Da cartola de Cristina sai um belíssimo som
Entrou no samba pela Portela, há trinta anos, mas dedica um disco a um dos génios da “rival” Mangueira: Cartola. A cantora, que em boa hora Caetano Veloso trouxe a Portugal pela primeira vez, deixa a sua marca em Teresa Cristina Canta Cartola, CD/DVD gravado ao vivo.
Teresa Cristina, brasileira, cantora, não é propriamente uma principiante. Nascida num subúrbio do Rio de Janeiro em 28 de Fevereiro de 1968, começou a cantar há três décadas e gravou uma mão cheia de discos, o primeiro dos quais, em 2002, dedicado a Paulinho da Viola. Mas nunca calhou vir a Portugal. "Sempre quis vir, mesmo antes de ser cantora. Não me perguntem, não sei explicar porquê." Mas nunca a tinham convidado, até agora. "O primeiro convite que recebi para cantar em Portugal", diz Teresa, divertida, "foi de um brasileiro, Caetano Veloso." E foi com ele que Teresa Cristina subiu por duas vezes ao palco de um Coliseu de Lisboa cheio, nas noites de 6 e 7 de Setembro, fazendo as primeiras partes e, no final, cantando junto com ele.
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Teresa Cristina, brasileira, cantora, não é propriamente uma principiante. Nascida num subúrbio do Rio de Janeiro em 28 de Fevereiro de 1968, começou a cantar há três décadas e gravou uma mão cheia de discos, o primeiro dos quais, em 2002, dedicado a Paulinho da Viola. Mas nunca calhou vir a Portugal. "Sempre quis vir, mesmo antes de ser cantora. Não me perguntem, não sei explicar porquê." Mas nunca a tinham convidado, até agora. "O primeiro convite que recebi para cantar em Portugal", diz Teresa, divertida, "foi de um brasileiro, Caetano Veloso." E foi com ele que Teresa Cristina subiu por duas vezes ao palco de um Coliseu de Lisboa cheio, nas noites de 6 e 7 de Setembro, fazendo as primeiras partes e, no final, cantando junto com ele.
Teresa veio cantar exclusivamente o repertório de Cartola, compositor genial da Mangueira, ao qual dedicou o seu último trabalho, um espectáculo gravado em disco, o CD/DVD que é agora lançado em Portugal com selo da Nonesuch e distribuição da Warner Music. E também aqui Caetano foi decisivo. Não que ela o conhecesse há muito, até porque em criança, embora já ouvisse música brasileira em casa, Teresa gostava mais de ouvir disco (Donna Summer, Barry White, Earth Wind and Fire, Evelyn "Champagne" King, Tina Charles), sons da Motown (Michael Jackson, Diana Ross) ou Carole King. Mas, atraída para o samba, aos 25 anos, por um disco de Candeia, o que a levou à Velha Guarda da Portela, mergulhou na música popular brasileira. E chegou a Caetano Veloso.
Gravou uma canção dele, Gema, no seu disco Delicada, em 2007. "Logo depois que eu gravei essa música, ele começou a fazer um projecto chamado Obra em Progresso, como se fosse um show-ensaio, e convidou vários artistas. No meio desses artistas, ele me convidou. E eu fiquei muito contente, porque não era amiga dele, não nos encontrávamos, não tínhamos amigos em comum." E ela cantou, a pedido dele, várias canções. "Fiquei com uma sensação muito boa, de que o Caetano era uma pessoa próxima. Ele quebra uma parede que existe entre o grande ídolo e o fã, o grande artista e o artista que está começando. E é muito sincero, também. Se ele gosta, gosta; se não gosta, não fala. E sabe sempre o que está acontecendo em todos os segmentos: música pop, tradicional, estrangeira. Quando nos encontramos é uma festa".
Uma voz libertadora
E ela quis levar a festa para palco. Quando gravou ao vivo o seu primeiro DVD, Melhor Assim, em 2010, convidou Caetano a participar e ele aceitou. Mas como ele estava em tournée, acabou por só entrar nos extras, com a canção Festa imodesta. Mesmo assim, a canção dele que abre o disco (A voz de uma pessoa vitoriosa) manteve-se, sem dueto, cantada a capella por Teresa.
