UE discute se quer uma defesa comum europeia, com reticências

França e Alemanha apresentam propostas que não coincidem totalmente com as da Comissão Europeia.

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Hollande e Merkel uniram-se para propor uma optimização das capacidades militares europeias STEPHANE DE SAKUTIN/AFP

A defesa europeia foi um dos temas no centro do debate da cimeira de Bratislava, nesta sexta-feira. Mas avança a passo miúdo, porque não há consenso em torno de um projecto ambicioso, embora todos concordem que a União Europeia, atingida por crises, pela ameaça terrorista e a proximidade de guerras, deve investir mais na sua segurança e na sua defesa comuns.

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A defesa europeia foi um dos temas no centro do debate da cimeira de Bratislava, nesta sexta-feira. Mas avança a passo miúdo, porque não há consenso em torno de um projecto ambicioso, embora todos concordem que a União Europeia, atingida por crises, pela ameaça terrorista e a proximidade de guerras, deve investir mais na sua segurança e na sua defesa comuns.

A perspectiva de saída do Reino Unido, uma das duas grandes potências militares da UE, juntamente com a França, suscita interrogações e inquietudes, ainda que alguns observadores acreditem que a partida do país mais eurocéptico facilitará a execução de muitos projectos.

“Mas ir mais longe na defesa comum é uma forma de integração europeia que poucos Estados-membros têm vontade de explorar”, constata Vivien Pertusot, do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), em Bruxelas. No entanto, a França e a Alemanha, que se diz disposta a assumir mais responsabilidades, traçaram algumas pistas nesse sentido, modestas mas concretas.

“O que queremos é que seja mais fácil pôr no terreno as operações da UE. Não estamos com grandes ideias nem grandes orientações que não levarão a parte nenhuma”, diz uma fonte do gabinete do ministro francês da Defesa, Jean-Yves Le Drian.

Mas Judy Dempsey, do think tank Carnegie Europe, considera que esta proposta é no mínimo “ingénua”, embora tenda a classifica-la como “hipócrita”. “Com ou sem Reino Unido, os Estados-membros da UE vão bater-se ferozmente por continuar a controlar os seus exércitos”, afirma.

Partilha de custos e esforços

França e Alemanha dizem querer, antes de mais que haja mais financiamento europeu para as operações militares da UE, que hoje são essencialmente pagas pelos Estados-membros que nelas participam.

Nos últimos 13 anos, a UE tem feito missões de formação dos exércitos africanos (Somália, Mali, República Centro-Africana, por exemplo); de luta contra a pirataria marítima (operação Atalante); e, mais recentemente, contra o tráfico de migrantes (operação Sofia). Mas foi difícil iniciar algumas destas missões, porque os Estados não disponibilizaram soldados. A França e a Alemanha sugerem, por isso, a criação de reservas de formadores e conselheiros militares que possam ser mobilizados rapidamente.

Para lutar contra a falta de meios, propõem ainda a partilha das capacidades de transporte (terra, mar e ar) e de imagens de satélite no seio de um centro logístico europeu, e a criação de um comando médico europeu, que ficaria encarregue dos feridos nos teatros de operações.

França e Alemanha pedem também à UE que invista na investigação científica militar, para favorecer a criação de uma verdadeira indústria de defesa europeia. “A falta de cooperação militar no campo da defesa custa à Europa entre 20 e 100 mil milhões de euros anuais”, diz o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Para as operações militares que impliquem forças de combate, Paris e Berlim pretendem melhorar o funcionamento dos grupos de batalha – agrupamentos de 1500 soldados colocados em alerta, em regime de rotação, em diferentes Estados-membros, e mobilizáveis no prazo de 15 dias. Nos últimos anos, não foram activados por falta de vontade política. Em alguns casos, os países em alerta não eram os mais dispostos a intervir, nomeadamente em África.

Quartel-general não interessa

Já a criação de um quartel-general permanente europeu, proposta pelo presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, não é um objectivo de interesse imediato para Paris e Berlim, ainda que Londres deixe de estar presente para se opor. “Provavelmente, outros Estados-membros também não vêem com bons olhos esta ideia, mas têm-se escondido por trás da oposição do Reino Unido”, comentou Vivien Pertusot.

Alguns países da Europa Central, como a Hungria e a Polónia, propunham antes da cimeira ir mais longe, e “iniciar já a constituição de um exército europeu comum”. Querem reforçar a sua própria segurança face à Rússia, uma vizinha próxima, em vez de criar uma força rapidamente mobilizável para dar resposta às ameaças terroristas que vêm do Sul – um debate que decorre também no seio da NATO.

Se não houver acordo a 27 em Bratislava, Paris e Berlim propõem que se avance nas negociações sobre defesa num grupo mais restrito, utilizando um mecanismo previsto pelo Tratado de Lisboa mas que nunca foi activado. Isto constituiria uma “verdadeira mudança de etapa”, sublinha o documento que reúne as propostas franco-alemãs. A Alta Representante da União Europeia para a Política Exterior, Federica Mogherini, também defende esse avanço a duas velocidades para essa "cooperação permanente e estruturada" na área da defesa, diz o site Politico.

Os ministros da Defesa europeus vão reunir-se a 26 e 27 de Setembro, e novamente a 15 de Novembro, para discutir medidas concretas, depois de os chefes de Estado e de Governo se porem de acordo sobre as linhas gerais em Bratislava.