Os desafios abertos pelo fracasso do TTIP
O tratado era mau, mas desistir de um acordo pode minar a aliança atlântica que ancorou o Ocidente no último meio século
A notícia não surpreende, mas o reconhecimento do “fracasso” das negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa) feito pelo vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, vem confirmar igualmente o falhanço da mais importante tentativa de reforçar os laços entre a Europa e os Estados Unidos das últimas décadas. O secretismo que envolveu as negociações, as cedências que impunha à Europa em questões sensíveis como a protecção do ambiente ou da alimentação humana ou o poder de decisão em conflitos comerciais concedido às grandes conglomerações empresariais justificam e tornam até desejável esse fracasso; mas, em termos simbólicos e reais, a renúncia ao TTIP significa também uma preocupante alteração no relacionamento entre os dois grandes blocos do Ocidente num tempo em que o crescente poder da China ou a instabilidade no Médio Oriente recomendaria um reforço dos laços atlânticos.
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A notícia não surpreende, mas o reconhecimento do “fracasso” das negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa) feito pelo vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, vem confirmar igualmente o falhanço da mais importante tentativa de reforçar os laços entre a Europa e os Estados Unidos das últimas décadas. O secretismo que envolveu as negociações, as cedências que impunha à Europa em questões sensíveis como a protecção do ambiente ou da alimentação humana ou o poder de decisão em conflitos comerciais concedido às grandes conglomerações empresariais justificam e tornam até desejável esse fracasso; mas, em termos simbólicos e reais, a renúncia ao TTIP significa também uma preocupante alteração no relacionamento entre os dois grandes blocos do Ocidente num tempo em que o crescente poder da China ou a instabilidade no Médio Oriente recomendaria um reforço dos laços atlânticos.
Não vale a pena tentar encontrar responsabilidades a uma e outra parte negocial no quase certo princípio do fim das negociações, mas há pistas de leitura e sinais que tornam imprescindível uma reflexão sobre o que está em causa. O presidente Obama empenhou-se a fundo em superar as hesitações europeias, em boa parte assumidas e lideradas pela França, sempre renitente em dar passos que ponham em causa um modelo social e económico baseado na protecção do emprego ou na ingerência do Estado nos termos das trocas internacionais. O referendo que acabou no “Brexit” retirou à Europa a sua voz mais liberalizadora e mais alinhada com o espírito do TTIP. Para adensar estas divergências nas chancelarias, sabia-se que o tratado era profundamente rejeitado pelas opiniões públicas. Não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos, país no qual o discurso anti-grandes corporações se expressou de forma inequívoca na campanha de Bernie Sanders à nomeação do Partido Democrata – as sondagens indicam que a sua aprovação só reúne 18% da simpatia dos americanos e de 17% dos alemães.
A confirmar-se este cenário e a cumprir-se a expectativa de que o CETA, um acordo similar ao TTIP já celebrado entre a União e o Canadá, vai ser rejeitado nos parlamentos nacionais, a natureza das relações atlânticas que configuraram o mundo e consolidaram a ideia de Ocidente no pós-Segunda Guerra Mundial vai sofrer consequências imprevisíveis. Obama, que um colunista da revista alemã “Der Spiegel” definiu como o “último presidente do Ocidente”, vai sair de cena, o discurso proteccionista alastra nos dois lados do oceano, o populismo nacionalista sobe de tom e o reforço das relações da América com o Pacífico podem mudar o principal eixo gravitacional do Mundo para outras latitudes. São riscos enormes que colocam a Europa perante novos desafios. Se o tratado é, pelo que se consegue saber no seu secretismo, uma ameaça a um modelo social europeu que os seus cidadãos defendem, seria bom que fosse reajustado com novas negociações. Decretar liminarmente a sua morte vai agravar a sensação de insegurança num mundo no qual a Europa é cada vez mais um parceiro menor.