Bancos centrais sem novas armas. Governos sob pressão
Reunião do G20 que se inicia este domingo na China volta a ser marcada pelas perspectivas de crescimento lento na economia mundial. Se os bancos centrais não puderem fazer muito mais, quem poderá ajudar?
As políticas expansionistas colocadas em prática pelos principais bancos centrais do mundo têm conseguido evitar um regresso a uma nova situação de recessão à escala mundial. Mas com a economia do globo a crescer ainda a um ritmo demasiado lento e com cada vez mais economistas a falarem da possibilidade de se ter entrado numa era de prolongada estagnação, os líderes do G20 que se reúnem este Domingo na China enfrentam um dilema: se os bancos centrais não quiserem ir mais longe, deverão ser os governos a actuar?
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
As políticas expansionistas colocadas em prática pelos principais bancos centrais do mundo têm conseguido evitar um regresso a uma nova situação de recessão à escala mundial. Mas com a economia do globo a crescer ainda a um ritmo demasiado lento e com cada vez mais economistas a falarem da possibilidade de se ter entrado numa era de prolongada estagnação, os líderes do G20 que se reúnem este Domingo na China enfrentam um dilema: se os bancos centrais não quiserem ir mais longe, deverão ser os governos a actuar?
O problema é particularmente urgente porque, se por um lado os riscos para a economia mundial continuam sem desaparecer, por outro, há cada vez mais sinais de que os bancos centrais podem estar a esgotar o arsenal que estão dispostos a usar para estimular a actividade económica e combater as pressões deflacionistas.
Num relatório publicado precisamente nas vésperas do encontro em Hangzhou dos líderes pertencentes ao G20 (que reúne as maiores economias mundiais e as principais potências emergentes), o Fundo Monetário Internacional voltou a mostrar a sua preocupação em relação ao que diz ser o cenário de crescimento lento prolongado na economia mundial.
A entidade liderada por Christine Lagarde diz que os mais recentes indicadores continuaram a revelar “uma actividade económica travada, um crescimento lento do comércio e uma inflação muito baixa, o que aponta para um crescimento global ainda mais modesto”. Esta é a forma de o Fundo sinalizar uma nova revisão em baixa da sua previsão para o crescimento mundial para este ano, que em Julho foi de 3,1%, um valor que fica claramente abaixo da sua média histórica e apenas ligeiramente acima do limite que é habitualmente estabelecido para considerar que a economia mundial se encontra em recessão.
Em particular, o FMI diz que “apesar das taxas de juro mínimas recorde, o investimento continua a desiludir”, não conseguindo ultrapassar a difícil combinação de procura baixa, excesso de endividamento das empresas e sistemas bancários em dificuldades em vários países.
Bancos centrais no limite
O problema está em saber quem é que pode e quer agir para dar novos estímulos à economia mundial. E essa vai ser a questão que estará em cima da mesa dos responsáveis do G20.
Nos últimos anos, os bancos centrais têm estado no centro dos holofotes no combate à crise. Na zona euro, Estados Unidos, Japão, China, Reino Unido e muitos outros países assistiu-se à descida sem precedentes das taxas de juro e à aplicação de medidas de carácter extraordinário, nomeadamente, com a compra pelas autoridades monetárias de títulos de dívida soberana e empresarial para dessa forma injectar mais dinheiro na economia. Os bancos centrais tentam dessa forma evitar o risco de deflação que se sente nas suas economias e que, a instalar-se, tornaria uma estagnação prolongada um cenário ainda mais provável.
A verdade é que, mesmo com as taxas de juro coladas a zero em muitas economias (ou mesmo negativas em alguns casos) e com o volume de títulos de dívida detidos pelos bancos centrais a níveis recorde, o crescimento económico teima em não acelerar de forma mais convicta e o risco de deflação não desaparece de forma clara. Na zona euro, por exemplo, o BCE já tem a sua principal taxa de juro de refinanciamento a zero e está a comprar 60 mil milhões de euros de activos todos os meses, mas a taxa de inflação continua muito próxima de zero.
É claro que os responsáveis dos bancos centrais afirmam em todos os seus discursos estarem “preparados para tomar as medidas que forem necessárias”. Mas dentro dos mercados começa a instalar-se a desconfiança em relação à real capacidade para estimular a economia, recuperar o fluxo de créditos na economia e fazer subir a inflação com medidas semelhantes às que foram aplicadas até agora: colocar as taxas de juro a zero ou ligeiramente abaixo, comprar títulos de dívida pública e empresarial às instituições financeiras e prometer que as taxas se irão manter baixas durante muito tempo.
