G20 é melhor que G2 ou que G3
Dar tiros no TTIP pode ser bom para ganhar eleições. Não é bom para garantir a paz e a prosperidade.
1. O Presidente dos Estados Unidos iniciou ontem a sua última visita, já de despedida, à Ásia para participar na reunião do G20, da qual a China é o anfitrião pela primeira vez. Participará também noutros encontros asiáticos que incluem alguns dos pequenos aliados dos EUA na Ásia, que hoje valorizam muito mais a sua sombra protectora. Começou bem. No ano passado, ele e o seu homólogo chinês, desunidos em quase tudo, conseguiram encontrar um terreno comum da maior importância internacional, do qual eles são aliás os dois protagonistas: as alterações climáticas. Ontem, os dois líderes da única superpotência e da candidata ao título anunciaram a assinatura do novo acordo de Paris. Ou seja, ambos querem uma cimeira do G20 pacífica e construtiva apesar das tensões crescentes em torno das condições de segurança da Ásia-Pacífico. Obama lançou a sua estratégia face à China em 2011, considerando que a ascensão chinesa é o maior desafio que os EUA enfrentam nas próximas décadas, se querem garantir que seja pacífica. Hoje essa estratégia já sofreu algumas correcções, inerentes à constante pressão da realidade mundial. Mas o simples facto de se realizar mais uma cimeira do G20 é um sinal positivo de que as grandes potências continuam a preferir sentar-se à mesa para discutir. Na altura da viragem americana para a Ásia, o discurso era sobre o G2 – uma ordem dominada pelos dois gigantes americano e chinês, ou o G3, dando o terceiro lugar a uma União Europeia renascida como grande actor internacional. Felizmente, quem ganhou foi o G20, a coisa mais próxima de um poder mundial mais representativo. Obama corrigiu a sua aposta na Ásia, renovando os laços com a Europa (a Rússia e a crescente desordem internacional foram as suas principais conselheiras). Mas não abandonou o essencial da sua estratégia: cooperação com contenção. O equilíbrio nem sempre é fácil mas foi o próprio Xi Jinping quem lhe deu razão, ao iniciar uma nova etapa da afirmação da China, menos pacífica, mais ampla e mais ofensiva.
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1. O Presidente dos Estados Unidos iniciou ontem a sua última visita, já de despedida, à Ásia para participar na reunião do G20, da qual a China é o anfitrião pela primeira vez. Participará também noutros encontros asiáticos que incluem alguns dos pequenos aliados dos EUA na Ásia, que hoje valorizam muito mais a sua sombra protectora. Começou bem. No ano passado, ele e o seu homólogo chinês, desunidos em quase tudo, conseguiram encontrar um terreno comum da maior importância internacional, do qual eles são aliás os dois protagonistas: as alterações climáticas. Ontem, os dois líderes da única superpotência e da candidata ao título anunciaram a assinatura do novo acordo de Paris. Ou seja, ambos querem uma cimeira do G20 pacífica e construtiva apesar das tensões crescentes em torno das condições de segurança da Ásia-Pacífico. Obama lançou a sua estratégia face à China em 2011, considerando que a ascensão chinesa é o maior desafio que os EUA enfrentam nas próximas décadas, se querem garantir que seja pacífica. Hoje essa estratégia já sofreu algumas correcções, inerentes à constante pressão da realidade mundial. Mas o simples facto de se realizar mais uma cimeira do G20 é um sinal positivo de que as grandes potências continuam a preferir sentar-se à mesa para discutir. Na altura da viragem americana para a Ásia, o discurso era sobre o G2 – uma ordem dominada pelos dois gigantes americano e chinês, ou o G3, dando o terceiro lugar a uma União Europeia renascida como grande actor internacional. Felizmente, quem ganhou foi o G20, a coisa mais próxima de um poder mundial mais representativo. Obama corrigiu a sua aposta na Ásia, renovando os laços com a Europa (a Rússia e a crescente desordem internacional foram as suas principais conselheiras). Mas não abandonou o essencial da sua estratégia: cooperação com contenção. O equilíbrio nem sempre é fácil mas foi o próprio Xi Jinping quem lhe deu razão, ao iniciar uma nova etapa da afirmação da China, menos pacífica, mais ampla e mais ofensiva.
