Portugal “é um dos melhores países para se investir em indústria”
António Rios Amorim é o CEO da empresa que, por esta altura, mais brilha na bolsa portuguesa. No último ano, os títulos da Corticeira Amorim valorizaram cerca de 80% e a sua capitalização bolsista está próxima do BCP.
Há 15 anos a Corticeira Amorim (CA) estava entre a espada e a parede. O ataque às rolhas motivado por altas taxas de contaminação de TCA (composto químico que dá ao vinho o “cheiro a rolha”) e o sucesso dos vedantes de plástico e de metal ameaçavam as perspectivas da empresa. António Rios Amorim tomou as rédeas do poder no auge da crise e, 15 anos depois, a CA vale perto de mil milhões na bolsa. O combate ao “cheiro a rolha”, a subida para a listagem do PSI-20, a dispersão de 5,56% de capital próprio no mercado e os bons resultados do primeiro semestre explicam o estatuto da companhia. No futuro próximo, a família Amorim, com cerca de 85% da empresa, vai dispersar mais capital na bolsa, continua a estudar a compra de empresas lá fora, vai manter a aposta na tecnologia e na inovação e promete empenhar-se mais na produção florestal. Mas a sua base industrial será sempre Portugal. A visão de um gestor que acredita que, na cortiça, a melhor parte da história ainda está para vir.
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Há 15 anos a Corticeira Amorim (CA) estava entre a espada e a parede. O ataque às rolhas motivado por altas taxas de contaminação de TCA (composto químico que dá ao vinho o “cheiro a rolha”) e o sucesso dos vedantes de plástico e de metal ameaçavam as perspectivas da empresa. António Rios Amorim tomou as rédeas do poder no auge da crise e, 15 anos depois, a CA vale perto de mil milhões na bolsa. O combate ao “cheiro a rolha”, a subida para a listagem do PSI-20, a dispersão de 5,56% de capital próprio no mercado e os bons resultados do primeiro semestre explicam o estatuto da companhia. No futuro próximo, a família Amorim, com cerca de 85% da empresa, vai dispersar mais capital na bolsa, continua a estudar a compra de empresas lá fora, vai manter a aposta na tecnologia e na inovação e promete empenhar-se mais na produção florestal. Mas a sua base industrial será sempre Portugal. A visão de um gestor que acredita que, na cortiça, a melhor parte da história ainda está para vir.
Nas últimas semanas a Corticeira Amorim tem disputado com o BCP a liderança da capitalização do PSI 20. Como se sente na pele de líder da mais valiosa empresa do país?
Estamos a falar de sectores e realidades diferentes. Temos de ver a valorização da CA pela performance actual da empresa e pela que ela pode ter no futuro. Compará-la com o BCP e com uma instituição de qualquer negócio diferente é disparatado. A CA tem tido uma valorização crescente do seu título em bolsa, fruto de um conjunto de circunstâncias. A primeira é a performance financeira e o crescimento que tem demonstrado, não só no seu volume de negócios mas, sobretudo, no EBITDA [lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciações e amortizações]. A segunda foi a dispersão de acções próprias que fizemos há um ano, e que deu mais profundidade ao título, deu-lhe maior liquidez, porque o free float [acções em livre negociação no mercado] é apenas 15%. Portanto quem compra não está tão receoso de não encontrar procura na venda. A terceira foi a entrada no PSI-20. Dá uma notoriedade diferente.
O facto de o ano passado terem tido uma política razoavelmente generosa de dividendos não teve influência?
Era a quarta razão que eu ia dar para esta performance. A empresa tem um balanço bastante sólido. A situação financeira é forte. Isto permite uma crescente distribuição de dividendos, o que faz com que, face a alternativas que existem hoje no mundo financeiro, uma aplicação no grupo Amorim revela-se ser uma boa aplicação. A distribuição do ano passado tem de ser dividida em duas partes. Uma parte foi a devolução aos accionistas da mais-valia gerada com a venda de acções próprias. E a outra está relacionada com a evolução do dividendo normal.
Este ano não é expectável que mantenha uma distribuição tão generosa?
É expectável que haja uma distribuição, crescente até, mas não serão 50 milhões de euros como foi no ano passado. Porque destes 50 milhões, 27 milhões foram a mais-valia que a empresa fez com a venda de acções próprias.
Admitem aumentar a margem de free float?
