Os avisos da esquerda sobre o Orçamento e as respostas do Governo
À esquerda, todos têm exigências a fazer para o próximo Orçamento do Estado. E são feitas publicamente, em discursos, declarações políticas ou entrevistas. A discussão parece estar a ser feita na praça pública, mas é em segredo que ela vai avançando.
As negociações passam-se em segredo, desde antes do Verão, no gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. Mas esta maioria parlamentar marca muito terreno em público. PCP e BE vão dizendo o que querem que conste do próximo Orçamento do Estado, que está a um mês de ser entregue, e o Governo vai respondendo - nem que seja a partir do Brasil, como chegou a fazer António Costa. E se, em privado, se trabalha para chegar a consensos, em público as divisões aparecem.
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As negociações passam-se em segredo, desde antes do Verão, no gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. Mas esta maioria parlamentar marca muito terreno em público. PCP e BE vão dizendo o que querem que conste do próximo Orçamento do Estado, que está a um mês de ser entregue, e o Governo vai respondendo - nem que seja a partir do Brasil, como chegou a fazer António Costa. E se, em privado, se trabalha para chegar a consensos, em público as divisões aparecem.
O último caso de desacerto teve a ver com as negociações sobre as mexidas nos escalões do IRS. Afinal o que vai acontecer a este imposto?
Esta não só é uma medida exigida por comunistas e bloquistas, que querem uma devolução de rendimentos mais acentuada, como também consta do programa do PS e foi inscrita no último Programa de Estabilidade negociado com Bruxelas. Nele, o Governo assegurava que iria mexer no imposto sobre os rendimentos com vista a aumentar a sua progressividade, garantido a sua “neutralidade fiscal”, sem se comprometer com datas. E o que quer isto dizer?
Os partidos que suportam o Governo têm acenado com a bandeira da reversão do “colossal aumento de impostos”, que vem desde os tempos de Vítor Gaspar enquanto ministro das Finanças e que começou a ter efeitos em 2013. Quatro anos depois dessa mudança que agravou o imposto para a generalidade daqueles que o pagam - há uma grande franja da população que está isenta do pagamento do IRS -, o Governo poderá mexer no número de escalões mais baixos, reduzindo-os e permitindo que os pagantes de IRS com mais baixos rendimentos tenham alguma folga, ou, em alternativa, mexer nos limites dos escalões mais altos para compensar o alívio dos restantes.
Sobre este tema, central na última semana, nem todos os membros do Governo disseram o mesmo. Primeiro, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, deu a entender, numa entrevista à SIC, que iria haver um aumento do imposto para os escalões mais altos e assim compensar um alívio nos escalões mais baixos. No dia a seguir, o primeiro-ministro não se comprometeu sequer com a aplicação desta reforma do IRS já em 2017. Em São Paulo, no Brasil, António Costa disse que o Orçamento do Estado irá explicar “o quando e o como destas medidas”.
As atenções viraram-se para o “como”. E já ontem, o ministro das Finanças, Mário Centeno, voltou a baralhar as contas. Disse Centeno que não haverá aumentos de impostos directos, que o Governo vai seguir a “trajectória de redução da carga fiscal”, dando como exemplo o fim da sobretaxa de IRS, e acrescentou que não haverá mexidas nas taxas de cada grupo de rendimentos. Nas taxas, não, e nos escalões? O ministro não se referiu a esta questão, mas é precisamente a que está em cima da mesa.
Aumento das pensões
A actualização das pensões até 628,83 euros que foi feita este ano foi “manifestamente insuficiente” para os partidos que apoiam o Governo, conforme protestaram na altura. PCP e BE pedem, agora, um “aumento real” das reformas, disseram tanto Catarina Martins como Jerónimo de Sousa nesta rentrée política. Ou seja, em vez de o Governo optar por deixar ficar em vigor a regra de actualização das pensões com base na inflação, exigem que se aumente o valor para recuperação efectiva de poder de compra. De acordo com as últimas previsões, a actualização pela lei em vigor, que confere aumento automático pela inflação registada em Novembro do ano anterior, daria uma actualização na ordem de 0,7%, superior ao que aconteceu este ano, que se fixou entre os 0,3% e os 0,4%.
António Costa já respondeu. Não quis deixar a bandeira em mãos alheias e disse que também tinha “uma grande vontade de dar um contributo para que, pelo menos as pensões mais baixas, possam ter um aumento”, disse. Quanto? Ainda não sabe. O PCP deixou a proposta: dez euros, no mínimo.
Salário Mínimo Nacional
O Governo tem assumido um compromisso com a esquerda de aumentar progressivamente o salário mínimo até 600 euros em 2019. No ano passado foi possível um acordo em concertação social, mas para que haja novo aumento, desta feita para os 557 euros como está no plano, tem de haver nova negociação com os parceiros a terminar até ao final do ano.
Costa sabe que esta é uma das principais exigências do PCP e do BE, mas também da CGTP, e que tem a grande vantagem de manter a paz social nas ruas. Para já, só responde que “o que está previsto é chegar-se aos 600 euros em 2019” e que espera dificuldades nas negociações, ainda sem data marcada para começarem.
No capítulo dos salários, o PCP e o BE também exigem o aumento do ordenado dos funcionários públicos. António Costa já lhes disse que não. Ainda esta semana, na Feira de Calçado de Milão, o chefe do Governo frisou que o objectivo passa por repor e não aumentar: “Ao fim de quatro anos de austeridade, é evidente que é prioritário repor o rendimento as famílias, não é propriamente aumentar”. Neste último trimestre, os trabalhadores do Estado vão receber o ordenado por inteiro, que o mesmo é dizer “ficarão com um vencimento igual ao que tinham em 2009”, lembrou Costa.
Indexante de Apoios Sociais
Quando os partidos da esquerda falam em aumento dos rendimentos, falam também nas prestações sociais. E neste ponto, há uma promessa já garantida: o aumento do Indexante de Apoios Sociais, que serve de referência para as prestações sociais, congelado há anos nos 419,22 euros. E é uma promessa que ficou escrita na tábua do Orçamento do Estado para 2016. Quando o Governo se decidiu no OE deste ano pela manutenção do congelamento deste valor ficou também escrito - e foi assumido pela secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim - que este valor seria actualizado em 2017. Só não se sabe para quanto.
Alunos e turmas
Nos cadernos reivindicativos dos partidos da esquerda - onde se inclui também as exigências d’Os Verdes -, há outras medidas sectoriais menos pesadas e mais fáceis de responder. É o caso da diminuição do número de alunos por turma ou da gratuitidade dos manuais escolares.
Ainda esta sexta-feira, por causa do número inferior de matrículas no primeiro ciclo - foram apenas 80 mil alunos - o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, falou de “constrangimentos” para diminuir já o número de alunos por turma, mas deixou a nota: “A redução é uma questão que nos preocupa e estamos a estudar a forma de o fazer faseadamente ao longo dos próximos anos.
Muitas destas condições da esquerda para aprovar o orçamento estão esplanadas nos acordos de Governo, que, contas feitas pelo PÚBLICO, vão a mais de dois terços de execução. Há outras medidas que os partidos exigem, como o combate à precariedade ou mudanças na lei laboral, mas que são extra Orçamento do Estado.
Para já, certo é que nem maioria nem oposição acreditam que estes avisos públicos ponham em causa a aprovação do Orçamento para o próximo ano. O BE está mais seguro na aprovação, já o disse publicamente, o PCP, pela voz de Jerónimo de Sousa no encerramento da Festa do Avante!, fez saber que não assina de cruz um documento que não conhece. PSD e CDS, que já se sabe não darão voto favorável, olham para as palavras trocadas entre a maioria como fogo de vista. A sentença é de Passos Coelho: não haverá crise com a aprovação do OE.