2. A economia mundial também ajudou a criar um maior equilíbrio entre os países desenvolvidos e os emergentes. Não se verificou o avanço contínuo das economias emergentes e o declínio contínuo das economias ricas, feridas “de morte” pela crise financeira de 2008. Ou, pelo menos, ficou provado que não era uma coisa para acontecer já amanhã. Hoje, os BRICS enfrentam grandes dificuldades económicas, incluindo a China, que tem pela frente o desafio extremamente difícil de mudar o seu modelo de crescimento assente nas exportações, dando um peso maior ao consumo interno e apostando numa subida na escala de valor daquilo que produz. O perigo de uma aterragem forçada ainda não está afastado. Ao mesmo tempo, a economia americana já está a dar sinais fortes de retoma, a Europa ainda não venceu a ameaça da estagnação mas deixou para trás (espera-se) a ameaça de uma nova recessão. Concluindo, as democracias ricas não eram afinal tão fracas como se chegou a prever em Pequim ou em Brasília. O maior problema é que a crise trouxe com ela uma consequência política preocupante: a onda de proteccionismo que começa a varrer os EUA e a Europa e que é, sinal dos tempos, o maior receio das grandes economias emergentes (elas próprias bastante proteccionistas, a começar pela China e a acabar no Brasil). Obama definiu os grandes dossiers das negociações comerciais dos Estados Unidos com a Ásia e com a Europa depois do fracasso de Doha, mesmo desagradando a uma parte significativa dos Democratas. Hoje, essa rejeição é muito mais ampla, como ficou demonstrado com a candidatura de Donald Trump, numa dimensão que ninguém previa. A própria Hillary Clinton já teve de refrear a defesa de muitas decisões em matéria de acordos de livre comércio, pondo em causa a Parceria Transpacífica para o Comércio, já concluída mas ainda não ratificada. A Europa está a ajudar à festa da pior forma possível, com alguns responsáveis políticos a dar tiros contra o TTIP sem aviso prévio. Trata-se de um acordo muito para lá de todos os outros, já não sobre tarifas mas assente no mútuo reconhecimento dos elevados padrões de exigência e de qualidade das duas maiores economias do mundo. François Hollande resolveu na semana passada dá-lo como acabado, para gáudio de muita gente que tem uma noção muito vaga do que já foi feito e do que este acordo significa. A França deixou andar as negociações sem grandes objecções, mas essa abertura não resistiu à corrida pelo Eliseu, como era de prever. A complexidade das negociações pode ser imensa mas não nos enganemos: a decisão será sempre política, do lado de cá e do lado de lá do Atlântico e imenso o seu significado estratégico. Havia uma janela de oportunidade até ao final do mandato de Obama, que agora vai ser perdida porventura com custos muito elevados. O que é mais grave é que o Presidente francês agiu em clara articulação com o vice-chanceler alemão (social-democrata) Sigmar Gabriel, que, por sua vez, já começou a disparar contra Merkel (defensora do acordo), aproveitando a sua perda de popularidade por causa dos refugiados e dando o tiro de partida para as eleições do próximo ano. Acabar com o TTIP de ânimo leve, cedendo as mesmas pressões que alimentam Donald Trump, seria talvez o erro estratégico mais grave das democracias ocidentais, se ainda pretendem influenciar decisivamente a governação económica mundial. Podemos rasgar o tratado por causa dos OGM ou das vacas com hormonas ou o alegado secretismo das negociações ou porque queremos ganhar eleições a qualquer preço. Não será uma forma avisada de olhar para o futuro.
3. Do lado da China há a vontade de mostrar ao mundo um país poderoso e responsável na cena internacional e não apenas uma economia com um crescimento estonteante, mas que não durará para sempre. Xi não quer uma cimeira dominada pelo confronto com os Estados Unidos. Precisa de não se deixar isolar na questão política mais grave de todas: o conflito nas águas do Mar da China do Sul com as Filipinas, ou a fricção com o Japão em torno das pequenas ilhas desertas que reivindica. No primeiro caso, o Tribunal da ONU dá razão a Manila mas Pequim ignora. Antes de partir, Obama avisou que a questão terá de ser abordada. Xi criou demasiados inimigos na região, o que não favorece a sua estratégia de “responsabilidade”. Critica o proteccionismo europeu mas não admite sequer que se fale na compra de uma das suas redes energéticas por investidores estrangeiros, como dizia à Reuters um dos negociadores americanos. Vai receber a nova primeira-ministra britânica, que leva o Brexit debaixo de um braço e as suas reservas (que Cameron não tinha) sobre o investimento chinês numa nova central nuclear debaixo do outro. Theresa May diz que o investimento chinês é muito bem-vindo mas talvez não deva incluir alguns sectores estratégicos como a energia. É um sinal que merce reflexão, vindo do país mais aberto da Europa. Muitos governos europeus acham que Obama tem sido demasiado duro com os chineses. Mas não têm resposta para os desafios estratégicos que a ascensão da China coloca, nem se preocupam com ela. Acreditam que Hillary vai ganhar e que tudo correrá bem. Infelizmente as coisas não são assim tão simples. Dar tiros no TTIP pode ser bom para ganhar eleições. Não é bom para garantir a paz e a prosperidade. Já aprendemos que, quando os países se fecham, ficam mais pobres e mais dispostos a atribuir o seu mal ao vizinho do lado.