Os azulejos das fachadas de Lisboa estão reunidos num livro ainda por publicar
Portugal é o país tem o maior património azulejar do mundo. Quando Fernando Veiras veio viver para Lisboa notou logo a utilização de azulejos nas fachadas. Começou a tirar fotografias e decidiu reuni-las num livro. Azulejos Padrão está agora em crowdfunding.
O Largo da Graça é um autêntico estúdio para Fernando Veiras. Mesmo por entre as obras, os azulejos padrão nas fachadas destacam-se. Fernando apenas tem de tirar do bolso a objectiva e encaixá-la no telemóvel. Depois começa a sessão. Dos pormenores de um azulejo que falta, de um outro que foi substituído por um padrão diferente, ou pelo conjunto da fachada, vão surgindo várias perspectivas. “Em qualquer rua há um azulejo para fotografar”, diz com fascínio. Ainda no largo, já começa a avistar a Vila Berta mesmo ali ao virar na esquina. E tem sido a percorrer as ruas de Lisboa, que Fernando Veiras chegou ao livro Azulejos Padrão.
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O Largo da Graça é um autêntico estúdio para Fernando Veiras. Mesmo por entre as obras, os azulejos padrão nas fachadas destacam-se. Fernando apenas tem de tirar do bolso a objectiva e encaixá-la no telemóvel. Depois começa a sessão. Dos pormenores de um azulejo que falta, de um outro que foi substituído por um padrão diferente, ou pelo conjunto da fachada, vão surgindo várias perspectivas. “Em qualquer rua há um azulejo para fotografar”, diz com fascínio. Ainda no largo, já começa a avistar a Vila Berta mesmo ali ao virar na esquina. E tem sido a percorrer as ruas de Lisboa, que Fernando Veiras chegou ao livro Azulejos Padrão.
Foi por paixão que Fernando veio viver para Portugal há 11 anos. Natural da Galiza, já tinha visitado o Porto várias vezes e algumas Lisboa, mas admite que não conhecia bem a cidade. O encanto pela capital portuguesa não se fez tardar e muito pode agradecer aos azulejos. Primeiro foi uma surpresa: “Na Galiza só há azulejos na casa de banho e nas cozinhas. Em Lisboa é como se o interior estivesse cá fora”. Depois foi-se tornando numa obsessão. A passear pela cidade descobriu diferentes padrões e quis registá-los.
Foi há oito anos que começou a tirar fotografias dos azulejos. Há dois anos, começou a aperceber-se que tinham qualidade e podia fazer algo com elas. Motivado pelos amigos, inicia o processo de reunir os azulejos fotografados num livro. Mas a selecção não foi fácil. Ao todo, em dois anos, Fernando tirou mais de 2000 fotografias. Só conseguiu escolher 1000. Deixou a tarefa para três amigos. No final, ficou com 260 fotografias.
Os azulejos fotografados por Fernando não são perfeitos e podem estar acompanhados por uma fita das marchas ou um graffiti. Isso pode ver-se logo pela capa, que é composta por um azulejo partido. Ao ter na mão o livro é quase como se tivéssemos um azulejo. Ligeiramente maior, com 16,5 cm., é quadrado e tem 160 páginas. Faltava uma editora e orçamento para a publicação. Das editoras não teve resposta, por isso optou por “auto-editar” o livro. Para reunir algum dinheiro, seguiu o exemplo de uma amiga que conseguiu publicar uma guia através de crowdfunding.
Há três semanas, Fernando colocou o seu livro na plataforma e pretende ganhar 4000 euros para publicar 1000 livros. Como tem dado a conhecer o projecto? “Tenho sido um chato e tenho feito publicações em grupos de Facebook e na página do livro”. Tem dado resultado. Já reuniu 40% do objectivo final, entre doações de amigos e desconhecidos. A campanha termina no dia 19 de Setembro. Também já tem 70 exemplares pré-vendidos para Portugal, Austrália, Hong Kong, Malásia, Dinamarca, Alemanha, Reino Unido, Suíça, França e Espanha. “Achei mais interessante esta forma de editar o livro. Ainda não sei bem, mas gostava de colocá-lo em em museus e em lojas com artigos mais artesanais.” Ainda sem certezas, a data de publicação está apontada para finais de Setembro.
