"Se as contas públicas confluírem para um colapso, os eleitores saberão dar a resposta nas urnas”
Nuno Melo, 50 anos, vice-presidente do CDS-PP e eurodeputado, admite o cenário de eleições antecipadas mais em resultado do “desastre” económico-financeiro do que fruto de um eventual desencontro na "geringonça".
Com um debate sobre o futuro da Europa, Nuno Melo abre nesta quinta-feira à noite a Escola de Quadros do CDS-PP, ao lado do comissário europeu Carlos Moedas. A iniciativa terá, no sábado, a participação da ex-ministra do PS Maria de Lurdes Rodrigues que gerou controvérsia no partido. O vice-presidente admite que não seria uma escolha sua.
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Com um debate sobre o futuro da Europa, Nuno Melo abre nesta quinta-feira à noite a Escola de Quadros do CDS-PP, ao lado do comissário europeu Carlos Moedas. A iniciativa terá, no sábado, a participação da ex-ministra do PS Maria de Lurdes Rodrigues que gerou controvérsia no partido. O vice-presidente admite que não seria uma escolha sua.
O CDS-PP fez bem em fazer representar-se no congresso do MPLA?
Acho que essa é uma questão importante que nem sequer desvalorizo, mas que está ultrapassada. O que releva é que o CDS está forte no que nos deve concentrar que são os problemas graves que Portugal atravessa e que justificam um partido coeso e forte para desafios difíceis. E eu, neste partido, sou factor de união e não me detenho em respostas que possam potenciar o seu contrário.
Esta decisão de ir ao congresso do MPLA pode significar uma alteração da doutrina do partido?
Julgo que não, o que não invalida um partido em que há opiniões diferentes. O assunto foi esclarecido e nessa medida está ultrapassado.
Gostou da escolha da ex-ministra do PS Maria de Lurdes Rodrigues para participar na Escola de Quadros?
Como em tudo na vida, quando se fazem escolhas, depende de quem as faz, as soluções podem ser diferentes. Não direi que Maria de Lurdes Rodrigues fosse uma escolha minha, mas o que vejo na presença da ex-ministra é uma possibilidade de confrontar jovens em formação na JP [Juventude Popular] com o pior do ponto de vista político que o socialismo no sector da Educação já conseguiu dar a Portugal. E por isso vejo essa presença pelo seu lado pedagógico.
Uma possível candidatura de Assunção Cristas à Câmara de Lisboa não é um risco para a líder, se vier a ter um mau resultado?
Se Assunção Cristas quiser – eu não sei se quer –, será uma candidata natural à Câmara de Lisboa e difícil de bater, de resto. Digo-o francamente. Assunção Cristas goza de uma popularidade que é positiva, reconhecida pelo seu trabalho e, por isso, se quiser, o CDS terá nela uma aposta que eu antecipo como muito boa.
E vê como cenário possível uma coligação com o PSD liderada por ela?
Essa pergunta terá de a fazer ao PSD. Sem me pronunciar por Assunção Cristas, que não me deu mandato, se o PSD estivesse com o CDS numa candidatura encabeçada por Assunção Cristas, eu acreditava que, à partida, estariam reunidas as condições para uma vitória na câmara sobre o PS, o que não invalida acreditar que a vitória é possível com Assunção Cristas como candidata do CDS.
Seria muito difícil ou mesmo impossível ao CDS sozinho tirar a câmara ao PS…
O CDS já governou Lisboa. A hipótese não é académica. Com um bom candidato e a conjugação das circunstâncias certas, uma vitória do CDS é possível.
Neste momento há muitos centristas que pedem um CDS que marque mais a agenda política, que seja mais incisivo e mais assertivo. Concorda?
O que eu tenho percebido nesta liderança, que é recente, é que o CDS tem marcado no essencial o exercício da oposição. Tanto que a própria imprensa internacional tem destacado isso. O CDS não é um partido de uma mulher só – como não era com Paulo Portas –, muitos dos principais protagonistas do CDS estão activos e a mostrar trabalho. Eu não tenho, francamente, razões de queixa sobre a liderança e sobre o exercício da oposição do partido.
Concorda com Assunção Cristas quando disse recentemente que António Costa está para durar?
