Registo Oncológico Nacional – para quê?
É importante para o país ter um RON eficiente, completo, que traduza o que realmente se passa em tempo útil.
Qualquer sociedade avançada, para poder planear os seus cuidados de saúde, tem que ter uma noção da incidência, da prevalência e da evolução das doenças que a afetam. Isto permite, entre outros objetivos, alocar melhor os recursos, planear intervenções de controlo dos fatores de risco e de educação dos cidadãos, programar as ações de rastreio e calcular as necessidades em saúde.
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Qualquer sociedade avançada, para poder planear os seus cuidados de saúde, tem que ter uma noção da incidência, da prevalência e da evolução das doenças que a afetam. Isto permite, entre outros objetivos, alocar melhor os recursos, planear intervenções de controlo dos fatores de risco e de educação dos cidadãos, programar as ações de rastreio e calcular as necessidades em saúde.
Em Portugal, e referindo-nos a 2014, os tumores malignos serão a segunda causa de morte por doença, logo a seguir às do aparelho circulatório. Representam, ainda, um custo social muito elevado, por condicionarem mortes em idades mais jovens que a esperança de vida do país, por levarem a reformas antecipadas, pelo número de internamentos que condicionam, pelo incremento do preço dos medicamentos que são utilizados e pelo maior número de tratamentos que os doentes conseguem realizar. Sublinha-se que, se a incidência de cancro tem vindo a aumentar, o número de mortes por cancro tem diminuído — existem cada vez mais cidadãos a viver com esta doença, de uma forma crónica. Um comentário, também, acerca dos medicamentos inovadores que, regra geral, têm trazido aos nossos doentes oncológicos maior quantidade e melhor qualidade de vida — observe-se o avanço registado com o denominado tratamento oncológico personalizado (adaptado às alterações genéticas que cada tumor apresenta) e, atualmente, com a imunoterapia oncológica. Porque estes medicamentos têm um real valor para o doente oncológico, tem-se, frequentemente, chamado a atenção dos decisores para a necessidade de os introduzirem no nosso SNS e da indústria farmacêutica para a obrigação de os colocarem a um preço suportável para a sociedade, de molde a que os doentes que deles precisem os consigam obter em tempo útil e de uma forma equitativa. Muito se discute, para a avaliação do “preço justo” desta nova medicação, sobre o seu real valor quando administrada à população dela necessitada, porque sabemos que esta é bastante diferente das populações muito selecionadas dos ensaios clínicos.
Por outro lado, mas não de menor importância, há a necessidade de se estabelecerem programas de rastreio eficazes que diminuam a morbilidade e a mortalidade das doenças oncológicas em que tal é possível — como os do cancro do colo do útero, da mama e do cólon. Para uma eficaz implementação destes, é forçoso conhecer a realidade oncológica do país.
É por todos estes motivos que Portugal necessita de ter um Registo Oncológico Nacional (RON).
Efetivamente, o nosso país tem vários registos oncológicos regionais (ROR), criados a 16 de Janeiro de 1988, mas que utilizam bases de dados informáticas diferentes e que coligem um número de dados desigual. O resultado deste facto é que a publicação dos dados nacionais tem um hiato de cerca de 6 anos e que estes são, sobretudo, de incidência, distribuição geográfica, tipo histológico, estádio da doença e de mortalidade. A comunidade científica, os decisores políticos e os cidadãos necessitam de muito mais informação.
Muito me admirou a opinião da Comissão Nacional de Proteção de Dados e, que esta tenha dado azo a uma discussão intensa sobre o sigilo inerente ao RON, quando o que se lê no projeto legislativo sobre esse assunto copia, de forma quase integral, o que é realizado pelos RORs. Leia-se a este propósito o capítulo “Técnicas de Registo” da última publicação do Registo Oncológico Nacional 2010: “A informação recolhida pelos RORs compreende variáveis de identificação, de diagnóstico, de caracterização do tumor, de tratamento e de seguimento. Os dados de identificação (exemplo: nome, sexo, data de nascimento ou idade e morada) permitem avaliar o histórico do doente na base de dados e cruzar informação entre registos oncológicos, a fim de evitar a inclusão de casos duplicados. Os dados de caracterização clínica contemplam campos de diagnóstico, tumor e tratamento (…).” Acresce, ainda, que o RON terá como entidade responsável o Instituto Português de Oncologia, tal como atualmente, os RORs.
O RON não será uma lista de nomes de doentes, antes uma base de dados, com vários níveis de acesso e com anonimização dos dados, de modo a dever permitir avaliar a incidência da doença oncológica, a sua evolução, o impacto que venha a ter o rastreio oncológico, a valia dos tratamentos efetuados e, particularmente, dos inovadores.
É importante para o país, para os médicos, para os cientistas e epidemiologistas, para os decisores e para os doentes, ter um RON eficiente, completo, que traduza o que realmente se passa em tempo útil, que permita extrair conclusões estatísticas válidas sobre doença e doentes, efetividade do tratamento e mortalidade, para o bem dos cidadãos e dos doentes.