Existe a dopagem dos árbitros?
A dopagem tem-se revelado como uma das problemáticas jurídicas (e também sociais) mais relevantes do Verão de 2016, continuando, inclusivamente, a ser fonte de controvérsia no âmbito do suposto esquema de dopagem de Estado na Rússia, desta feita no âmbito da participação dos atletas paralímpicos. Em todo o caso, a dopagem não releva somente no plano do olimpismo, sendo-o, igualmente, nas competições organizadas pelas federações desportivas nacionais ou internacionais.
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A dopagem tem-se revelado como uma das problemáticas jurídicas (e também sociais) mais relevantes do Verão de 2016, continuando, inclusivamente, a ser fonte de controvérsia no âmbito do suposto esquema de dopagem de Estado na Rússia, desta feita no âmbito da participação dos atletas paralímpicos. Em todo o caso, a dopagem não releva somente no plano do olimpismo, sendo-o, igualmente, nas competições organizadas pelas federações desportivas nacionais ou internacionais.
Num tom claramente provocatório, sem termos, no entanto, qualquer intenção atentatória ou persecutória, nas linhas que se seguem dedicamos a nossa atenção a um agente desportivo praticamente ignorado no domínio da dopagem. Procuramos, neste contexto, promover uma discussão e uma reflexão séria sobre a possibilidade de sujeitar os árbitros – aqui compreendidos como aqueles que asseguram o cumprimento das regras do jogo – a controlos que se destinem a evitar a dopagem.
As dúvidas que envolvem uma suposta dopagem dos árbitros não são novas, mas podem ganhar relevância, particularmente no âmbito de um debate que envolve as futuras transformações no sistema jurídico de antidopagem transnacional ou mesmo nacional.
Neste sentido, sem dissertarmos sobre o fundamento das normas de antidopagem, podemos afirmar que a dopagem é, de uma forma muito simplista, um fenómeno recorrentemente associado a uma proibição normativa relacionada com regras jurídicas que regulam a utilização de substâncias dopantes ou de métodos proibidos (ainda que existam outros fundamentos como, por exemplo, a recusa de submissão a um controlo de antidopagem) por parte de atletas.
No discurso jurídico da Lei n.º 38/2012, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 93/2015 (Lei de antidopagem no Desporto), constata-se que existem destinatários centrais, nomeadamente, os atletas. Na verdade, ainda que no artigo 3.º exista, igualmente, a menção ao pessoal de apoio [que tanto pode incluir, por exemplo, um dirigente, um treinador ou mesmo um médico, nos termos do artigo 1.º, alínea kk)] esta circunstância é um mero reflexo de uma proibição generalizadamente destinada aos atletas e ao impacto que a dopagem destes tem na adulteração de resultados da competição.
Esta subalternização em relação de todos os outros agentes desportivos, como os árbitros, parece justificar-se com a inexistência de um impacto directo na manipulação dos resultados desportivos pelo simples recurso destes a substâncias que promovam uma melhoria do seu desempenho. Neste sentido, a efectiva existência, por exemplo, de um aumento das capacidades cognitivas no decurso de uma competição pode ajudar a que um árbitro execute a sua função com maior eficácia. A “dopagem” do árbitro seria, portanto, não só desejável, como em nada prejudicaria o decurso de um jogo e não interferiria, concomitantemente, de forma negativa com o resultado desportivo, permitindo, pelo contrário, eliminar potenciais erros.
Sucede, porém, que a questão está longe de poder ser resolvida em termos tão líquidos, desde logo, porque existem desportos em que o árbitro é um elemento muito interventivo no jogo – sendo que é decisivo em quase todas as modalidades – tornando-se, por vezes, quase uma parte integrante do jogo, como é no caso do futebol.
É, portanto, discutível que o impacto positivo na melhoria de desempenho do árbitro justifique por si só a inexistência de “substâncias dopantes” (e proibidas) no âmbito da actividade dos árbitros. Com efeito, existem dois argumentos que podem, neste contexto, ser ponderados: (i) por um lado, a pressão – e a concorrência – que possa ocorrer para a existência de um desempenho mais elevado pode colocar em risco a saúde dos árbitros (como o faz no caso dos atletas); (ii) por outro lado, a melhoria de desempenho com recurso a determinadas substâncias pode gerar uma desigualdade entre os árbitros, desde logo, no âmbito de uma avaliação do seu desempenho.
Estes dois argumentos são, a nosso ver, a chave para compreender a necessidade (ou não) de instituir um sistema de controlo de antidopagem que abranja também os árbitros. Não existindo ainda respostas unívocas, parece-nos evidente que existem fortes razões para que se inicie uma ponderação política, em primeiro lugar, para saber se se verifica a necessidade de estabelecer uma regulação legal ou, em segundo lugar, sentindo essa carência, discutir se deverá ser criado um regime legal específico que regule a utilização de substâncias que permitam a melhoria do desempenho desportivo dos árbitros ou se, pelo contrário, bastará uma mera extensão do âmbito de aplicação da lei de antidopagem no desporto.
Em suma, a problemática que envolve a sujeição dos árbitros a controlos de antidopagem é, portanto, relevante e merece a atenção que – embora suscitada há vários anos – ainda não teve. Neste sentido, esperamos, deste modo, que, numa futura reforma da lei de antidopagem no desporto, o Governo e todas as restantes forças políticas a tenham em consideração e prossigam com um debate útil e interessante para o domínio do combate à dopagem, mas acima de tudo para o desporto. Assim haja vontade.
Jurista