamos a falar de um imposto que tem grandes implicações nas políticas de habitação e reabilitação urbana. Uma política fiscal equilibrada não pode ser cega perante estas implicações nem ser contraditória com objectivos políticos essenciais. Como defender a melhoria da eficiência energética das habitações se isso vai contribuir para agravar o IMI? Como salvaguardar a estabilidade da habitação, quando sobre a casa própria recaem pesados impostos e sobre rendimentos de casa arrendada incide uma taxa de 28%, para além do IMI? Por que é que o alojamento local tem uma carga fiscal muito inferior? E depois admiram-se que não haja casas para alugar em Lisboa, que os preços disparem e que em certos bairros centrais sejam mais os turistas que os nacionais.
Cito estes exemplos para chegar a uma conclusão que devia ser óbvia: a política fiscal sobre o imobiliário não pode nem deve ser alvo de experimentações. Qualquer anúncio de agravamento fiscal, mesmo que não venha a confirmar-se, provoca desconfiança e incerteza, com consequências imediatas na retracção do investimento. E mais: tem de haver coerência entre a política fiscal e as restantes políticas públicas, nomeadamente a da habitação. De nada adianta lançar programas importantes e atractivos no sector se ao mesmo tempo surgem ameaças de alterações fiscais incompreensíveis, contraditórias ou mal explicadas.
A progressividade no IMI, que devia ser alvo de “ponderação” como está no programa do governo, não consta de nenhum dos acordos que garantem a existência deste governo. Donde vem então a pressão para a sua instituição imediata, a ponto de os jornais já estabelecerem valores de referência (500 mil, 1 milhão de euros)? Será essa a nova bitola para definir os “ricos”? Não sabem que quem mais acumula coloca tudo lá fora precisamente para fugir aos impostos? Estaremos apenas perante “palpites” resultantes dos trabalhos de um grupo PS-BE cujos resultados desconhecemos? Não creio que esta seja uma boa metodologia. Não é transparente e não permite o escrutínio público.
Apelo ao Primeiro-Ministro e Secretário Geral do PS. A arte da negociação em que é exímio não se compadece com este tipo de anúncios enviesados sobre o que esperar da política fiscal do governo e mais concretamente o que esperar do IMI. A confiança dos eleitores depende da clareza e da transparência com que as decisões são debatidas e comunicadas. É nisso que se deve focar e é essa a metodologia que deve exigir dos membros do seu governo e dos deputados que o apoiam.
Deputada, Coordenadora do Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidade da XI Comissão da Assembleia da República