Vamos ver a exposição em que cuspiram nos quadros de Amadeo

Depois de apresentada no Museu de Soares dos Reis, entre 1 de Novembro e 1 de Janeiro, a exposição viaja para o Museu do Chiado, onde abre a 12 desse mês.

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Amadeo na casa de Manhufe, perto de Amarante DR

Se em 1916 houve quem cuspisse nos quadros de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), a exposição então realizada no Porto também serviu para estimular o debate, dizem as comissárias da mostra que a partir do próximo dia 1 de Novembro vai recriar no Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR) a iniciativa realizada há um século.

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Se em 1916 houve quem cuspisse nos quadros de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), a exposição então realizada no Porto também serviu para estimular o debate, dizem as comissárias da mostra que a partir do próximo dia 1 de Novembro vai recriar no Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR) a iniciativa realizada há um século.

Em declarações à Lusa, a historiadora de arte e comissária da exposição Raquel Henriques da Silva lembrou que "aquilo que se diz desta exposição é sempre um aspecto anedótico mais castiço, que as pessoas não perceberam nada, que foi um escândalo, que lhe cuspiram para os quadros, que lhe deram pancada". Mas há que acrescentar que a exposição de 1916, realizada no Jardim Passos Manuel, no Porto, e na Liga Naval Portuguesa, em Lisboa, levou a um debate sobre o que era a arte contemporânea.

Depois da apresentação no Porto, entre 1 de Novembro e 1 de Janeiro de 2017, a exposição viajará para Lisboa, para o Museu do Chiado, onde inaugurará a 12 do mesmo mês recorde-se que na Primavera uma grande retrospectiva do pintor modernista português foi apresentada pela Fundação Gulbenkian no Grand Palais, em Paris.

Amadeo de Souza-Cardoso – que teve nessa "exposição itinerante", como a define a também comissária Marta Soares, a sua única mostra individual em vida – foi "um gestor cultural como hoje [se diria]", considera Henriques da Silva, para quem "ele fez um trabalho pedagógico de mostrar a exposição a toda a gente, de explicar 'n' vezes, de situar a posição dele, e houve um debate concreto".

Marta Soares sublinhou que Amadeo, para além de ter comissariado a sua própria exposição, divulgou-a: "Amadeo, até então, costuma ser uma figura discreta. De repente, está praticamente todos os dias nas exposições, acompanha os visitantes, os jornalistas e concede duas entrevistas. Ganha uma visibilidade nestas exposições que até então não tinha".

Raquel Henriques da Silva recordou que, um ano antes, face à publicação da Orpheu, houve apelos para que os autores da revista fossem internados, algo que se assemelha à reacção à exposição de Amadeo, e que não se volta a repetir.

Por seu lado, a directora do MNSR, Maria João Vasconcelos, lembrou que a de 1916 foi "uma exposição que rompeu com muita coisa", e frisou que Amadeo "é um homem cuja obra tem uma capacidade de ser vista no conjunto da obra europeia, que é uma dimensão que não tem grande parte dos artistas [portugueses]".

Raquel Henriques da Silva realçou que o facto de Amadeo ter escolhido o Jardim Passos Manuel (onde hoje se encontra o Coliseu do Porto) fez com que quem fosse ver cinema ou participar em chás-dançantes naquele local se deparasse com as obras do pintor, o que levou a que o número de 30 mil visitantes tivesse sido mencionado por ele, a dada altura.

Se no Porto a imprensa da época reagiu de forma negativa, e os conhecidos de Amadeo na região não se manifestaram (algo que faz com que Raquel Henriques da Silva estranhe "o silêncio dessa gente toda"), em Lisboa Amadeo de Souza-Cardoso "consegue ter o que não teve no Porto: os parceiros do lado dele".

"No Porto, não há um igual que fale da exposição, são sempre jornalistas; mas quando chega a Lisboa, tem uma recepção apoteótica, graças ao Almada Negreiros", explicou a comissária, lembrando o manifesto que Almada distribuiu pelos cafés da cidade, no qual se podia ler que "a Descoberta do Caminho Marítimo p'rá Índia é menos importante do que a Exposição de Amadeo de Souza Cardoso na Liga Naval de Lisboa".

Apesar do entusiasmo de Almada Negreiros e do grupo da Orpheu, Amadeo só conseguiu vender uma peça em Lisboa, depois de não ter vendido nenhuma no Porto.

Das 114 peças expostas no Porto há 100 anos, vão estar na próxima exposição no Porto e em Lisboa mais de 80 dessas obras identificadas a partir dos catálogos originais. 

Maria João Vasconcelos anunciou ainda que vão ser definidas uma série de actividades paralelas à exposição no Porto, que liguem o Coliseu ao Soares dos Reis, incluindo um cortejo de carros da época.