“A santa das sarjetas” que duvidou da existência de Deus
Madre Teresa de Calcutá passou a vida junto dos mais pobres votada a uma "austeridade radical", mas nem por isso foi alheia a controvérsias. O Vaticano declarou-a santa neste domingo.
Madre Teresa de Calcutá, a “santa das sarjetas” que o Vaticano declarou santa este domingo, passou a sua vida a aliviar a miséria mais sórdida, foi adorada pelas massas, detestada por alguns e muitas vezes mal compreendida. As suas mãos nodosas acariciaram todos aqueles que ninguém queria, dos moribundos roídos pelos vermes aos primeiros doentes da sida em Nova Iorque, e esse compromisso radical aliado a uma fotogenia particular fizeram dela um monumento da Igreja do século XX.
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Madre Teresa de Calcutá, a “santa das sarjetas” que o Vaticano declarou santa este domingo, passou a sua vida a aliviar a miséria mais sórdida, foi adorada pelas massas, detestada por alguns e muitas vezes mal compreendida. As suas mãos nodosas acariciaram todos aqueles que ninguém queria, dos moribundos roídos pelos vermes aos primeiros doentes da sida em Nova Iorque, e esse compromisso radical aliado a uma fotogenia particular fizeram dela um monumento da Igreja do século XX.
Mas esta encarnação da abnegação pelos pobres nunca procurou abordar as raízes da pobreza, e esta religiosa de orações límpidas, defensora obstinada da moral da Igreja contra a contracepção e o aborto, passou décadas na dúvida.
Gonxhe Agnes Bojaxhiu nasceu a 26 de Agosto de 1910 numa família albanesa muito crente do Kosovo em Skopje, na altura parte do Império Otomano e hoje capital da Macedónia.
Aos 18 anos, passa a integrar as irmãs de Nossa Senhora do Loreto em Dublin, onde escolhe o seu nome religioso em homenagem a Teresa de Lisieux.
Enviada a Calcutá, ensina Geografia durante quase 20 anos numa escola de raparigas da classe alta, antes de poder seguir uma nova vocação: colocar-se ao serviço de Deus através dos mais pobres.
Aos 37 anos, começa a usar um simples sari de algodão branco com um bordado azul e muda-se para um subúrbio de barracas de Calcutá para ensinar e prestar cuidados básicos. Com antigas alunas como noviças, funda em 1951 as Missionárias da Caridade.
Em 1952, a descoberta de uma mulher em agonia numa estrada leva-a a pressionar as autoridades da cidade para conseguir um velho edifício onde passa a receber os moribundos, quando os hospitais já não os querem. Seguem-se as casas para os órfãos, leprosos, doentes mentais, mães solteiras, doentes de sida… De início na Índia e, a partir dos anos 1960, no resto do mundo.
Austeridade radical
Enérgica e determinada, fazendo prova de um pragmatismo a toda a prova — ao ponto de nem sequer se mostrar vigilante quanto à origem das doações que recebe —, está em todas as frentes e, em 1979, recebe o Prémio Nobel da Paz. Mas no seu discurso de aceitação, a irmã religiosa de 1,54 metros de altura choca o seu auditório ao denunciar o aborto como “a maior força de destruição da paz hoje (…), uma morte directa pela própria mãe”.
Ela tenta esclarecer a situação: “Não somos trabalhadores sociais. Pode parecer que fazemos trabalho social aos olhos das pessoas, mas na verdade somos contemplativas do coração do mundo.”
“De cada vez que ela via um pobre a sofrer, via Jesus a sofrer nessa pessoa”, diz à AFP Mary Johnson, uma norte-americana que foi missionária da caridade durante 20 anos. “Muitas vezes ela esquecia a pessoa real à sua frente.”
Para desgosto de alguns críticos, Madre Teresa considerava que, para além de aliviar o sofrimento dos pobres, era necessário também partilhá-lo, através de uma vida de uma austeridade radical que ia até à utilização diária de flagelações.
“Sem sofrimento não há amor nem alegria”, diz à AFP a irmã Martin de Porres, missionária da caridade desde há mais de 50 anos.
Para Madre Teresa, o sofrimento era também espiritual: durante décadas, ela sentiu um vazio na oração que a levou a duvidar da existência de Deus, como revelaram após a sua morte os escritos que ela queria destruídos. “O paraíso não me diz nada. Parece-me vazio. E, porém, tenho este desejo de que Deus me torture. Por favor, reze por mim para que continue a sorrir-Lhe, apesar de tudo”, escrevia ela em 1957 ao bispo de Calcutá.
E esse sorriso não a abandonou… “Na sua cara, nunca vi outra coisa que não a alegria, a serenidade e a paz. Ela sabia também ser engraçada”, recorda a irmã Martin de Porres, que nunca suspeitou dos tormentos da sua superior.
Madre Teresa morreu a 5 de Setembro de 1997, na casa-mãe da sua congregação em Calcutá, onde repousa num túmulo que as irmãs decoram todos os dias com uma palavra escrita com pétalas de flores.
Neste domingo, o Papa Francisco declarou-a santa perante as milhares de pessoas que assistiam à cerimónia no Vaticano.