Em nome do pai, Suu Kyi tenta pacificar a Birmânia

Começa esta quarta-feira uma conferência que junta vários grupos armados, o Governo e o Exército à mesma mesa para dar início a um processo de reconciliação nacional.

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Ban Ki-moon e Aung San Suu Kyi na véspera do início da Conferência de Pangdong Romeo Gacad / AFP

Há muito tempo que a expressão “processo de paz” é escutada na Birmânia, onde o Exército combate minorias étnicas espalhadas pelo país desde os anos 1960 num conflito que já foi descrito como a “mais longa guerra civil do planeta”. Mas a subida de Aung San Suu Kyi ao poder, após as eleições de Novembro, veio dar uma renovada esperança de que algo pode mudar — e o seu primeiro grande teste começa agora.

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Há muito tempo que a expressão “processo de paz” é escutada na Birmânia, onde o Exército combate minorias étnicas espalhadas pelo país desde os anos 1960 num conflito que já foi descrito como a “mais longa guerra civil do planeta”. Mas a subida de Aung San Suu Kyi ao poder, após as eleições de Novembro, veio dar uma renovada esperança de que algo pode mudar — e o seu primeiro grande teste começa agora.

Vários grupos armados vão reunir-se a partir desta quarta-feira numa conferência de paz promovida por Suu Kyi. O encontro é designado por Conferência de Panglong do Século XXI, numa clara referência à Conferência de Panglong de 1947 dirigida por Aung San, pai da Nobel da Paz, e que marcou a independência da Birmânia, até aí colonizada pelo Império Britânico.

Não são esperados progressos significativos no encontro dos próximos dias, avisam os especialistas. Mas o simples facto de ter conseguido assegurar a participação da maior parte dos principais grupos armados é já encarado como uma vitória de Suu Kyi. Das 17 organizações separatistas vão estar presentes as oito que, em Outubro, assinaram um acordo de cessar-fogo. Numa recente viagem à China, Suu Kyi ouviu também do Presidente Xi Jinping a garantia de que Pequim pretende ter um “papel construtivo” no processo de paz da Birmânia.

O objectivo do encontro é iniciar um diálogo de reconciliação nacional e colocar o país no caminho do federalismo, assegurando a participação na vida política das várias minorias étnicas da Birmânia, e foi conseguida a participação do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Estas reuniões vão ter lugar de seis em seis meses, no que será seguramente um longo processo.

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“Aung San Suu Kyi espera que a conferência desta semana dê início àquilo que o seu pai não conseguiu”, escreve Joshua Kurlantzick, especialista do Council on Foreign Relations. Aung San, líder histórico da luta pela independência, assinou o Acordo de Panglong com líderes de várias minorias étnicas para que fosse assegurado um modelo de convivência pacífico no futuro da Birmânia independente. Ainda hoje, o dia 12 de Fevereiro — data da assinatura do acordo — é celebrado como Dia da União.

“A ambição da Conferência de Panglong de 1947 era alcançar a independência. Hoje a ambição é a paz doméstica e a união de todo o país”, disse à Reuters o jornalista veterano Phoe Thauk Kyar, que tinha 14 anos na primeira conferência.

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Porém, nas últimas seis décadas a palavra união não tem passado de uma promessa sem grande valor. O controlo do Exército sobre praticamente todo o aparelho de Estado levou a uma resposta armada por parte das várias minorias étnicas, receando o domínio da maioria burma.

Desde então, o conflito armado tornou-se modo de vida em várias regiões do país. O cariz político inicial de alguns dos exércitos rebeldes foi deixando de ter primazia e há grupos que hoje enriqueceram à custa do comércio ilegal, impostos e tráfico de droga. O Exército Unido do Estado de Wa, por exemplo, exerce controlo real sobre a região onde está presente, na fronteira com a China — de onde recebe o apoio tácito de líderes provinciais —, levando a cabo as funções de um Estado soberano. Para além de contar com um contingente entre os 20 e os 30 mil militares, este grupo rebelde enriqueceu ao tornar-se um dos maiores produtores de ópio e metanfetaminas do planeta.

A noção de que o federalismo é o melhor modelo é partilhada tanto pelo Governo — liderado desde Novembro pela Liga Nacional para a Democracia, apesar de o Exército continuar a deter grande influência — como pelos grupos insurgentes. Porém, permanecem “ideias fundamentalmente diferentes” acerca de que forma este modelo se pode concretizar, explicava à Economist o jornalista Bertil Linter. O poder e o dinheiro acumulado por estes grupos é tão vasto que é difícil pensar que tipo de divisão de competências poderia ser alcançado para que existisse um incentivo para os líderes rebeldes abandonarem a luta armada.

Por outro lado, é o aparente estado de conflito permanente que dá razão de ser ao domínio militar do aparelho de Estado. Apesar da passagem para um regime civil iniciada em 2010, o Exército continua a deter uma posição de relevo. Os militares ocupam um quarto dos lugares no Parlamento e estão à frente de três ministérios (Defesa, Administração Interna e Fronteiras). Foi por pressão das Forças Armadas, por exemplo, que ficaram excluídos de Panglong três grupos rebeldes.

A maioria dos líderes militares parece apoiar a conferência, escreve Joshua Kurlantzick. Mas as notícias de que nas últimas semanas foram lançados ataques aéreos sobre as posições do Exército da Independência de Kachin “não transmitem propriamente uma mensagem de paz”.