É crucial um registo europeu de cidadãos indocumentados
O conceito de liberdade de circulação não pode em circunstância alguma ser confundido com a mera movimentação desregulada de cidadãos entre os estados .
O conceito de liberdade de circulação, hoje tão enraizado na maioria dos europeus, não pode em circunstância alguma ser confundido com a mera movimentação desregulada de cidadãos entre os estados soberanos que compõem um espaço comum, no caso o espaço Schengen.
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O conceito de liberdade de circulação, hoje tão enraizado na maioria dos europeus, não pode em circunstância alguma ser confundido com a mera movimentação desregulada de cidadãos entre os estados soberanos que compõem um espaço comum, no caso o espaço Schengen.
A garantia da segurança comum impõe que um número significativo de regras básicas sejam criadas pelo legislador, implementadas pelas autoridades e cumpridas pelos cidadãos. Daqui resultaria que todos os cidadãos, nacionais ou estrangeiros, teriam de atestar de forma clara e inequívoca a sua identidade. Coisa lógica, mas pouco certa: um dos principais crimes verificados nas fronteiras é precisamente o da falsificação e contrafacção de documentos de viagem, imediatamente seguido pelo crime de uso de identificação alheia, o que obriga os serviços de imigração e fronteiras – no caso português, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF – a investirem fortemente no combate a estes crimes (com considerável sucesso, diga-se em abono da verdade).
Quando surgem dúvidas sobre a verdadeira identidade e nacionalidade do jovem que atacou num comboio na Alemanha, a questão não é saber se a notícia é verdadeira, mas saber quantos mais cidadãos cuja identidade levantam dúvidas haverá por esta europa fora! Há em Portugal – e em toda a Europa Schengen – uma realidade que não tem sido devidamente avaliada nem tratada: os cidadãos indocumentados, os falsamente documentados e os falsamente indocumentados. Esta realidade, até há pouco tempo marginal, assume hoje proporções graves com os movimentos migratórios dos últimos anos e a vaga de refugiados que tomou a Europa como destino.
Na realidade, hoje existem nos centros de acolhimento de imigrantes e refugiados milhares de pessoas sobre as quais não existe qualquer capacidade de identificar correctamente e proceder a uma triagem adequada. Sendo certo que uma larga maioria não constitui uma ameaça, há os que utilizam este meio como forma de se furtar à vigilância dos serviços de segurança e infiltrarem-se nas redes terroristas e criminosas que operam na Europa.
As dificuldades de controlo são acrescidas pelo facto de muitos dos países de origem se encontrarem em situações de duvidosa estabilidade política ou em estado de conflito, em que os serviços públicos são muito permeáveis à corrupção ou atuam em conivência com grupos marginais. Acresce que há representações consulares que atuam à margem da lei recusando documentar os próprios cidadãos nacionais.
Há ainda, para complicar, regulamentos nacionais que pioram as situações. Em Portugal e em muitos países comunitários, as autoridades judiciais, quando confrontadas com cidadãos indocumentados, não têm muitas alternativas legais quando o que está em causa supostamente é apenas a situação de irregularidade da permanência em território nacional. Das duas, uma: ou as polícias (quase sempre o SEF) conseguem documentar com fiabilidade os cidadãos, ou, então, estes são libertados sem qualquer documentação (e já agora, sem residência conhecida ou qualquer outra referência). Esta é uma realidade permanente que a maioria dos inspectores do SEF enfrenta quando apresentam diariamente aos tribunais cidadãos indocumentados, dos quais dificilmente voltam a ter notícia, a não ser pelas piores razões.
Há ainda o perigo de o mesmo individuo poder repetir o feito, assumindo tantas identidades diferentes, quantos os estados por onde for passando.
Naturalmente que os direitos humanos devem ser intransigentemente garantidos a todos, nacionais ou estrangeiros, documentados ou indocumentados, mas urge equilibrar esse princípio humanista com uma evolução nos mecanismos de segurança. Não se trata de criar um “Big Brother” policial, mas de permitir que a sociedade europeia seja mais segura.
Da mesma forma que a directiva “Passenger Name Record (PNR) do Parlamento Europeu obriga as companhias aéreas ao registo e fornecimento de dados dos passageiros que viajam de avião, com o objectivo de identificar potenciais terroristas e também de facilitar investigações futuras a suspeitos de actos terroristas (numa base de dados partilhada que respeita as regras internacionais da protecção de dados pessoais), importa que seja criado um sistema Europeu de registo de cidadãos indocumentados partilhado pelas autoridades nacionais. Este deve garantir que um cidadão registado, por exemplo, em Lesbos ou em Lampedusa, possa ser identificado em Portugal ou em França. A evolução tecnológica permite hoje o recurso a dados biométricos não intrusivos, cuja recolha permite estabelecer, se não uma identificação originária, pelo menos uma identificação permanente e válida para efeitos de análise e acompanhamento de um processo de fixação de residência ou de protecção internacional.
Não deixa de ser curioso que, num mundo cada vez mais globalizado – em que as questões económicas e financeiras são alvo de uma particular acuidade legal e onde, do ponto de vista da tributação fiscal, os cidadãos são cada vez mais escrutinados e registados em bases de dados complexas –, não haja coragem política para enfrentar o “politicamente correto” e garantir às polícias as ferramentas necessárias para exercer de forma adequada a sua missão: manter a segurança de todos.
Presidente do sindicato dos inspectores do SEF – Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF)