Isenção do IMI abrange duas dezenas de casos além das igrejas e partidos
Igreja Católica pede tratamento no IMI de acordo com a Concordata. Governo diz que nada mudou e garante que as orientações do fisco são as mesmas. Isenção depende da finalidade do imóvel.
No mesmo dia em que a Igreja Católica veio reclamar ser tratada pelo Estado de acordo com “a lei e o Direito” relativamente à isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), agitava-se outra discussão à volta do mesmo imposto, mas em sentido contrário, com a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) a reclamar que os partidos passem a pagar IMI sobre o seu património.
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No mesmo dia em que a Igreja Católica veio reclamar ser tratada pelo Estado de acordo com “a lei e o Direito” relativamente à isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), agitava-se outra discussão à volta do mesmo imposto, mas em sentido contrário, com a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) a reclamar que os partidos passem a pagar IMI sobre o seu património.
A questão ganhou contornos políticos ao ser secundada pelo CDS poucas horas depois. Mas a isenção prevista para os partidos não é um caso isolado. Há muitas outras situações iguais, consagradas na lei. São cerca de duas dezenas.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais exclui do pagamento do IMI desde representações diplomáticas ou consulares, às instituições de Segurança Social e de previdência, as associações de agricultores, de comerciantes, de industriais e de profissionais independentes, passando pelas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as associações desportivas e as associações juvenis, os sindicatos, as misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou os estabelecimentos de ensino particular do sistema educativo. As sedes das colectividades de cultura e recreio, as organizações não-governamentais e outro tipo de associações não lucrativas, a quem tenha sido reconhecida utilidade pública, também são abrangidas pela isenção.
A exclusão aplica-se igualmente aos monumentos nacionais e os prédios “individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal”. Ou aos prédios “exclusivamente afectos à actividade de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de sistemas municipais de gestão de resíduos urbanos”. Da lista fazem ainda parte as entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira e da Zona Franca da ilha de Santa Maria.
Relativamente às organizações religiosas, a lei prevê a isenção no que se refere “aos templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto ou à realização de fins não económicos com este directamente relacionados”. A isenção não é dada a todo e qualquer edifício, dependendo sempre da finalidade do imóvel.
Controlo do fisco
No caso da Igreja Católica, a Concordata (o documento que regulamenta as relações entre o Estado Português e a Santa Sé) estipula que a isenção inclui as instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos, os seminários ou estabelecimentos de formação eclesiástica, as dependências para uso de instituições particulares de solidariedade social e os jardins desde que não tenham fins lucrativos.
Uma polémica arrasta-se desde meados deste mês, quando o Jornal de Notícias avançou com a informação de que dezenas de paróquias estavam a ser notificadas pelo fisco para pagar o IMI sobre residências paroquiais, salas de catequese e conventos que a Igreja entende estarem isentos do pagamento de impostos.
Depois de uma reunião de vigários-gerais e ecónomos de várias dioceses em Fátima, nesta segunda-feira, a Igreja tomou posição exigindo ser tratada pelo Estado “em conformidade com a lei e o Direito”, respeitando as normas da Concordata. Horas depois, o Ministério das Finanças esclareceu em comunicado que nada mudou em relação à aplicação das normas da Concordata e sublinhou que as orientações que regem a administração tributária continuam a ser às que vigoram desde sempre na sequência do acordo de 2004.
Em causa, diz o ministério, estão apenas situações em que é necessário justificar esses pressupostos, o que se insere “na actividade normal de controlo da atribuição de isenções fiscais pela AT”. Segundo o ministério liderado por Mário Centeno, isso já aconteceu no passado e as situações que agora surgiram devem “ser resolvidas em conformidade com a interpretação da lei” da liberdade religiosa, da Concordata, do código do IMI e do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Pedro Pais de Almeida, sócio da área de direito fiscal da Abreu Advogados, explica ao PÚBLICO que “à Igreja (ou organização de qualquer religião ou culto) cabe a prova de que o imóvel em questão se destina exclusivamente ao culto ou à realização de fins não económicos com este directamente relacionados, o que por vezes pode levantar problemas”.
A questão está sempre em determinar para cada imóvel se há ou não isenção, “tendo em atenção as finalidades que lhe são dadas”, sublinham os fiscalistas Ana Pinelas Pinto e João Ascenso, da Miranda & Associados. “Esta informação poderá não estar imediatamente disponível à AT e/ou a informação disponível sugerir uma afectação que tornaria o prédio tributável em sede de IMI. Noutras situações, poderão legitimamente suscitar-se dúvidas, nomeadamente porque o legislador recorre a alguns conceitos indeterminados, como por exemplo o conceito de prédios 'directamente destinados à realização de fins religiosos'”, vincam os dois advogados.
Reafirmando as explicações dadas ao Diário de Notícias desta segunda-feira, o Ministério das Finanças garantiu ao PÚBLICO não ter dado “orientação no sentido de serem retiradas quaisquer isenções previstas na Concordata”. Aos serviços do fisco cabe identificar a corrigir “quaisquer eventuais isenções que estivessem a ser aplicadas sem apoio legal”.