"Eu já tinha feito um show com canções do Cartola, o show que originou tudo isso, e contei p’ra ele que ia gravar esse DVD para a Uns. A Paula Lavigne [ex-mulher de Caetano, que este ano voltou a reconciliar-se com ele], da gravadora, queria até que ele dirigisse, mas ele estava sem tempo."
Mesmo assim, quis encontrar-se com Teresa e falar do espectáculo com ela. "A gente teve uma conversa que foi muito importante para mim. Ele conhecia tudo o que eu tinha gravado, falou da impressão que ele tinha do que eu fazia, e disse-me o que achava que eu poderia fazer, não no sentido de eu querer ou não, mas da minha capacidade. Disse-me que eu tinha um canto muito seguro e que podia ir além da canção. Ora eu, que sou muito tímida em palco, sempre me preocupava muito com a melodia da canção, em não errar a letra, só que essa preocupação deixava tudo certinho demais."
Caetano perguntou a Teresa que cantoras ela admirava na juventude, e ela citou Bethânia, Gal, Rita Lee, Marina Lima, Clementina de Jesus, Clara Nunes. "Essas pessoas", disse-lhe Caetano, "têm uma marca muito forte. Você tem a sua. Mas quando estiver fazendo esse show tente pensar no conjunto delas e nas coisas que elas fizeram e que você achou bonito. Não tente imitá-las, tente fazer como seria você fazendo." Isto, diz Teresa, abriu-lhe uma janela. "Foi muito libertador para mim, porque o repertório é quase pesado, melancólico, triste, puxa tristezas que não são suas mas que você acaba vivendo, vestindo a carapuça. Volta e meia, eu caio em várias, durante o show. Mas essa liberdade, que é também ambição de querer ser mais do que já existe, abriu-me horizontes de interpretação."
Um violão "sinfónico"
E a conversa fez o espectáculo, ou melhor, moldou-o a uma nova visão. "Ficou pronto. A direcção musical é minha e eu começo o show com uma coisa pré-Mangueira, com o primeiro samba com que a Mangueira desfilou, feito por Cartola. É um verso curto [canta]: ‘Chega de demanda/ Chega!/ Com este time temos que ganhar/ Somos da Estação Primeira/ Salve o Morro de Mangueira.’"
Há uma razão para tal escolha: "Chega de demanda é uma frase muito forte, porque demanda, na linguagem normal no Brasil, é uma preocupação, uma coisa ruim, é como estar em crise, mas crise num processo de escolha que não pára nunca. Então eu coloquei o Cartola inicial, a visão dele da natureza, e deixei o lado mais melancólico, mais pesado, perto das piadas, tive esse cuidado. Mesmo assim, no Brasil, volta e meia eu me deparo no show com uma pessoa completamente entregue, chorando. Isso às vezes me desconcerta um pouco."
O espectáculo, por onde desfilam 19 temas de Cartola (alguns escritos em parceria com outros músicos). filtrados e moldados pela voz bem timbrada e de dicção claríssima de Teresa, tem ainda outra novidade: o acompanhamento instrumental. Em lugar de um grupo mais dado às ambiências sambistas, Teresa tem ao seu lado apenas um violonista: o exímio Carlinhos Sete Cordas, mineiro de nascimento mas carioca de criação (nasceu em Leopoldina em 1966 e foi para o Rio de Janeiro com 6 anos).
"Eu sempre cantei acompanhada com regional de samba: cavaquinho, pandeiro, surdo, cuíca, reco-reco, tamborim. Mas essa batucada anestesia as pessoas de uma certa forma. Então o que mais se vê no samba são pessoas cantando letras tristes com ar de festa e de braço levantado. Esse show não tem isso: a voz e violão obriga as pessoas a ouvir a letra."
E Carlinhos, mesmo só com o seu violão de sete cordas (daí a alcunha), é "sinfónico", no dizer de Caetano. Teresa concorda: "Ele é espectacular. Tem muitas influências: bossa nova, jazz, blues, um pouco de rock. Não está limitado ao samba. Então achei que assim as pessoas iam ter mais atenção na minha voz, que é uma voz que tem emoção mas não tem técnica. Não estudei canto porque achei que ia perder espontaneidade, mas sei que é um pensamento burro. As duas coisas se completam, qualquer instrução nunca é demais."