Será um dos próximos temas de discussão entre os accionistas. A família, desde 1988, nunca teve uma participação tão grande como tem hoje. Tinha 55%, 51%... Só nos últimos anos é que, com a desvalorização da empresa em bolsa, compramos e reforçamos a nossa posição accionista. Algum aumento de liquidez será bem visto pelo mercado porque aumenta a profundidade do título. Entram num papel que eu acho que é apetecível, com uma distribuição de dividendos que tem um bom retorno do investimento. É algo que está em cima da mesa, mas não estamos nunca a falar de dispersões muito grandes… mais 5 ou 10%.
Comprar mais empresas lá fora está no vosso horizonte?
Está no nosso radar, claramente. Estamos em discussão com uma ou duas empresas. O nosso problema é que agora os múltiplos que se paga de EBITDA são muito mais altos do que a empresa está disponível a pagar. Já perdemos uma operação porque a nossa concorrência nas aquisições são os private equitys e family offices que, efectivamente, pagam múltiplos superiores àquilo que os profissionais [do sector] estão dispostos a pagar. Chegámos a excluir uma operação de aquisição por causa disso, mas temos outras debaixo de olho.
Na parte da distribuição apenas?
É precisamente na área de distribuição que nós procuramos investimentos. A nossa base industrial é Portugal. E consideramos que é um dos melhores países para se investir em indústria. Somos competitivos, eficientes, temos uma mão-de-obra cada dia mais qualificada. E temos uma mais-valia para quem trabalha na CA - é ter uma exposição internacional: 96,5% do nosso negócio está fora daqui. Se nós conseguirmos reunir isto com uma equipa que seja capaz de dar um projecto de futuro a estas pessoas, acho que Portugal é o melhor país para investir na Europa. Não tenho nenhuma dúvida.
Está a falar só na indústria da cortiça ou da indústria em geral?
Estou a falar, por maioria de razão, da indústria corticeira, porque é aqui está, em grande parte, a mão-de-obra qualificada. Vamos ter sempre a nossa base industrial em Portugal. O que procuramos fora são sobretudo investimentos ligados à aérea de distribuição, que permitem potenciar o crescimento do volume de negócios, o crescimento da nossa base industrial. É isso que temos vindo a fazer. Temos uma ou duas excepções na Catalunha e uma pequena unidade industrial vocacionada para o aerospace nos EUA. Tudo o resto são operações de distribuição e de acabamento do produto.
Conseguia imaginar que no auge da crise das rolhas a CA fosse capaz de ter hoje este desempenho?
Na componente rolha, acho que sempre acreditámos. Em 2000, 2001 houve uma decisão interna sobre se devíamos ir para os plásticos e screwcaps [tampas de metal], e a decisão, que não foi emocional, foi racional, foi a de ficar na cortiça porque havia muito por fazer pela cortiça.
Estiveram a ponderar mudar para o screwcap?
Estivemos! No ano de 2002, numa abertura de espírito, encarou-se a possibilidade de entrar por aí e a decisão foi ‘não’. E não porquê? Porque a cortiça é um produto absolutamente único, com potencial de melhoria. Ficámos com a cortiça. Mas não da mesma forma. Tivemos de investir em I&D, em novos produtos, na luta contra o TCA na melhoria de todo o processo industrial.
Nessa altura a CA tinha má imprensa, principalmente no poderoso sector do jornalismo de vinhos britânico e norte-americano. Diziam que a CA era arrogante e insensível aos danos do TCA. Essa percepção está ultrapassada?
Ainda temos um pouco de tudo. Mas claramente que o shift aconteceu ao longo destes últimos dois anos. Hoje em dia temos muito mais gente a escrever a favor da rolha de cortiça do que tínhamos há dez anos, quando a imprensa era bastante penalizante. Hoje temos críticos australianos, americanos, ingleses que se retractaram, que já se arrependeram do que disseram há dez ou 15 anos. E retractaram-se porque conseguimos provar que esse potencial de melhoria da cortiça existia. Era nisso que não acreditavam; foi isso que conseguimos provar.
Reconhece que houve uma mudança de atitude face ao problema?
Encarámos o problema. E encarar o problema significa ver o que se passa. Analisar e fazer alguma coisa. Ter de actuar. Actuámos com I&D, com investimento, com lançamento de novos produtos, com um aumento de verticalização. Tudo isso teve consequência na melhoria significativa da performance da rolha da cortiça. Isso retirou aos críticos grande parte dos argumentos. O próprio Parker [Robert Parker, um influente crítico de vinhos norte-americano], que fez afirmações bombásticas, dizendo que, a prazo, a cortiça seria residual, disse há dois ou três anos na Rioja [região vitícola da Espanha]: ‘Estou impressionado com aquilo que a cortiça evoluiu’. Portanto, toda esta mudança não foi emocional. Felizmente, a CA e o sector da cortiça como um todo tiveram uma evolução positiva. Nós não fizemos nada sozinhos. Temos um papel relevante mas… claramente que houve uma mobilização do sector.