Tenho dúvidas, porque há variáveis que nenhum de nós controla, a começar pela vontade do próprio, que valoriza em cada momento muito mais a sua expectativa pessoal do que propriamente do ponto de vista programático o destino do país e também o factor externo de mercados que podem bem vir a condicionar o calendário eleitoral. Muito da opinião publicada internacional começa a confluir na crença de que se está a encontrar uma fórmula para o desastre. A dívida bateu recordes, o crescimento económico estagnou, o investimento recuou para valores de há anos, as exportações diminuíram e o défice da balança comercial aumentou. Aquilo a que assistimos é o PS insistir em dizer que está tudo bem e que a execução orçamental corre como esperado. Francamente, não querendo ser pessimista, temo bem que, acreditando em todos aqueles que valorizam as boas contas, tudo se esteja a encaminhar para correr muito mal do ponto de vista económico-financeiro, mais uma vez pela mão do PS, sendo possível o cenário de eleições antecipadas por vontade de António Costa e em consequência da evolução negativa da situação económico-financeira do país. Acresce um terceiro elemento, uma coesão puramente instrumental e interesseira, um acordo com a extrema-esquerda que não é propriamente confiável e que tem como denominador comum o não querer a direita a governar.
Isso significa que Portugal terá de pedir um novo resgate?
Se Portugal, com os socialistas no Governo, for incapaz de se financiar nos mercados –como pode acontecer, se este Governo persistir num estado que é de negação –, o resgate, mais do que um acto de vontade, é uma questão de solvabilidade do Estado. Gostaria que não acontecesse, mas preocupa-me como possibilidade. Portugal é governado por um PS que vive num universo paralelo de faz de conta. É um PS que, para acolher a ambição de um líder que perdeu nas urnas, nega a realidade que o resto da Europa vê e abre a porta a uma extrema-esquerda que persiste numa crença de anacronismos sérios que fazem os povos iguais na pobreza e arruínam nações desde 1917. Para um país que vive tantas dificuldades como Portugal, e em seis meses inverteram-se os principais indicadores macro-económicos que fizeram do país um exemplo de sucesso até 2015, tudo isto é muito grave e preocupante. Quem governa Portugal em 2016 é quem trouxe a intervenção externa e lançou o país na bancarrota. Os ministros e secretários de Estado são em grande medida os mesmos. É por isso que não é de crer que quem fez tão mal a Portugal em 2011 fosse agora capaz de conseguir muito melhor.
Esse discurso sobre o rumo da economia é bastante catastrofista, mas até agora ainda não ouvimos esses alertas por parte do Presidente. Acha que o Presidente está a ser demasiado alinhado com este Governo?
O Presidente da República, como todos os portugueses, não deseja que Portugal volte a viver os tempos difíceis que implicaram tantos sacrifícios a todos depois de 2011. E por isso no seu papel como Presidente é normal que seja cauteloso a pronunciar-se sobre cenários de desgraça, mas isso não invalida que não esteja atento a todas as possibilidades e eu acredito que estará.
As instâncias europeias acabaram por não aplicar sanções a Portugal e aprovaram até a recapitalização da Caixa. Isso não são sinais de que estão a aceitar esta governação?
As sanções não tinham de ser determinadas por causa de uns maus resultados que o Governo esteja eventualmente a conseguir. As sanções são decididas num quadro institucional que avaliou, entre outras coisas, o desempenho de governos anteriores até 2015 e só por absurdo, considerando o país que em 2010 registava um défice superior a 11% e em 2015 registou valores próximos de 3%, poderia conceder-se sancionar Portugal.
A não aplicação de sanções não foi uma derrota para o centro-direita?
Não, foi uma vitória tremenda, porque todos os partidos com representação parlamentar nacional e europeia se mobilizaram contra as sanções em Portugal. Não devemos procurar divisões em todas as circunstâncias. Genuinamente, estivemos juntos na vontade de demonstrar a insensatez da aplicação das sanções a Portugal que, objectivamente, não as merecia. Mas isso também não invalida que a Comissão Europeia, e não só, tivesse aproveitado, neste processo, a ocasião para dar sinais a um Governo que preocupa a Europa pela sua irresponsabilidade, acreditando em velhos dogmas que até hoje, infelizmente, só trouxeram a ruína aos povos. E é exactamente por isso que também, entre outras coisas, para que as sanções não fossem aplicadas, se determinaram metas para o futuro – o que significa que não esteve em causa apenas o desempenho do anterior Governo até 2015. Nessa medida, a opinião foi unânime quanto aos sucessos do Estado português.
Falando nas metas do défice, se o Governo falhar o objectivo para este ano, o Presidente deve intervir?
Relevando a meta do défice devo dizer que me preocupam muito mais todas as outras previsões.
Mas o Presidente deve ter uma intervenção?
