Só 16% dos alunos de cursos profissionais prosseguem para o superior
Porque estão alguns jovens tão arredados das universidades e politécnicos? Estudo apresenta causas prováveis. Ministro diz que “o pior que pode acontecer é não estarmos a educar mais jovens de 18 anos”.
Já se adivinhava que muitos alunos do ensino profissional não seguiriam caminho para o ensino superior. Mas um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) quantifica agora o hiato que os separa dos restantes colegas que fazem os seus estudos secundários noutras vias de ensino. E é gigante: apenas 16% dos diplomados com cursos profissionais prosseguem para uma universidade ou politécnico. O mesmo acontece com 80% dos jovens dos chamados cursos científico-humanísticos.
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Já se adivinhava que muitos alunos do ensino profissional não seguiriam caminho para o ensino superior. Mas um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) quantifica agora o hiato que os separa dos restantes colegas que fazem os seus estudos secundários noutras vias de ensino. E é gigante: apenas 16% dos diplomados com cursos profissionais prosseguem para uma universidade ou politécnico. O mesmo acontece com 80% dos jovens dos chamados cursos científico-humanísticos.
Foram estes os números encontrados pela DGEEC quando foi saber onde estavam em 2014/2015 os jovens (quase 63 mil) que se tinham diplomado em alguma modalidade do ensino secundário no ano lectivo anterior, em Portugal continental.
O ministro da Ciência e Ensino Superior resumia assim, na sexta-feira, numa apresentação aos jornalistas, a situação encontrada: “O que hoje constatamos é que há 20 mil jovens por ano que acabam o 12.º ano por vias profissionais e que não estão a ingressar no ensino superior.” Diz Manuel Heitor que sendo certo que têm aumentado, em geral, os candidatos ao superior, “o pior que pode acontecer é não estarmos a educar mais jovens de 18 anos”.
Dados do estudo: concluíram cursos científico-humanísticos perto de 38.400 jovens (idade média de 17 anos); 80% seguiram para uma universidade ou politécnico; 4% continuavam no secundário, eventualmente em cursos diferentes daqueles em que já tinham diploma; apenas 16% não estavam a estudar (pelo menos em Portugal).
Já dos alunos que terminaram um curso profissional (22.845, com uma média de idades de 18 anos), apenas 16% estavam a frequentar uma instituição de ensino superior, 1% estavam num Curso de Especialização Tecnológica (não superior) e 2% tinham ido fazer alguma formação mais de ensino secundário. A esmagadora maioria, 82%, não estava a estudar.
Noutros ramos do secundário, com menos expressão, as percentagens variam, mas nunca há tanta gente longe do superior como os recém-diplomados pelo ensino profissional. Dos alunos que fizeram em 2013 o secundário artístico especializado, por exemplo, 45% não estavam a estudar em 2014 (mas a DGEEC admite que muitos possam estar a estudar fora do país).
Arredados porquê?
A primeira parte do estudo da DGEEC sobre transição entre o ensino secundário e o ensino superior é publicada neste domingo e pretende ajudar no debate sobre se algo deve ou não mudar no regime de acesso a universidades e politécnicos públicos. E uma das perguntas que se colocam é esta: porque estão alguns jovens tão arredados do prosseguimento de estudos?
Possíveis razões, avançadas pela DGEEC: o concurso nacional de acesso ao superior utiliza critérios de selecção “adaptados à formação dos alunos que frequentam a via científico-humanística, e não à formação dos alunos que frequentam a via profissional”. Isto porque as provas de ingresso no ensino superior coincidem com exames nacionais do secundário. Ora, os exames do secundário avaliam conteúdos pertencentes ao currículo específico dos cursos científico-humanísticos, pelo que “muitos alunos com vocação profissional mas com firme intenção de seguir estudos superiores poderão, logo à partida, evitar a via profissional” com receio de não conseguirem ter bons resultados no concurso.
Pela mesma ordem de razão, prossegue o estudo da DGEEC, os que ingressam mesmo no ensino profissional e chegam ao fim e querem prosseguir estudos superiores “têm, em média, maiores dificuldades” em ter as notas necessárias nos exames para superar a selecção.
Por outro lado, a oferta no ensino superior pode não estar a ser apelativa para estes alunos, admite-se ainda. E os factores socioeconómicos também justificarão uma parte dos hiatos — “os alunos que frequentam o ensino profissional provêm, em média, de agregados familiares com um nível socioeconómico mais desfavorável”; como “o contexto socioeconómico afecta as expectativas de prosseguimento de estudos superiores, bem como a disponibilidade económica para o fazer, é natural que os alunos dos cursos profissionais tenham menor expectativa de se candidatar ao superior”.
Ainda assim, feitos todos os cruzamentos de dados, a DGEEC conclui que o tipo de diploma que se tem do secundário “explica” mais o prosseguimento de estudos do que factores socioeconómicos — ainda que os dados mostrem que, quando se olha para os alunos dos cursos profissionais cujas mães têm o ensino superior, a percentagem dos que não prosseguem estudos cai abruptamente quase 30 pontos percentuais (de 82% para 53%).
Mudanças só com consensos
Pode o país dar-se ao luxo de ter tantos jovens de 18 anos sem estudar? Manuel Heitor defende que todos os jovens que completem o ensino secundário devem poder ingressar no superior. Reconhecendo que há barreiras, lembra que pediu a um grupo de trabalho para “estudar formas de evoluir no regime de acesso” às universidades e politécnicos, grupo esse que entrega o seu trabalho até ao fim deste mês.
O tema é delicado. “O regime geral de acesso ao ensino superior tem 40 anos”, “é um sistema respeitado e credível”, pelo que afirma: “Nunca o alteraremos sem grande consenso.” Mas pode haver “acções específicas”.
Vai, contudo, dizendo que há muitas formas de intervir para levar mais jovens às universidades: “A divulgação e melhoria da oferta através das formações curtas [superiores] é uma via que acreditamos que pode facilitar o acesso desses jovens.”
O que é preciso é, seja como for, “estimular a mobilidade social pelo ensino superior, respeitando os desejos, gostos e atitudes dos jovens desta idade”.