Porco-preto-alentejano é exportado para ficar com selo de origem espanhola
Cerca de 95% da produção nacional é comprada por Espanha, que depois produz presunto e paleta. Falhas na legislação abriram a porta à entrada em Portugal de porco com menos qualidade.
Estima-se que existam em Portugal cerca de 50.000 porcos de montanheira, criados em regime extensivo, nos montados de azinho, onde se alimentam de bolota — o que é obrigatório para que sejam considerados produtos genuínos. Mas apesar do seu grande valor alimentar, a sua produção continua fortemente dependente da indústria de Espanha. Este país “compra 95% do porco português de montanheira para transformação em presunto (membros posteriores do porco) e paleta (membros anteriores do porco) e desta forma recebe o selo de origem espanhola”, diz Pedro Bento, secretário-geral da Associação Nacional dos Criadores de Porco Alentejano (ANCPA).
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Estima-se que existam em Portugal cerca de 50.000 porcos de montanheira, criados em regime extensivo, nos montados de azinho, onde se alimentam de bolota — o que é obrigatório para que sejam considerados produtos genuínos. Mas apesar do seu grande valor alimentar, a sua produção continua fortemente dependente da indústria de Espanha. Este país “compra 95% do porco português de montanheira para transformação em presunto (membros posteriores do porco) e paleta (membros anteriores do porco) e desta forma recebe o selo de origem espanhola”, diz Pedro Bento, secretário-geral da Associação Nacional dos Criadores de Porco Alentejano (ANCPA).
A crise económica veio provocar um decréscimo da produção em Portugal, devido não só à retracção do poder de compra dos consumidores, mas também por causa das “falhas na legislação sobre rotulagem” que não abrangia a denominação de “porco preto” e abriu as portas do mercado português a carne de porco vinda de Espanha com menos qualidade. Com efeito, as grandes superfícies comerciais, a restauração e a indústria de charcutaria foram “invadidas” com produto espanhol, com a indicação de que se tratava de “porco preto” mas não existia regulamentação que garantisse esta designação. Pedro Bento dia que, por isso, a carne de porco alentejano foi “praticamente arredada do mercado nacional”.
A situação só foi superada com a entrada em vigor do decreto de Lei 95/2014, que veio regulamentar a venda de carne de suíno associada à referência “porco preto” destacando que esta denominação “só pode ser utilizada nos animais ou nos produtos deles derivados” que sejam de “raça pura” e registados no Livro Genealógico Português de Suínos.
No dia em que se celebra, em Montemor-o-Novo o “Dia do Porco Alentejano”, os criadores querem valorizar a raça através da venda para mercados externos. As possíveis mais-valias “dependem muito da instalação de indústrias transformadoras em Portugal”, diz Pedro Bento.
Para além de os custos de produção serem mais elevados do que em Espanha, subsiste ainda outra questão de fundo: criar um porco preto alentejano com a matriz genealógica que o caracteriza (50% porco Alentejo puro e 50% de uma outra espécie de porco chamada 505 Duroc) demora no mínimo um ano. Os espanhóis fabricam o seu porco ibérico em 7-8 meses. O suíno - que em Espanha é baptizado de porco ibérico – em Portugal é baptizado de porco preto alentejano, quando na realidade não obedece aos mesmos critérios a que os criadores nacionais são obrigados, prossegue o responsável da ANCPA.
Outro condicionalismo reside na recuperação do efectivo. Com efeito, o máximo histórico de 7000 porcas reprodutoras, registado em 2007, não voltou a ser atingido, embora se assista, desde 2013, a uma recuperação. Em 2015 “estavam registadas 6500 porcas em Portugal”.
“O principal desafio dos criadores é tornar as explorações mais competitivas em três eixos principais: diferenciação, rentabilidade e eficiência”, afirma Pedro Bento. A valorização do produto fica em Espanha, pois em Portugal existem apenas três unidades de transformação (Barrancos, Ourique e Vila Nova de S. Bento), que no seu conjunto têm uma capacidade de produção que não chega aos 15 mil porcos.
“Há que fomentar a industrialização do sector em Portugal, o desenvolvimento da fileira também depende da geração de valor cá dentro e da conquista de novos mercados externos que valorizem os produtos derivados do Porco Alentejano”, defende Pedro Bento. Este dirigente associativo constata que apesar de estar associado a um sistema agro-silvo-pastoril sustentável, em linha com as actuais directrizes da Política Agrícola Comum, “o porco alentejano recebe parcas ajudas do Programa de Desenvolvimento Rural 2020”.
A valorização da fileira em Portugal leva os criadores do porco alentejano a reclamar medidas mais favoráveis ao fomento e desenvolvimento da actividade. O secretário-geral da ANCPA reforça este argumento acentuando que “as ajudas são importantes para dar consistência às explorações e ao modo de produção extensiva”. “Vivemos uma conjuntura de preços muito voláteis e a actividade apresenta períodos muito longos de retorno dos investimentos efectuados”, afirma. A fileira do porco alentejano vale entre os 20 e os 25 milhões de euros.
O presente e o futuro do sector vai estar em debate numa conferência comemorativa dos 25 anos da ANCPA, que hoje se realiza em Montemor-o-Novo. O ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, participa no evento.