Nesse processo, que respostas obtiveram do sistema tecnológico português?
Uma resposta positiva. Começámos a trabalhar com centros de investigação internacional ligados ao mundo do vinho, como a Universidade de Bordéus, o Australian Wine Research Institute, o ETS em Nappa Valley… Os temas de controlo de qualidade que temos hoje foram desenvolvidos pela indústria da cortiça como um todo e por um laboratório americano. Foi isso que nos permitiu ter um benchmark para vermos a progressão que estamos a ter através de uma análise que não era sensorial; era uma análise objectiva de um cromatógrafo. Isso foi a fase inicial, para mostrar ao mundo que tínhamos uma atitude de mudança. Hoje, temos cientistas portugueses da melhor qualidade e aquilo que fazemos muitas vezes é fazer investigação com as faculdades de engenharia do Minho, do Porto e depois validamos essa investigação junto destes centros internacionais. É isso que vende.
Como está a correr o negócio das rolhas ND Tech, tecnologia que detecta a presença de TCA em cada uma das rolhas da linha de produção? Cada rolha pode custar até dois euros, que é um valor mais alto do que o preço de alguns vinhos…
Não fazemos assim. Nós temos rolhas no mercado que vão de dois cêntimos a dois euros. O nosso preço médio é nove cêntimos e meio. O preço de cada rolha não muda e vamos ter um custo pelo serviço de fazermos a detecção de TCA. Vamos cobrar um serviço, 15 cêntimos de dólar ou 12 cêntimos de euro por rolha, mas tanto cobramos nas rolhas de dois euros como na de 30 cêntimos. Temos clientes que dizem “eu não quero nada disso’”, porque não têm problemas com as rolhas e não querem pagar mais. E temos clientes que, para as suas três, dez ou 15 mil garrafas, que não se sabe se são vinho ou um produto de luxo, querem ter a certeza de que não vão ter nenhuma incidência de TCA.
O objectivo é chegar às 100 milhões de rolhas testadas por ano?
Nós queremos ultrapassar esse valor. Mas a tecnologia não se desenvolve com a celeridade que nós gostaríamos.
Nos últimos anos os investimentos feitos pela CA na diversificação têm sido enormes. Mas as rolhas continuam a representar 65% do volume de negócios da companhia. Esta situação desconforta-o?
Não. As novas aplicações são para nós um dos drivers do crescimento e da rentabilidade futura da empresa. Mas há que desmistificar uma coisa relativamente à rolha: a rolha de cortiça representa se calhar 25 ou 26% do peso das exportações e mais de 60% do valor das exportações. Poucos produtos na cortiça geram tanto valor como a rolha. É a rolha que nos permite ser competitivos a comprar cortiça na floresta. Todos os outros produtos vivem de subprodutos gerados na produção de rolha ou de produtos que vêm da floresta mas que têm uma valorização inferior. No dia em que eu não tiver as rolhas naturais de alta gama, o que vale 50 ou 60 cêntimos vai ter de valer muito mais e vamos perder competitividade nas aplicações que temos no mercado. Isto dá para perceber a relevância em termos de valor acrescentado que a rolha de cortiça natural tem neste mercado. Dito isto, aquilo em que nós acreditamos é que a cortiça é um produto com um potencial onde tudo está por explorar. Como acreditamos muito nisto, começámos, a partir de 2004 ou 2005, a investir fortemente em recursos, em parcerias, por exemplo com a Universidade do Minho, e hoje em dia temos uma forma de introduzir a inovação destas aplicações dentro da empresa.
A Amorim Cork Ventures (ACV) insere-se nessa estratégia?
A experiência da ACV tem a ver com o facto de nós acharmos que muita da inovação disruptiva que é preciso no sector da cortiça dificilmente virá de dentro do sector e, portanto, é preciso colocar esta questão a entidades terceiras e, eles sim, vão pensar out of the box e vão-nos trazer ideias. Aquilo que nós queremos não é liderar projectos: é que essas aplicações gerem valor, notoriedade, que criem uma percepção ainda mais favorável para a cortiça e lhe aumente o mercado no futuro.