O Presidente deve ter uma intervenção casuística, avaliando em concreto a situação. Não consta que o Presidente tivesse dado o mandato de garantia perpétua até ao fim da legislatura.
Mas deu uma garantia até às autárquicas. Esse cenário de ruína da economia pode acontecer antes e conduzir às eleições antecipadas de que falava?
Não quero ser propriamente pessimista, mas não percebo como é que o Governo quer controlar as contas públicas institucionalizando o calote, ou seja, não pagando dívidas. Não devolve o IRS e o sector da Saúde, por exemplo, já acumula dívidas equivalentes a valores preocupantes de há muitos anos. Esta fórmula para o desastre, concretizando os maus resultados, certamente que se imporá à vontade de muitos dos protagonistas políticos, ao primeiro-ministro, aos líderes da extrema-esquerda na "geringonça" e ao próprio Presidente da República.
Como é que está a ler os avisos do BE e do PCP ao Governo sobre o próximo Orçamento do Estado?
A Catarina Martins [líder do BE] deu uma entrevista a dizer que todos os dias se arrepende da "geringonça". É actriz de profissão e, portanto, acredita que pode fazer da política uma peça de teatro. O BE não se arrepende de coisa nenhuma, é tudo fingimento. Esta "geringonça" é a melhor coisa que poderia ter acontecido ao BE. O BE vive, de facto, o melhor de dois mundos, porque consegue ascender ao poder com uma agenda colectivista, anacrónica, que não resultou em parte nenhuma do mundo, rejeitando todas as consequências e, no dia em que as coisas correrem mal, Catarina Martins dirá que António Costa não foi tão longe quanto o Bloco queria e sairá de cena. E o PCP vive conjunturalmente uma conjugação de factores políticos, esforça-se por prevalecer à extrema-esquerda, sendo monolítico e muito mais previsível – porque tem doutrina – do que o BE. Dependendo de uma decisão política, o acordo à esquerda tem condições para durar. Acontece que os resultados dos últimos seis meses já demonstrados poderão impor-se à vontade quer da liderança do PS no Governo, quer de quem comanda os outros partidos na "geringonça".
Num cenário em que o Governo PS não consiga ter o apoio dos partidos à esquerda, poderia haver um acordo entre o CDS e o PS para viabilizar um executivo?
Não, manifestamente. A política é feita de uma avaliação concreta da vida e o PS representa tudo aquilo que o CDS combate.
Então o CDS só poderá voltar ao poder com eleições?
O PS é um partido que, para satisfazer a ambição de um líder, esqueceu 40 anos de História, durante os quais foi muitas vezes a fronteira externa à vontade colectivista da extrema-esquerda. E nessa medida impediu o acesso ao poder das correntes marxistas, leninistas, maoístas e trotskistas, que até agora nunca tinham sido capazes de superar uma dimensão de protesto, mesmo pela via parlamentar. Bem sei que alguns dos actuais dirigentes e governantes socialistas vieram dessa escola, como é o caso do ministro Augusto Santos Silva, que militou na LCI de inspiração trotskista, ou de Ferro Rodrigues, que integrou o MES de inspiração maoísta, a par de outros. Com o PS, no actual quadro parlamentar, no que de mim dependesse não haveria nenhuma possibilidade [de acordo].
Mas isso não é uma opinião consensual na direcção do CDS…
Não sei. Ainda não tive nenhum colega de direcção que pusesse a hipótese de se sentar à mesa num governo com este PS. A líder já o disse.
Esta mudança do paradigma – que permitiu formar um governo à esquerda quando a direita teve mais votos urnas – pode obrigar a que o PSD e o CDS tenham maioria absoluta para voltar a governar…
Porventura sim. De qualquer modo, acredito que essa maioria absoluta está ao nosso alcance. Acresce que, se as contas públicas confluírem para um colapso – como muitos especialistas acreditam ser provável –, os eleitores saberão tornar evidente a necessidade de mudança de governo e dar essa resposta nas urnas. O país está francamente pior. Porventura muitos portugueses ainda não o sentem, mas haverá um momento em que todos perceberão que não se pagam salários, pensões, nem se satisfazem encargos do Estado com proclamações revolucionárias. Não daria como certa uma prevalência da esquerda nos próximos tempos. Muito pelo contrário.
Arrependeu-se de não ter avançado para a liderança do CDS?
Pelo contrário. Confirmei os pressupostos que justificaram essa decisão. Não me arrependo dela e tenho a certeza que o CDS tem todas as condições para ter excelentes resultados nos vários desafios que tem pela frente e que vão ser muitos: regionais, autárquicas, legislativas e europeias.