Morreu José Rodrigues, o escultor que não acreditava no efémero
Foi um dos fundadores da Bienal de Vila Nova de Cerveira e da Cooperativa Árvore (Porto). Fez parte do marcante grupo Os Quatro Vintes.
O artista plástico José Rodrigues morreu este sábado, aos 79 anos, no Hospital da CUF, no Porto, onde se encontrava internado há já vários dias. O funeral realiza-se no domingo, às 11h, no Tanatório de Matosinhos, onde o corpo estará em câmara ardente a partir de hoje.
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O artista plástico José Rodrigues morreu este sábado, aos 79 anos, no Hospital da CUF, no Porto, onde se encontrava internado há já vários dias. O funeral realiza-se no domingo, às 11h, no Tanatório de Matosinhos, onde o corpo estará em câmara ardente a partir de hoje.
É um dos escultores mais emblemáticos da segunda metade do século XX em Portugal. Tornou-se conhecido muito novo, quando integrou o grupo Os Quatro Vintes, que tomou o nome da nota final que todos receberam no curso de Escultura na Escola Superior de Artes Plásticas do Porto (ESBAP), mas também de uma famosa marca de tabaco – "Três Vintes" – que então existia.
Mesmo se não pretendeu assumir-se como manifesto político, este grupo que José Rodrigues formou, em 1968, com Jorge Pinheiro (n. 1931), Armando Alves (n. 1953) e Ângelo de Sousa (1938-2011), afirmou uma elite que iria contribuir para o acerto da arte que se fazia em Portugal com aquela que se via então no resto do mundo ocidental, desde os demais países europeus às Américas.
Os Quatro Vintes “nunca foi um manifesto estético”, disse Armando Alves em entrevista ao PÚBLICO, aquando do seu 80.º aniversário. “Foi sempre quatro artistas que resolveram juntar-se como grupo, sobretudo, pela convicção de que a união faz a força. E até do ponto de vista da imprensa desse tempo, que não falava de uma pessoa só. Mas quando aparecemos como grupo, essas portas abriram-se completamente”, explicou o pintor alentejano, que se tinha radicado no Norte para estudar na ESBAP. E Os Quatro Vintes atingiram esse objectivo, nomeadamente pelo mediatismo que conseguiram para três exposições que fariam sucessivamente em Paris, no Porto e em Lisboa.
“Conseguimos agitar as águas. Mas nunca tivemos uma estética comum. Éramos um grupo com quatro individualidades diferentes”, acrescentou Armando Alves.
Origem africana
Embora tenha desenvolvido toda a sua carreira no Porto (e depois em Vila Nova de Cerveira, no Alto Minho), José Rodrigues era natural de Luanda, onde nasceu a 21 de Outubro de 1936, partilhando com Ângelo de Sousa essa origem africana que o marcava, tal como ao seu amigo, com uma irreverência que guardou até ao fim.
Deixou-nos uma obra ecléctica, que viaja da figuração à abstracção, reveladora de uma atenção às mudanças de gosto e estilo que se fizeram sentir na prática artística durante as quase cinco décadas em que trabalhou.
A cidade do Porto e os portuenses conhecem-no pelo actualmente muito degradado Monumento ao Empresário (1992), na Avenida do Marechal Gomes da Costa, e pelo Cubo na Praça da Ribeira, dos anos 70. Ambas as obras traduzem uma apropriação do léxico formal minimalista para utilização no espaço público – uma estética que desenvolveu e deixou a marcar muitos espaços públicos no Norte do país, mas também em lugares de Macau, do Brasil e dos Estados Unidos.
Tão importante como as esculturas que deixou, foram as iniciativas culturais e educativas que fomentou. José Rodrigues foi um dos fundadores Cooperativa Árvore no Porto, em 1963, que dirigiu durante três décadas, e da escola profissional com o mesmo nome. "Nem à bomba nos destroem", foi uma frase célebre dita pelo escultor, depois de uma explosão ter destruído a sede da cooperativa, em 1976.
“Além de um criador fantástico, José Rodrigues era um homem de causas, da cultura e da cidadania, e tinha uma generosidade enorme”, testemunhou ao PÚBLICO Amândio Secca, presidente da direcção da Árvore – que em 2013 celebrou o cinquentenário da cooperativa precisamente com uma exposição do escultor enquanto cenógrafo, com trabalhos realizados ao longo de décadas com as companhias do Porto (o TUP, o TEP, a Seiva Trupe), mas também o Teatro Experimental de Cascais (TEC).
Foi esta companhia dirigida por Carlos Avillez que estreou, com cenários de José Rodrigues, a peça de Mário Cláudio Medeia (2007). O escritor lamentou também este sábado o desaparecimento do criador e seu amigo de há muitos anos, desde os primeiros tempos da Árvore. “Foi uma amizade e um relacionamento que passou muito pelo trabalho conjunto”, disse Mário Cláudio, para quem José Rodrigues desenhou o cenário de outras peças e ilustrou também vários livros – o último deles foi Dezassete Sonetos Eróticos e Fesceninos, de Tiago Veiga (ed. Simples Mente), lançado em Junho, em Paredes de Coura.
“Estivemos sempre muito próximos, e do muito que guardo dele, o mais relevante é a memória de um homem de uma grande luminosidade, que trabalhava sempre com alegria, e que não fechava a porta a ninguém”, acrescentou o escritor.