A preocupação agrava-se principalmente quando se pensa na possibilidade de a economia mundial sofrer com um novo choque e os bancos centrais serem apanhados numa situação em que já não têm espaço de manobra para descer muito mais as taxas e se torna ainda mais difícil canalizar o crédito através dos bancos.
É por isso que muitos economistas defendem que os bancos centrais devem começar a avançar para medidas ainda mais extraordinárias do que aquelas que têm vindo a tomar. Entre essas medidas destacam-se a revisão em alta do objectivo para a inflação (que no caso do BCE e da Fed está em 2%), a definição de uma meta para o PIB nominal, o fim do dinheiro em notas e moedas que permitiria taxas de juro ainda mais baixas, e aquilo a que se chama habitualmente “lançar dinheiro do helicóptero”, que constitui uma forma de aumentar de forma directa a liquidez das famílias e das empresas sem ter de passar pelo sistema financeiro.
Se há economistas que defendem que estas medidas seriam, nas actuais circunstâncias, a única possibilidade de dar às economias o estímulo monetário que elas precisam, a verdade é que os responsáveis dos bancos centrais têm-se mostrado muito muito reticentes em aplica-las, evitando mesmo ao máximo falar delas.
No recente encontro sobre política monetária organizado pela Reserva Federal norte-americana em Jackson Hole, a presidente da instituição afirmou que estas eventuais medidas adicionais eram apenas “temas para investigação”, garantindo que não estavam a ser activamente consideradas para aplicação pelo banco central. Essa resposta é em tudo semelhante àquela que foi dada por Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, que, quando foi colocado sobre a hipótese de utilização de “dinheiro lançado do helicóptero”, disse que era uma ideia “interessante”, mas reservada para os académicos.
Governos pegam no testemunho?
Se os bancos centrais têm dificuldades em ir muito mais longe, o que é que sobra? Os Governos, é a resposta que mais se ouve, e com cada vez mais intensidade à medida que se aproximou a reunião do G20.
Este sábado, num encontro do B20, que reúne responsáveis do mundo dos negócios dos mesmos 20 países, o director geral da OCDE comparou a actual conjuntura de política económica no globo a uma corrida de estafetas: “Temos tido uma contínua política monetária expansionista e agora chega-se ao segundo percurso da estafeta e entrega-se o testemunho”. A receber o testemunho, diz Angel Gurría estão os governos, que devem aplicar políticas orçamentais e estruturais adequadas.
Também o FMI pede aos governos que vão mais longe. E na política orçamental apela aos países que têm espaço de manobra para isso para aumentar consideravelmente o seu investimento. Entre os principais visados neste apelo está a Alemanha, onde o FMI diz que o défice de investimento deveria ser combatido na actual conjuntura de taxas de juro extremamente baixas-
A mesma ideia foi defendida alguns dias antes pelo vice-ministro das Finanças chinês, um dos principais anfitriões do encontro do G20, que, ao mesmo tempo que tentava dar uma imagem saudável à economia chinesa, defendeu que a combinação de política monetária, orçamental e estrutural que está a ser aplicada pelo país deve servir de exemplo para os outros países.
Mas se é verdade que as pressões para que os governos ajam é cada vez mais forte – e irá certamente fazer-se sentir no encontro do G20 – não parece fácil nesta fase que, principalmente nos Estados Unidos e na zona euro, se assista a uma viragem rápida da política orçamental.
Nos Estados Unidos, o Partido Republicano, que neste momento é dominante no Congresso, é bastante crítico de políticas orçamentais expansionistas, pelo que, seja actualmente com Obama, seja com o novo presidente que vier a sair das próximas eleições, é difícil que se produza uma aceleração significativa do investimento público, tal como tem sido pedido pelo FMI.
Na zona euro, a aplicação de políticas orçamentais expansionistas é ainda mais improvável. Países que registam ainda défices elevados estão a ser pressionados pelas regras europeias a reduzi-los, enquanto países com situações equilibradas como a Alemanha, não revelam vontade de apostar de forma mais ambiciosa no estímulo da procura interna.
É por isso que, entre os banqueiros centrais, apesar do apelo feito aos governos ter vindo a subir de tom, as esperanças de que daí surja alguma ajuda não é muita. “Nós, os banqueiros centrais, temos vindo cada vez a falar sobre isto, sobre a necessidade da política orçamental e de outras políticas económicas para além da monetária, mas isso pode vir a demorar muitos anos”, afirmou em Jackson Hole, Robert Kaplan, o presidente da Reserva Federal de Dallas.