Já há duas empresas seleccionadas para avançar. Vão fazer o quê?
Uma vai lançar as “Portuguesas”, que são flip flops [chinelas tipo havaianas] em cortiça, com conforto, diferenciação em termos de imagem, um produto sustentável, para dar ao mercado uma alternativa. Está a andar muito bem, apesar de as vendas serem só online. Agora é preciso fazer o scale up disto para a distribuição normal e para o mercado internacional. Mas nós apoiamos os empreendedores, não queremos substituí-los. O que temos verificado é que há ideias fantásticas. Mas há poucos projectos. Ideias já tivemos mais de cem; projectos, poucos. Isto está a levar mais tempo porque temos de fazer a incubação destas ideias. Já fizemos dois calls em Portugal e um em Barcelona, mas queremos ir para os Estados Unidos. Acho que isto vai ter um outro impacto lá. Os Estados Unidos são o nosso primeiro mercado e podemos ter o apoio das nossas empresas.
Tem receio que a degradação do montado nacional possa pôr em causa a sustentabilidade a prazo desta indústria?
Essa é a preocupação, a principal preocupação. Nós neste momento temos um projecto para tentar alterar este estado de coisas, porque temos um mercado com um potencial que consideramos importante e não podemos estar limitados na parte da matéria-prima. O sobreiro demora 25 anos a produzir cortiça, mas há experiências realizadas no Alentejo com sobreiros irrigados nos quais se tirou cortiça ao final de oito anos. Oito anos.
Ou seja, menos do que o ciclo médio da extracção?
Mas, que sejam dez anos… Nós temos aqui um ponto de partida muito grande para que este seja um projecto dos principais da Corticeira Amorim.
Falta ciência na produção?
Eu acho que temos muita capacidade de investigação na área do sobreiro mas é preciso pensar um bocadinho fora da caixa. Aquilo [a irrigação] alguém, que não nós, tentou e provou que é possível fazer no Alentejo. Nós se calhar podemos tirar partido daquela meia dúzia de hectares e tentar alargar esse projecto para ter 50 mil hectares de sobreiros irrigados para reduzir o ciclo inicial do sobreiro, retirando-lhes gradualmente a alimentação de água para entrar depois no ciclo normal, de modo a que as qualidades e características da cortiça não se alterem.
Vão apostar, portanto, na produção de matéria-prima?
Estamos a pensar fazer parcerias com produtores florestais. Contrariamente à Portucel ou à Altri, não temos um hectare de sobreiros no nosso balanço. Vamos ver como isto se desenvolve. Este ano vamos investir com dez produtores florestais em Portugal e vamos fazer 300 hectares. Mas o objectivo não é fazer 300. O objectivo de Portugal é chegar aos 50, 60 ou 70 mil hectares. Hoje temos 700 mil hectares de sobreiros com uma densidade média de 50 ou 60 árvores, mas se formos plantar podemos reforçar a densidade. A plantação é subsidiada pela União Europeia, mas a irrigação não é. Essa parte da irrigação é que vamos ter de encontrar parcerias com os produtores, no terreno deles, valorizando os activos deles, motivando-os para isto. O ciclo de nove anos não é o que é não-competitivo no sobreiro. O eucalipto demora mais a ser cortado. Isto pode mudar o nosso futuro.
Está na CA desde 1986, é CEO desde 2001. Há consultores que em público o consideram um dos melhores gestores do país. Não se sente atraído por outros desafios em outras áreas de negócio, seguindo o exemplo do seu tio Américo Amorim?
Somos pessoas diferentes, com formações diferentes. Eu acredito cegamente neste produto que é a cortiça. E acho que há muito mais para fazer do que aquilo que foi feito. Enquanto tiver este entusiasmo e meios para poder puxar pela cortiça, gostava de continuar na cortiça. É aqui que sinto que posso acrescentar mais valor. Tenho um conhecimento grande no sector e do negócio e uma crença enorme neste produto. Um dia destes fez-se um inquérito interno aos jovens quadros por pensarmos que eles ficavam na CA por poderem fazer uma carreira internacional ou pelo facto de a gestão ter dado resultados. Mas a maior parte das pessoas gosta de trabalhar aqui pelo amor que tem à cortiça. Isto é uma coisa diferente do que vemos na maior parte dos outros sectores. Há aqui a mobilização de uma grande equipa e enquanto houver trabalho para fazer eu acho que estou muito bem onde estou.
A cortiça é a sua segunda pele…
Sem dúvida.