Ao longe, um museu sinistro de uma era
A morte do ditador do Uzbequistão repetiu velhos rituais da cortina de ferro. Onde o país ainda vive
Enquanto o Brasil entra num (mais um, na verdade) período difícil da sua vida política e Espanha parece condenada a voltar às urnas ainda este ano, sem qualquer esperança de que novos votos resolvam o impasse (a menos que o PP, a cada nova votação, vá crescendo), num país mediaticamente obscuro chamado Uzbequistão recriou-se, de forma patética, um antigo ritual do comunismo soviético: o das mortes “congeladas”. Islam Karimov, 78 anos, presidente do país há 27, foi oficialmente dado como morto pelo regime. Tinha sido internado devido a uma hemorragia cerebral, há vários dias, e há vários dias que corria a notícia (não confirmada) de que tinha morrido. Antes do anúncio oficial, vários governos, a começar pelo da Turquia, tinham apresentado condolências ao Uzbequistão pela morte de Islam Karimov. E a agência noticiosa russa Interfax, que chegou a noticiar do óbito, voltou atrás como nos tempos da velha “cortina de ferro”, invocando “um erro técnico”. Vladimir Putin, experiente nestas coisas, só expressou as suas condolências no final.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Enquanto o Brasil entra num (mais um, na verdade) período difícil da sua vida política e Espanha parece condenada a voltar às urnas ainda este ano, sem qualquer esperança de que novos votos resolvam o impasse (a menos que o PP, a cada nova votação, vá crescendo), num país mediaticamente obscuro chamado Uzbequistão recriou-se, de forma patética, um antigo ritual do comunismo soviético: o das mortes “congeladas”. Islam Karimov, 78 anos, presidente do país há 27, foi oficialmente dado como morto pelo regime. Tinha sido internado devido a uma hemorragia cerebral, há vários dias, e há vários dias que corria a notícia (não confirmada) de que tinha morrido. Antes do anúncio oficial, vários governos, a começar pelo da Turquia, tinham apresentado condolências ao Uzbequistão pela morte de Islam Karimov. E a agência noticiosa russa Interfax, que chegou a noticiar do óbito, voltou atrás como nos tempos da velha “cortina de ferro”, invocando “um erro técnico”. Vladimir Putin, experiente nestas coisas, só expressou as suas condolências no final.
Mas o que significa uma morte destas num país como o Uzbequistão? Por um lado, o fim físico de um ditador, no poder desde 1989 (ainda o comunismo reinava na Rússia, então União Soviética) e até agora inamovível. Por outro, uma luta surda pela sucessão, que se desenrolará na sombra, num círculo restrito de dirigentes próximos do ditador defunto (há alguns candidatos mais óbvios, como o primeiro-ministro ou o director dos serviços de segurança), mas que pouco ou nada mudará num regime onde a “transição”, ao contrário de outros na órbita da URSS, se fez sem tocar nos alicerces: foi o último líder do Partido Comunista do Uzbequistão, então república socialista soviética, a transitar para a chefia dos destinos da nova república independente, no ano de 1991. Por isso se manteve o país subjugado aos velhos ditames: despotismo, torturas, violações dos direitos humanos. Quando se fala do comunismo fóssil da Coreia do Norte, esquece-se involuntariamente o Uzbequistão. E, no entanto, ele chegou ao século XXI tal como se manteve no século XX, com os seus rituais caricatos de exibição de poder, sem cedências. Em 2005, uma revolta popular no Leste foi reprimida à boa maneira dos “velhos tempos”: a tiro. Umas 300 e 500 pessoas terão morrido. Mas o regime sobreviveu. Enquanto na Geórgia e na Ucrânia manifestações populares faziam perigar os alicerces dos respectivos regimes, o Uzbequistão manteve-se de pé. À custa da liberdade e de muitas vidas, como é comum nestes casos. A morte de Islam Karimov nada mudará. Provavelmente, um substituto pardacento tomará o seu lugar e manterá rígida a máquina repressiva. A imprensa não ocupará muito espaço com o assunto e só ouviremos falar de novo do Uzbequistão quando algo de verdadeiramente novo, ou arrepiante, ali suceder. Visto ao longe, é apenas um museu de uma era. Mas é um museu sinistro, que não devemos ignorar.