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José Rodrigues foi também um dos fundadores da Bienal de Cerveira, em conjunto com Jaime Isidoro e Henrique Silva, no final da década de 70, na vila onde também viveu, e onde criou ainda a Escola Profissional de Ofícios Artísticos. “A Bienal e a relevância da vila para as artes não existiriam sem ele, que se tornou verdadeiramente um homem de Cerveira”, realçou António Cabral Pinto, actual coordenador artístico do evento. “José Rodrigues foi uma peça fundamental desta obra, a que deu o seu esforço, as suas criações e o seu prestígio”, acrescenta o responsável, lembrando que a Fundação Bienal de Cerveira detém hoje um número considerável de obras dele, à imagem do que acontece com o espaço público da terra. E a própria sede da Bienal tem também uma sala com o seu nome (como, de resto, acontece com os dos outros dois fundadores), a cuja inauguração, em Maio passado, “ele ainda assistiu”, recorda António Pinto.
Professor mas não “mestre”
O ensino, tal como sucedeu com os demais membros d'Os Quatro Vintes, também apaixonou José Rodrigues. Ainda deu aulas na ESBAP, mas contava que, quando percebeu que o tinham passado a tratar por “mestre”, deixou de lá ir.
Possuía uma consciência rara do papel que o artista deve exercer na sociedade. De certo modo, as múltiplas actividades a que se dedicou, o interesse pela escultura em espaços públicos e a fundação de instituições hoje essenciais na arte contemporânea portuguesa, como a Cooperativa Árvore e a Bienal de Cerveira ainda o são, confirmam essa vocação altruísta e social que encontra eco nos mais jovens artistas de hoje.
“O José Rodrigues punha a generosidade acima do carreirismo, e hoje em dia não há muita gente assim”, realçou Mário Cláudio.
Numa entrevista de 2001 dada ao jornal A página da educação, o escultor afirmou que o efémero não o interessava. De facto, a sua obra plástica transmite a vocação para a eternidade que encontramos no trabalho da pedra e do metal desde os primórdios da civilização até aos nossos dias. Provocador, afirmava mais à frente que os políticos se serviam dos artistas como antigamente das coristas… este espírito jocoso marcou-o até ao fim.
No Porto, José Rodrigues recuperou a antiga Fábrica Social, um espaço que usava como atelier e onde está instalada a fundação com o seu nome, que tem salas de exposição e um auditório para teatro e artes performativas.
"Recordo sobretudo a facilidade e o gosto com que ele desenhava. Tive o privilégio de ser amigo dele durante 30 anos e de o ver a desenhar e esculpir. Os dedos dele bailavam no papel", disse à Lusa Agostinho Santos, artista plástico e director da Bienal de Arte de Gaia – que na sua primeira edição, em 2015, homenageou José Rodrigues –, e autor do livro Na Sombra dos Deuses, publicado em Junho, e que resultou de uma longa entrevista feita ao escultor.
Este sábado, os presidentes das câmaras do Porto e de Vila Nova de Cerveira decretaram dois dias de luto municipal. E a câmara portuense iniciou já este mês obras de restauro do Monumento ao Empresário, na Boavista, estando prevista a sua conclusão no final de Outubro, na data de nascimento do escultor. No mesmo dia 21, segundo a Lusa, será feita uma homenagem a José Rodrigues que estava já a ser preparada.
Ainda este mês, haverá uma exposição na Fábrica Social – Fundação José Rodrigues, também já prevista, comissariada por Agostinho Santos, onde 80 artistas foram convidados a interpretar o rosto e a obra do escultor – que iria fazer 80 anos.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lembrou o legado de “brilhantismo, diversidade e dinamismo” que o escultor e artista plástico José Rodrigues deixou ao país.
Em mensagem de condolências enviada à família de José Rodrigues, e divulgada na página Internet da Presidência da República, o chefe de Estado lembra que o escultor “tornou-se um dos artistas mais conhecidos da sua geração, e um nome emblemático do Porto, com obras tão marcantes como o Cubo da Praça da Ribeira ou as ilustrações dos livros de Eugénio de Andrade”.
E prossegue: “Mas é importante lembrar também o seu notável trabalho como dinamizador cultural, da Cooperativa Árvore, de qual foi fundador, ao seu ateliê que transformou em fundação, passando pela Bienal de Vila Nova de Cerveira”. Por tudo isto e mais, “o brilhantismo, a diversidade e o dinamismo” constituem o “legado” de José Rodrigues, assinala Marcelo Rebelo de Sousa na nota de condolências.
Também o ministro da Cultura lamentou a morte do escultor, que considerou “uma perda terrível”, salientando a obra “considerável” do artista e o seu papel como “militante” da cultura e também político. Luís Filipe de Castro Mendes falava à Lusa à margem da entrega do Prémio Europa Nostra 2016.
“É um grande artista, não só pela obra que deixou, que é considerável, mas também pelo papel de agente cultural, de militante da cultura, que sempre teve, e também de militante político destemido contra a ditadura”, afirmou o ministro, adiantando que estará presente no funeral do artista, para lhe prestar a sua homenagem.
Numa nota emitida este sábado, o Ministério da Cultura destaca José Rodrigues como “um dos artistas plásticos mais relevantes da sua geração”. “Além da obra notável, foi agente activo na divulgação descentralizada das artes, nomeadamente na Bienal de Cerveira, que fundou com Jaime Isidoro e Henrique Silva. Um evento que Agustina Bessa-Luís definiu como ‘um encontro de escolas e uma decisão de vida pública com as artes’”, lê-se nessa nota.
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