A viver em pleno coração de Lisboa, na Rua dos Remédios, em Alfama, Fernando é dos poucos moradores do seu prédio. Desde que chegou a Lisboa tem sentido a mudança da cidade e do centro histórico e a intensificação do turismo. Como tal, aponta este livro como um ponto de viragem na cidade. “Uma fotografia é um momento e estou a preservar esse momento.” Também defende que estes são tempos áureos para os azulejos de padrão. “Hoje têm muita importância como elementos decorativos e arquitectónicos.”
Salvaguardar o azulejo português é a missão do SOS Azulejo
É em defesa do azulejo que Leonor Sá trabalha, desde 2007, como mentora e coordenadora do Projecto SOS Azulejo. “Actuamos em diversas frentes, fruto da falta de conservação e da falta de valorização dos azulejos”. Se os estrangeiros ficavam deslumbrados, muitos portugueses não preservavam o património azulejar. “É algo já tão comum, que os portugueses ao olhar já não vêem esta herança.” Para combater os furtos e a degradação, o projecto lançou no seu site fotografias de azulejos figurativos furtados, para tentar impedir a sua circulação no mercado. O efeito fez-se sentir. Até 2013, houve um decréscimo de 80% nos furtos.
O mesmo já não se pode dizer dos azulejos padrão nas fachadas. “Não adianta colocar fotografias no site. Os azulejos padrão repetem-se de fachada em fachada”, esclarece Leonor Sá. De 2014 a 2015, houve um aumento de furtos ligeiramente abaixo dos 20%. Leonor Sá acrescenta que no projecto estão atentos a estes furtos.
Em Fevereiro de 2016, apresentaram ao Parlamento várias propostas. Entre elas estão a limitação à venda de azulejos a estabelecimentos, a criação de um dia nacional do azulejo, assim como um alargamento do regulamento de interdições do município de Lisboa a todo o território nacional. As interdições propostas ao Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL) e publicadas em 2013 no Diário da República proibem a demolição de fachadas com azulejos e remoção de azulejos nas fachadas. “Queremos que seja algo generalizado, para que haja um maior grau de protecção.”
O objectivo do projecto é também chegar a todas as idades. Para isso, há a Acção Escola SOS Azulejo, que só no último ano envolveu 10 000 pessoas. “Os miúdos aderem muito e depois contagiam os familiares”, informa Leonor Sá. Também os Prémios Anuais SOS Azulejo, instituídos desde 2010, têm vindo a atrair pessoas com estudos, projectos ou obras artísticas.
Sobre o livro de Fernando Veiras, Leonor Sá apenas sabe que é um registo fotográfico e uma “homenagem”. “Tudo o que tem a ver com o património pretendemos apoiar e funcionar em rede”, comenta. Confrontada com os azulejos partidos ou substituídos no livro, Leonor Sá responde que podem ser muitos casos. O azulejo pode já não existir no mercado ou quando se introduzem réplicas há a preocupação de não se colocar um azulejo igual para que a mudança seja notada. É também por estas situações que o SOS Azulejo tem insistido com a Câmara Municipal de Lisboa para a criação de um banco de azulejos, como existe no Porto, Ovar ou Aveiro. Há milhares de azulejos de obras de demolições de fachadas realizadas no passado e assim as pessoas poderiam procurar o azulejo certo. Assim como instruções de colocação. Nunca se deve colocar um azulejo com cimento, mas sim com argamassa. “A Câmara de Lisboa tem-nos dito que [a criação do banco] está para breve. É algo simples que poderá ter muitos benefícios”, defende.
A mentora e coordenadora do SOS Azulejo gosta de pensar que o projecto deu um impulso ao património e hoje há mais pessoas interessadas. O azulejo não foi uma invenção portuguesa, mas neste momento, Portugal tem o maior património de azulejos do mundo. Foi a partir do século XV/ início do século XVI que os portugueses lhe atribuíram uma importância arquitectónica e decorativa, como a própria Leonor Sá explica no artigo O Azulejo Português como Paisagem Cultural, disponível no site do SOS Azulejo. Hoje estão presentes em igrejas, palácios, conventos, hospitais, escolas, quartéis, mercados, estações de metro e ferroviárias ou em prédios. “Até nas coisas mais banais, como postáis ou publicidade, os portugueses usam os azulejos. Mais nenhum outro povo faz essa utilização e é isso que é reconhecido pelos estrangeiros”, assinala Leonor Sá.