Transparência prometida pela ONU é aliada da candidatura de Guterres
A intenção de ser uma mulher a dirigir as Nações Unidas não teve tradução nas votações até agora realizadas. Embaixador russo em Nova Iorque mencionou a questão, mas não deu resposta clara e a posição de Moscovo é decisiva.
A transparência prometida pelas Nações Unidas na eleição do novo secretário-geral é a principal aliada da candidatura do português António Guterres, dizem Diogo Freitas do Amaral, que foi presidente da Assembleia-Geral da organização entre 1995 e 96, e Francisco Seixas da Costa, embaixador de Portugal em Nova Iorque de 2001 a 2002.
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A transparência prometida pelas Nações Unidas na eleição do novo secretário-geral é a principal aliada da candidatura do português António Guterres, dizem Diogo Freitas do Amaral, que foi presidente da Assembleia-Geral da organização entre 1995 e 96, e Francisco Seixas da Costa, embaixador de Portugal em Nova Iorque de 2001 a 2002.
Os dois fazem um balanço do processo, um dia depois de Guterres ter sido o candidato melhor colocado para suceder ao sul-coreano Ban Ki-moon como secretário-geral da ONU na terceira ronda de votações dos membros do Conselho de Segurança.
“Sabemos que a decisão final vai exigir o consenso dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança [China, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Rússia] e que qualquer deles pode usar o direito de veto, mas seria muito estranho, e mesmo causa de desprestígio para as Nações Unidas, que no ano em que se instituiu um sistema aberto de apresentação das candidaturas, se ignorasse o resultado desse processo, como se não tivesse existido”, afirma Freitas do Amaral.
Na mira não estão, apenas, os resultados das votações realizadas a 21 de Julho, 5 e 29 de Agosto, com Guterres sempre com mais de dois terços de “encorajamentos” – votos favoráveis. Mas também o debate de 12 de Abril com os outros candidatos. Nesta iniciativa inédita, o desempenho do antigo primeiro-ministro de Portugal foi destacado pelos media internacionais. BBC, Guardian, EFE e Economist sublinharam, aliás, o seu trabalho como Alto-Comissário da ONU para os Refugiados, entre 2005 e 2015.
“Estamos a entrar na fase dura do processo, António Guterres tem mais possibilidades do que no início, os debates realizados posicionaram-no de forma positiva, o que torna difícil que tudo se volte contra ele. Teria de ser a negação da evidência e da transparência, e a transparência revela a qualidade”, corrobora Seixas da Costa.
Contudo, não há azo a apressados cálculos optimistas. Nada está decidido quanto à candidatura de Guterres. Não é um exercício de mera prudência, mas de realismo e conhecimento dos mecanismos de decisão ao mais alto nível da política internacional e de Nova Iorque.
“Tudo o que se passou deve-se ao mérito de António Guterres, mas a partir de agora depende dos objectivos políticos e diplomáticos dos cinco membros permanentes, não espero nenhum veto dos Estados Unidos, França ou Reino Unido, mas tenho de admitir que pode haver dificuldades em relação à China e à Federação Russa”, opina o antigo presidente da Assembleia Geral da ONU.
A equação passa, também, por outras variáveis. “Nestas organizações, há sempre uma distribuição negociada de outros cargos, tudo faz parte de um pacote que também é negociado nos corredores”, aponta por seu lado o antigo embaixador. Na memória de Seixas da Costa está o processo ocorrido aquando da eleição, em 1997, de Kofi Annan como secretário-geral. “Recordo que o Departamento de Operações de Paz foi entregue à França e o de Assuntos Políticos ao Reino Unido”, exemplifica.
O prestígio das Nações Unidas resistiria a estas manobras de bastidores em tempos de prometida transparência? “O secretário-geral é um candidato apoiado pelo mundo ocidental a quem os russos dizem ‘sim’ ou ‘não’”, sintetiza Francisco Seixas da Costa.
A reacção de Moscovo é só compreensível para os “kremlinólogos” ou os perfeitos conhecedores do humor do embaixador Vitaly Churkin. Na segunda-feira, dia da terceira vitória de Guterres, Churkin referiu que o secretário-geral da ONU deve ser uma mulher. “Sabe que mais, esse tempo chegará, mas se é este o momento certo, essa é a grande questão”, disse o diplomata à Associated Press.
A questão de género (ser uma mulher), apoiada por 50 dos 193 países membros, já motivara uma declaração de Ban Ki-moon no sentido de ser uma mulher a suceder-lhe, mas não tem tradução na votação de segunda-feira. A candidata melhor colocada é a búlgara Irina Bukova, directora-geral da UNESCO, com sete votos a favor, cinco contra e três sem opinião.
A não ser que não estejam em liça todos os candidatos. A possibilidade de a comissária europeia do Orçamento e Recursos Humanos, a também búlgara Kristalina Georgieva, se candidatar aparece nas palavras do antigo embaixador de Portugal na ONU. “Seria uma candidatura apoiada pelo Partido Popular Europeu", diz.
Surpreendente foi, ainda, o score de segunda-feira de Miroslav Lajcak, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia, que ficou em segundo, com nove votos a favor, cinco contra e um sem opinião. Sobretudo, tendo em atenção as suas anteriores votações: na primeira, sete encorajamentos, três desencorajamentos e cinco sem opinião; a 5 de Agosto, dois a favor, seis contra e sete sem opinião. A reviravolta operada na candidatura de Lajcak é prova da grande volatilidade do processo neste momento, o que obriga a um trabalho de concertação diplomática.
As apreciações da candidatura de António Guterres são, até ao momento, as que revelam maior coerência, com encorajamentos sempre acima dos dois terços dos votos dos 15 membros do Conselho de Segurança. A sua eleição, segundo Diogo Freitas do Amaral e Francisco Seixas da Costa, seria um momento ímpar para a diplomacia portuguesa.
“Depois do 25 de Abril, da descolonização e da consolidação democrática, Portugal adquiriu muito prestígio pelo modo considerado exemplar em que exerceu missões humanitárias e de paz no quadro das Nações Unidas”, diz Freitas do Amaral. “Para um país pequeno, com um quadro de relações alargadas, sem conflitualidade, com vocação multilateral como se viu no caso de Timor-Leste, mas com fragilidades, seria um grande reforço da nossa diplomacia”, constata Seixas da Costa.