Exemplo grego faz adivinhar impacto negativo da CGD no défice
Regras europeias definem que, nas injecções de capital em entidades com prejuízos recentes, pelo menos as perdas acumuladas devem contar para o défice. A CGD teve prejuízos de quase 2000 milhões de euros nos últimos cinco anos
As autoridades estatísticas europeias não mostraram qualquer disponibilidade, num recente caso discutido com a Grécia, para ignorar nos cálculos do défice as perdas acumuladas pelas entidades financeiras onde são feitas injecções de capital público, exigindo que pelo menos o valor dessas perdas seja contabilizado no saldo orçamental. Esta posição do Eurostat, em linha com o que está definido nas regras contabilísticas europeias, torna muito provável que a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) anunciada na semana passada pelo Governo venha a resultar num agravamento do défice português no ano em que se vier a concretizar a operação.
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As autoridades estatísticas europeias não mostraram qualquer disponibilidade, num recente caso discutido com a Grécia, para ignorar nos cálculos do défice as perdas acumuladas pelas entidades financeiras onde são feitas injecções de capital público, exigindo que pelo menos o valor dessas perdas seja contabilizado no saldo orçamental. Esta posição do Eurostat, em linha com o que está definido nas regras contabilísticas europeias, torna muito provável que a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) anunciada na semana passada pelo Governo venha a resultar num agravamento do défice português no ano em que se vier a concretizar a operação.
Para desvanecer as dúvidas que então se colocavam entre as autoridades estatísticas gregas, o Eurostat – a entidade responsável pela aceitação dos relatórios sobre o défice e a dívida apresentados por cada um dos institutos nacionais de estatística da UE – publicou no passado mês de Março a sua opinião sobre a forma como a Grécia teria de proceder para registar as recapitalizações feitas em 2015 em diversos bancos.
Tal como acontece agora em Portugal, na Grécia tentava-se fazer valer a ideia de que os bancos onde se realizaram injecções de capital iriam passar a valer mais e a ter lucros, pelo que não deveria haver impacto no défice. No entanto, na opinião publicada, o Eurostat fez questão de clarificar que, mesmo que tal fosse verdade, isso não seria suficiente para evitar um impacto negativo no défice, no caso de injecções em entidades que tinham acumulado perdas durante os anos anteriores. “Dado que a injecção de 8300 milhões registada em 2013 foi largamente perdida sem que houvesse um impacto no défice, seria difícil justificar que a injecção de capital adicional realizada em 2015 fosse outra vez contabilizada sem qualquer impacto no défice”.
Por isso, a recomendação do Eurostat foi a de que, nas injecções de capital, o montante equivalente às perdas acumuladas contasse para o défice. Um desfecho preocupante para Portugal porque a mesma linha de argumentação usada no caso grego pode ser seguida quando se analisa a operação de recapitalização planeada para a CGD, onde depois da última injecção de capital realizada, se registaram cinco anos consecutivos de perdas.
Além disso, a opinião do Eurostat em relação aos bancos gregos é apenas a confirmação, num caso prático, daquilo que está definido no mais recente Manual do Défice e da Dívida, o guia básico para a aplicação pelos Estados das regras contabilísticas europeias. Nesse documento, é explicado que, quando um Estado faz uma injecção de capital, esta pode ser registada como uma “transacção financeira”, não contando para o cálculo do défice, ou como uma “transferência de capital”, o que significa que faz aumentar o défice.
O manual esclarece que a inclusão nesta segunda categoria (aquela que o Governo quer evitar) acontece se se registar pelo menos uma das seguintes três condições: “os fundos são providenciados sem que se receba qualquer coisa em troca de igual valor”, “os fundos são providenciados sem que se espere uma taxa de retorno suficiente do investimento” ou “os fundos são providenciados a uma entidade que apresentou uma série recente de perdas”.
É verdade que, no que diz respeito às primeiras duas condições, o facto de a Direcção da Concorrência da Comissão Europeia ter decidido que o dinheiro injectado agora na CGD não constitui um auxílio de Estado representa uma boa ajuda para a argumentação do Governo português.
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Mas, em relação à terceira condição, a de existência de perdas recentes, o executivo não tem forma de contornar a questão. A CGD registou, entre 2011 (o ano da última injecção de capital) e 2015, prejuízos em todos os anos. Nesse período, as perdas totais acumuladas ascenderam a 1978 milhões de euros, ou seja, quase 400 milhões de euros ao ano.
No Manual do Défice e da Dívida é ainda detalhado como se deve proceder nestes casos. Como regra geral, afirma-se, quando a entidade acumulou perdas nos anos anteriores, “a injecção de capital é tratada como uma transacção não financeira”, isto é, com impacto no défice.
Contudo, aceita-se a existência de um “caso especial”: aquele que sucede quando a injecção de capital é maior do que as perdas acumuladas. Nesse caso, as regras assumem que, caso se verifique uma verdadeira reestruturação do banco que permita acreditar no regresso aos lucros, parte da injecção conta para o défice e outra parte não. “Neste caso especial, a injecção de capital é tratada como transacção não financeira [conta para o défice] até ao limite das perdas e como transacção financeira [não conta para o défice] a partir desse montante”.
Portugal tem possibilidades de vir a beneficiar deste caso especial, já que a injecção prevista (até 2700 milhões no aumento de capital, 960 milhões de conversão de capital contingente e 500 milhões de transferência das acções da Parcaixa) pode ascender a 4160 milhões de euros, um valor que fica acima das perdas acumuladas de quase 2000 milhões de euros dos últimos cinco anos.
Ainda assim, o que isto significa é que, mesmo no caso especial, Portugal poderá não evitar o registo no défice do valor considerado para as perdas acumuladas, que é mais do que suficiente para fazer o saldo orçamental negativo disparar para cima dos 3% do PIB, colocando em risco a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo.
Quando anunciou no passado dia 24 de Agosto o plano de recapitalização da Caixa, o ministro das Finanças não foi definitivo em relação ao impacto da operação no défice. Embora tenha salientado que o facto de a Comissão aceitar que não há ajuda de Estado na capitalização da CGD “é uma condição para que não haja reconhecimento no défice”, Mário Centeno reconheceu que “em termos de contas públicas, as implicações da operação podem ser complexas”. “O Governo está a criar as condições para que essa contingência [impacto no défice] não se venha a materializar", disse o ministro, não detalhando que condições são essas.
O PÚBLICO colocou questões ao Ministério das Finanças sobre esta matéria, mas não obteve respostas até ao fecho desta edição.
Em qualquer dos casos, uma decisão definitiva sobre esta matéria por parte do INE e do Eurostat apenas deverá estar completa em Abril de 2017. Se a operação de recapitalização fosse concluída até ao final de Setembro, o INE teria de se pronunciar sobre o seu registo nas contas do Estado até ao final de Dezembro, mas se a operação decorrer já no quarto trimestre, como é mais provável, o prazo passa para o final de Março do ano seguinte. Depois, será apenas durante o mês de Abril que o Eurostat emite a sua opinião sobre o registo estatístico efectuado pelas autoridades portuguesas.
Isto permite que, até lá, o Governo possa continuar a apresentar projecções orçamentais para este ano e o próximo que se baseiem num impacto nulo da operação na CGD. Por exemplo, a proposta de OE para 2017, a entregar até 15 de Outubro no Parlamento e em Bruxelas, poderá assumir um cenário deste tipo.