O saloio de Mação e o engenheiro da Covilhã
A saga da operação Marquês tem garantidos mais seis animados meses.
O ex-primeiro-ministro José Sócrates está, de novo, ao ataque como é próprio de um animal feroz. Os seus advogados apresentaram, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, um pedido de afastamento do juiz Carlos Alexandre, do processo Operação Marquês. Em causa estarão as expressões utilizadas pelo referido juiz na entrevista da semana passada à SIC ao caracterizar a sua situação económica: “Sou o ‘saloio de Mação’ com créditos hipotecários, que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiros em nome de amigos, não tem contas bancárias em nome de amigos”.
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O ex-primeiro-ministro José Sócrates está, de novo, ao ataque como é próprio de um animal feroz. Os seus advogados apresentaram, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, um pedido de afastamento do juiz Carlos Alexandre, do processo Operação Marquês. Em causa estarão as expressões utilizadas pelo referido juiz na entrevista da semana passada à SIC ao caracterizar a sua situação económica: “Sou o ‘saloio de Mação’ com créditos hipotecários, que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiros em nome de amigos, não tem contas bancárias em nome de amigos”.
Já antes ao falar da sua alegadamente penosa situação económica, Carlos Alexandre afirmara: “Como eu não tenho amigos, amigos no sentido de pródigos, não tenho fortuna herdada de meus pais ou de meus sogros, eu preciso de dinheiro para pagar os meus encargos. E não tenho forma de o alcançar que não seja através do trabalho honrado e sério.”
Poucas horas depois de terminar a entrevista, já José Sócrates publicava, a seu pedido, no “Diário de Notícias” um artigo de resposta à entrevista em que considerava a afirmação de Carlos Alexandre de que não tinha “contas bancárias em nome de amigos”, como “uma cobarde e injusta insinuação baseada na imputação que o Ministério Público” lhe fizera no processo em que é arguido e que, ao fazer “tão grave e falsa insinuação”, o juiz Carlos Alexandre evidenciara “não ter a imparcialidade que é exigível a um juiz de instrução na condução deste processo”. O ex-primeiro ministro, no seu artigo de opinião, considerava mesmo que Carlos Alexandre faltara “aos seus deveres de magistrado emitindo em público, embora com recurso à insinuação, um evidente juízo de culpabilidade”, isto é, segundo José Sócrates, as expressões acima transcritas correspondiam à afirmação pública pelo juiz de instrução de que era culpado na operação Marquês. E, por isso mesmo, já dera instruções aos seus advogados para apresentarem as respectivas queixas nos órgãos judiciais competentes. Segundo o PÚBLICO, a queixa foi, entretanto, apresentada no Tribunal da Relação de Lisboa cabendo a este tribunal decidir se há ou não fundamentos legais para o pretendido afastamento.
Para ser afastado um juiz num processo, nos termos da lei, é necessário convencer o tribunal da Relação que a intervenção do juiz no processo em causa corre o risco de ser considerada suspeita por existir um motivo sério e grave que terá de ser adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. Basicamente, embora não conheça o teor do incidente apresentado pelos advogados de José Sócrates, estes defenderão que as referidas expressões do juiz Carlos Alexandre serão o motivo sério e grave exigido pela lei.
Se o é ou não, não posso dar a minha opinião dada a minha qualidade (ou defeito) de advogado que me proíbe de pronunciar-me publicamente sobre processos pendentes. Mas da entrevista e das declarações em causa surgiu também, apresentada por um cidadão desconhecido, uma queixa no Conselho Superior de Magistratura (CSM) contra Carlos Alexandre, naturalmente, por violação dos seus deveres de reserva, uma vez que o estatuto dos magistrados lhes impõe um dever de reserva, não podendo pronunciar-se publicamente sobre processos judiciais pendentes nos tribunais. Caberá, pois, ao CSM decidir se se justifica ou não abrir um processo disciplinar para apurar da eventual existência de qualquer infracção por parte do juiz de Mação.
Pese embora a entrevista seja, no essencial, inócua e irrelevante, parece-me inequívoco que Carlos Alexandre tinha consciência que se ia tornar o centro de uma polémica que ia inevitavelmente criar. O que justifica, pois, que, após anos e anos de recusas, se tenha agora decidido a conceder uma entrevista? Para ser agradável à jornalista? Porque achava importante que os telespectadores e a população em geral conhecessem a sua infância, as suas preocupações económicas e de saúde? Por desfastio? Para criar uma polémica pública? Para se afastar ou ser afastado do processo da operação Marquês sob as vestes de mártir? Se calhar, um pouco de tudo...
A polémica está, pois, instalada e em várias frentes; agora, segundo o jornal Correio da Manhã, que supomos bem informado, o super juiz já terá feito saber que "tomará a iniciativa de pedir escusa de todos os processos que tem em mãos caso seja aberto um processo disciplinar" pelo CSM, isto, independentemente do resultado do mesmo.
Certo é que Carlos Alexandre, ao dar a entrevista, ao falar nos amigos pródigos que não tem e ao anunciar que irá pedir escusa em todos os processos que tem em mãos caso o CSM entenda abrir um processo disciplinar, aderiu a uma estratégia de ruptura tão do agrado do principal arguido do processo Operação Marquês. E a dúvida é: com vantagens para quem?