O fim do sigilo bancário?
Ninguém questiona a importância do combate à fraude e evasão fiscais e que a AT deve dispor de mais e melhores meios, mas esses meios não devem ser obtidos à custa dos direitos do cliente bancário
Estão cobertos pelo sigilo bancário todos os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, designadamente os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. O dever de sigilo não tutela apenas o direito constitucionalmente consagrado à reserva da intimidade da vida privada e familiar, impõe-se como uma exigência do setor bancário que tem na confiança o seu pilar. Sem sigilo não há confiança e sem confiança não há atividade bancária. Afinal, ninguém confiará as suas poupanças e informação sobre a sua vida pessoal e familiar – que os movimentos bancários permitem apurar – a um banco que as divulgue a terceiros. Por esse motivo é que as limitações ao sigilo apenas podem ter lugar na estrita medida do necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses fundamentais.
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Estão cobertos pelo sigilo bancário todos os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, designadamente os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. O dever de sigilo não tutela apenas o direito constitucionalmente consagrado à reserva da intimidade da vida privada e familiar, impõe-se como uma exigência do setor bancário que tem na confiança o seu pilar. Sem sigilo não há confiança e sem confiança não há atividade bancária. Afinal, ninguém confiará as suas poupanças e informação sobre a sua vida pessoal e familiar – que os movimentos bancários permitem apurar – a um banco que as divulgue a terceiros. Por esse motivo é que as limitações ao sigilo apenas podem ter lugar na estrita medida do necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses fundamentais.
Nos últimos dias tem-se discutido o acesso da Autoridade Tributária (AT) às contas bancárias dos portugueses. O debate surgiu quando o Ministério das Finanças enviou à CNPD um anteprojeto de diploma que, entre outras matérias, regula o acesso automático a informações financeiras de residentes (nomes, números e saldos das contas). Importa desmistificar que esta opção tenha sido tomada a coberto dos compromissos internacionais assumidos por Portugal. O que está em causa no Foreign Account Tax Compliance Act dos EUA e na Diretiva Comunitária 2014/107/UE – inspirada pelo FATCA e pelo Common Reporting Standard da OCDE – é a troca automática de informações fiscais entre os Estados contratantes no que respeita a contribuintes que tenham contas num país diferente daquele onde residem. O diploma agora aprovado em Conselho de Ministros vai por isso mais além quando, a pretexto desses compromissos, pretende que a AT tenha igualmente acesso – de forma automática, sublinhe-se – às poupanças de todos os residentes em Portugal acima de 50 mil euros (além do acesso às contas que os residentes em Portugal tenham nos EUA ou num outro Estado da UE).
Ninguém questiona a importância do combate à fraude e evasão fiscais e que a AT deve dispor de mais e melhores meios, mas esses meios não devem ser obtidos à custa dos direitos do cliente bancário. Para além disso é duvidoso que esta medida tenha cobertura constitucional. Desde logo porque há uma restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e é questionável que essa restrição seja necessária, adequada e proporcional quando não há indícios da prática de qualquer infração e, recorde-se, a lei já permite – ainda que não de forma automática – que o sigilo possa ser derrogado pela AT quando, por exemplo, existam indícios da prática de crime, falta de veracidade do declarado e existência de acréscimos de património não justificados. Por outro lado, não parece que o risco de ocultação de património depositado fora do país de residência que os compromissos internacionais visam combater – a fraude e a evasão fiscais transfronteiriças – seja o mesmo quando falamos de contas de contribuintes em Portugal. Acresce que se acaba por conferir um tratamento desigual aos contribuintes que poupam em relação aos contribuintes que dissipam os rendimentos que auferem.
Não se percebe bem que utilização a AT dará a esta informação que é inclusivamente de duvidoso alcance prático já que quem quer evitar o apuramento da situação tributária pode diversificar as suas aplicações por vários bancos e recorrer com facilidade a outras jurisdições não cooperantes. Por fim, importa sublinhar que o mérito dos objetivos prosseguidos pela proposta não pode justificar a implementação de medidas que não acautelam os valores tutelados pelo sigilo bancário. Admiti-lo seria abrir uma caixa de pandora que justificaria a implementação de muitas outras medidas – meritórias mas igualmente desadequadas e desproporcionais – que acabariam com o sigilo bancário.
Advogado da PLMJ, Financeiro e Bancário